Da Visão ao Sistema: Finalizando a Tarefa da Teologia Adventista. Parte 3: Santuário e Hermenêutica

                      Da Visão ao Sistema: Finalizando a Tarefa da Teologia Adventista. Parte 3: Santuário e Hermenêutica


Fernando Canale é professor de Teologia e Filosofia no Seminário Teológico Adventista da Andrews University, onde leciona desde 1985. Antes de se mudar para a Andrews University, ele foi pastor na Argentina e no Uruguai, e lecionou Filosofia e Teologia na Universidade Adventista Del Plata, na  Argentina.


Tradução: Hugo Martins

O artigo “Da Visão ao Sistema: Finalizando a Tarefa da Teologia Adventista. Parte 3: Santuário e Hermenêutica” (Original em Inglês: “From Vision to System: Finishing the Task of Adventist Biblical and Systematic Theologies—Part III”), por Fernando Canale,  foi primeiramente publicado no Journal of the Adventist Theological Society da ATS (Adventist Theological Society [Sociedade Teológica Adventista]) em 2006. Usado com permissão.


  1.  Revisão

No início do século XXI, a teologia adventista se encontra dividida. No primeiro artigo desta série, descobrimos que o pluralismo teológico adventista se originou quando a teologia leiga do adventismo primitivo enfrentou o mundo da pesquisa acadêmica. Tradição teológica, filosofia e ciência geraram questões as quais ele não estava preparado para responder. No final dos anos setenta, um setor do adventismo estava ajustando as crenças adventistas à teologia evangélica. Simultaneamente, outro setor estava ajustando o adventismo à ciência. No processo, adventismos evangélicos e progressistas esqueceram e substituíram a visão do santuário que originou a compreensão sistemática da teologia cristã que trouxe o adventismo à existência. A natureza do pluralismo adventista é metodológica. Surgem desacordos sobre os princípios básicos a partir dos quais interpretamos as Escrituras e entendemos as doutrinas cristãs. Isso põe seriamente em perigo unidade, ministério e missão da igreja.

No segundo artigo, vimos que o adventismo poderia superar suas atuais divisões teológicas se envolvendo criativamente em teologias bíblicas e sistemáticas. Teologia sistemática fornece o método acadêmico e o espaço para o sistema completo e harmonioso da verdade que os pioneiros adventistas viram. Teologias sistemática e bíblica assumem condições metodológicas e uma visão hermenêutica para guiá-los na descoberta da verdade.

  1. Introdução

No entanto, a convicção de que a filosofia e a ciência fornecem o guia hermenêutico e os princípios a partir dos quais os teólogos cristãos devem interpretar as Escrituras e articular as doutrinas cristãs de maneira sistemática é a rocha metodológica sob a qual repousa a grande e longa tradição teológica cristã. Podemos desafiar esta convicção de uma forma acadêmica? Podemos derivar o apriorismo teológico da Escritura? É possível uma teologia sistemática bíblica em nível acadêmico? Para responder a estas perguntas, precisamos considerar o papel hermenêutico que a filosofia e a ciência desempenham na teologia cristã. Dentro deste contexto geral, o objetivo específico deste artigo é avaliar a possibilidade de interpretação do apriorismo teológico a partir da Sola-Tota Scriptura  e da luz hermenêutica da doutrina do santuário.

Para atingir este objetivo, iremos (1) enfatizar o papel hermenêutico que a filosofia tem na teologia cristã; (2) reconhecer a área acadêmica onde os teólogos devem identificar, criticar, interpretar e formular as condições filosóficas e científicas do método teológico, da interpretação e da construção; (3) identificar os princípios hermenêuticos da teologia cristã; (4) extrair uma interpretação bíblica deles; (5) argumentar que o pluralismo teológico no adventismo decorre de diferentes interpretações dos princípios hermenêuticos da teologia; (6) explorar brevemente as consequências hermenêuticas da compreensão atemporal da realidade de Deus derivada da filosofia; (7) explorar brevemente a consequência hermenêutica da compreensão temporal da realidade de Deus presente nas Escrituras; (8) explicar o contexto em que a doutrina do santuário funciona como visão hermenêutica; (9) sugerir que as doutrinas do santuário e da aliança esclarecem uma a outra e trabalham juntas como uma linha hermenêutica; (10) argumentar que a pós-modernidade abre as portas para a aceitação acadêmica da abordagem bíblica da hermenêutica teológica; (11) descrever a natureza do pluralismo teológico no adventismo; (12) considerar uma forma de superar o pluralismo teológico na teologia adventista; (13) e delinear o desafio de pensar teologicamente à luz das Escrituras nos tempos pós-modernos. 

  1. Filosofia: Terra de Ninguém

Deveria o adventismo bíblico se preocupar com a filosofia? O adventismo e a filosofia parecem se anular mutuamente. Por causa de suas fortes origens bíblicas, a teologia adventista não absorveu a filosofia em seu nível disciplinar.[1] Nas últimas décadas do século XX, o adventismo progressista começou a lidar com questões éticas e buscar o significado das crenças no contexto de sua situação cultural. A pesquisa deles está mais próxima da metodologia sistemática do que com a exegética. Deste modo, o adventismo progressista se afastou do adventismo bíblico não apenas na metodologia,[2] mas também na concentração disciplinar. Adventismo progressista adotou um pensamento orientado a questões que se relacionam mais intimamente com a filosofia do que com os estudos bíblicos. Enquanto isso, o adventismo convencional estava mal preparado para entender e avaliar as novas ideias que se desenvolviam nessa frente. Como essas ideias se afastaram radicalmente do adventismo bíblico, torna-se necessário considerar o papel que a filosofia deve desempenhar na teologia adventista.

Neste artigo, argumentarei brevemente que, em parte, o presente pluralismo teológico no adventismo é alimentado por uma falta de pensamento crítico e criativo nesta área onde reside o fundamento hermenêutico para todas as disciplinas teológicas. Superação do pluralismo teológico no adventismo requer, então, pensamento criativo fiel na área da filosofia.

Adventismo não pode evitar o pluralismo teológico reafirmando seu compromisso tradicional de ficar longe do estudo e da reflexão filosófica. Implícita ou explicitamente, todos os teólogos assumem noções filosóficas cuja existência e operação passam despercebidas no nível do pensamento teológico. Esses pressupostos são necessários para o bom funcionamento de todas as disciplinas teológicas e suas relações interdisciplinares. A questão não é se devemos usar pressupostos filosóficos na teologia, mas como interpretá-lo-emos. Mais especificamente, de qual fonte derivaremos nossa interpretação dos princípios hermenêuticos da teologia cristã. Em suma, o adventismo não possui  a opção de não usar ideias filosóficas. Teólogos adventistas só podem escolher como interpretar as ideias filosóficas que devem usar ao abordar a tarefa da teologia cristã a partir do princípio Sola-Tota Scriptura.

Isto significa o fim do princípio Sola-Tota Scriptura? Em outras palavras, uma vez que os teólogos “têm que” usar ideias “filosóficas”, eles estão obrigados na prática a capitular às múltiplas fontes de matriz teológica?[3] Sugiro que isso é o que os teólogos protestantes e evangélicos fazem implicitamente. Eles lidam com a filosofia usando ideias filosóficas produzidas por diferentes sistemas filosóficos ao longo da história da civilização ocidental.[4] Adventistas evangélicos e progressistas adotam esse padrão metodológico e, implícita ou explicitamente, usam orientação filosófica e científica em sua interpretação das Escrituras e compreensão das doutrinas cristãs. Filosofia e ciência produzem as ideias que orientam o empreendimento hermenêutico da teologia cristã em todas as suas disciplinas, incluindo as teologias bíblica e sistemática.

Para evitar extrair implicitamente nossa interpretação dos princípios hermenêuticos do método teológico da filosofia e da ciência, é necessário aplicar o princípio Sola-Tota Scriptura  à crítica e interpretação deles. Esta tarefa preliminar requer a contribuição de pelo menos uma disciplina acadêmica que é quase inexistente nas teologias evangélica e adventista. Analisaremos brevemente a tarefa da teologia fundamental. 

  1. Teologia Fundamental

 Não há consenso acadêmico sobre o nome ou a estrutura disciplinar que o estudo dos pressupostos ontológicos e epistemológicos deve ter na teologia. Na teologia católica, a filosofia e a teologia natural desempenham esse papel fundamental. Provavelmente, a razão para esta situação é que os teólogos católicos extraem seu método de estudar teologia diretamente da filosofia. Teologia protestante, muito menos familiarizada com a filosofia e hesitante em relacioná-la com a teologia, refere-se à mesma tarefa filosófica de várias maneiras. Pannenberg, por exemplo, abordou esta área da teologia sob o rótulo de “Filosofia da Ciência.”[5] Algumas teologias sistemáticas agrupam as várias questões preliminares, metodológicas e hermenêuticas sob a rubrica de “prolegômenos” para a teologia propriamente dita.[6] Os rótulos “teologia fundamental”[7] e “metateologia” também são usados.[8]

Prefiro “teologia fundamental” porque descreve adequadamente a natureza e o papel das questões que discutimos neste nível. Resumidamente, a reflexão acadêmica nesta área investiga todas as questões relacionadas aos fundamentos metodológicos e hermenêuticos da teologia cristã. Eles incluem os princípios cognitivos, hermenêuticos, teleológicos e metodológicos da teologia cristã. Do lado positivo, nomear essa área de reflexão como “teologia fundamental” move adequadamente a noção de fundacionalismo do significado e uso moderno para o pós-moderno. Do lado negativo, a teologia católica romana usa o rótulo de teologia fundamental/fundacional para designar a tarefa apologética na teologia.[9]

Stanley Grenz popularizou os rótulos de “fundacionalismo” e “não-fundacionalismo” para se referir às epistemologias moderna e pós-moderna, respectivamente.[10] “Fundacionalismo” se torna o rótulo que aponta para uma lealdade filosófica aos ensinamentos epistemológicos da modernidade e seu compromisso com a certeza absoluta. No rótulo “teologia fundamental,” a palavra “fundamental” está intimamente relacionada à palavra “fundação”, e, portanto, pode ser incorretamente conectada ao fundacionalismo científico empirista moderno. Em vez disto, nomeia a área onde os teólogos abordam as questões básicas que assumem no pensamento teológico e na metodologia. Teologia fundamental, então, aborda questões que tomamos conhecimento por meio da pesquisa pós-moderna na área da hermenêutica.[11] Uma vez que estas questões se tornam princípios orientadores a partir dos quais construímos nossa teologização, elas desempenham um papel fundamental. Portanto, podemos considerá-los apropriadamente como “fundações” da tarefa teológica. O leitor adventista deve estar ciente neste ponto de que os primeiros adventistas, sem saber, abordaram esta área do pensamento teológico sob o rótulo de “Pilares da Igreja.” Implicitamente, os “Pilares do Adventismo” se referem a algumas das questões fundamentais incluídas na teologia fundamental. Explicitamente, assumem uma compreensão bíblica delas. 

  1. Princípios Hermenêuticos

Mais especificamente, o rótulo de teologia fundamental nomeia a área onde os teólogos refletem sobre o apriorismo teológico. apriorismo teológico se refere a todas as suposições necessárias que os teólogos fazem quando se envolvem na tarefa de fazer teologia nas várias disciplinas da enciclopédia teológica. apriorismo teológico inclui os princípios cognitivos, hermenêuticos, teleológicos e metodológicos da teologia cristã.

Nossa discussão aqui requer uma breve familiaridade com os princípios hermenêuticos da teologia cristã. Embora todos os princípios incluídos no apriorismo teológico estudados pela teologia fundamental forneçam “orientação” para a tarefa teológica, os princípios hermenêuticos desempenham o papel principal na interpretação das Escrituras e na construção dos ensinamentos do cristianismo. Os princípios hermenêuticos do apriorismo teológico incluem nossas suposições sobre ontologia, epistemologia e metafísica. Na teologia cristã, os princípios hermenêuticos incluem as áreas de (1) realidade (princípio da realidade, tecnicamente conhecido como ontologia); (2) realidade como um todo (princípio da articulação, tecnicamente conhecido como metafísica, que estuda a questão “o todo e as partes” ou “o uno e os muitos”);[12] e, (3) conhecimento (princípio do conhecimento, tecnicamente conhecido como epistemologia).

Por razões que não posso explicar aqui, a compreensão de todos os componentes ou campos do apriorismo teológico gira em torno da maneira como interpretamos a realidade. Esta área inclui a ontologia geral, ou seja, a interpretação das principais interpretações abrangentes das características básicas de tudo o que é real. Com base nisso, as ontologias regionais estudam a realidade de Deus, dos seres humanos e do mundo. A interpretação do conhecimento se baseia na compreensão da realidade. Inclui, entre outras, a questão da origem e interpretação do conhecimento humano. A interpretação de “o todo e das partes” prevê a maneira pela qual toda a realidade, “o um e os muitos”, se relacionam entre si, formando um “todo” ordenado.[13] 

  1. Filosofia Bíblica

Tradicionalmente, os teólogos adaptaram para uso teológico o que os filósofos cristãos e não cristãos concluíram sobre essas questões.[14] Este empréstimo intelectual se encaixa na matriz da multiplicidade de fontes no método teológico. Uma vez que o adventismo e muitos teólogos evangélicos defendem o princípio Sola-Tota Scriptura, precisamos desenvolver nosso próprio pensamento sobre essas questões à luz das Escrituras. Não podemos usar o que os filósofos cristãos e não cristãos ensinaram sobre eles. Precisamos chegar às nossas próprias conclusões sobre como entender as questões que assumimos a partir da luz que as Escrituras fornecem sobre elas.

Uma teologia fundamental fiel ao princípio Sola-Tota Scriptura deve identificar essas ideias filosóficas e descobrir por que precisamos delas na tarefa teológica. Devemos, então, descobrir como os filósofos interpretaram essas ideias e como os teólogos cristãos as adaptaram para uso teológico. Por fim, devemos descobrir como os autores bíblicos interpretaram as mesmas ideias. Este procedimento nos ajudará a identificar o que emprestamos de fontes extrabíblicas de nossas leituras teológicas e pertencentes à cultura ocidental. Desta forma, a desconstrução adventista primitiva da tradição encontra um lar no domínio acadêmico.[15] Uma vez que identificamos as interpretações filosóficas e científicas dos princípios hermenêuticos da teologia, podemos substituí-las pelas bíblicas. Assim, primeiro definimos nossas ideias filosóficas a partir das Escrituras (princípio Sola-Tota Scriptura ) e depois as usamos como guias hermenêuticos para entender todas as disciplinas teológicas e científicas (princípio Prima Scriptura). 

  1. Visão Hermenêutica e Pluralismo

Pluralismo teológico no adventismo não ocorre como diferenças superficiais no estilo de vida, interpretação bíblica ou ênfase doutrinária. Em vez disso, vem do profundo terreno metodológico onde se ergue todo o edifício da interpretação bíblica e da construção doutrinária. Compreender e superar o pluralismo teológico nos tempos pós-modernos exige, portanto, uma reflexão cuidadosa no campo da teologia fundamental.

Podemos traçar diferenças teológicas profundas nos princípios hermenêuticos que os teólogos cristãos assumem explícita ou implicitamente em seu trabalho. Podemos rastrear a origem dos princípios hermenêuticos clássicos, modernos, evangélicos e pós-modernos até as ideias filosóficas que os teólogos adaptaram para uso teológico. Afinal, ao fazer teologia cristã, pressupõe-se uma compreensão da realidade (ontologia), do quadro geral (metafísica) e da natureza do conhecimento (epistemologia).

No adventismo evangélico, a justificação pela fé funciona como a visão hermenêutica da qual procede a interpretação das Escrituras e a construção da teologia cristã. No adventismo progressivo, a noção de evolução biológica e histórica funciona como a visão hermenêutica da qual procede toda a interpretação das Escrituras e a construção da teologia cristã. Obviamente, seus pontos de vista serão amplamente incompatíveis entre si. No entanto, como eles se baseiam nos mesmos pressupostos ontológicos básicos, eles são capazes de concordar com o essencial.

As visões hermenêuticas derivam de fontes filosóficas. Versões evangélicas e modernas do cristianismo são construídas a partir das mesmas fontes filosóficas não bíblicas. Portanto, o fundamento filosófico da teologia se torna a luz guia da qual procede toda a hermenêutica teológica.

Anteriormente neste estudo, sugerimos que a interpretação bíblica e a construção teológica requerem orientação hermenêutica. Notamos também que a teologia cristã extraiu sua orientação hermenêutica de ideias filosóficas. Ademais, sabemos que as questões ontológicas, metafísicas e epistemológicas abordadas pela filosofia são pressupostos necessários para a tarefa da teologia. Não podemos evitar os problemas, mas podemos escolher como interpretá-los e usá-los nas disciplinas teológicas. Tanto adventistas evangélicos quanto progressistas extraem suas visões hermenêuticas, explícita ou implicitamente, das mesmas fontes filosóficas e científicas usadas pelos teólogos clássicos e modernos.[16] Quais são os pressupostos hermenêuticos a partir dos quais o adventismo bíblico opera? Para responder a esta pergunta, precisamos explorar brevemente os pressupostos hermenêuticos implícitos na doutrina do santuário que os primeiros pioneiros experimentaram como uma visão hermenêutica que guiou sua interpretação bíblica e compreensão teológica. Podemos usar a mesma visão hermenêutica em nossa abordagem disciplinar da teologia cristã?

Como mencionamos acima, na teologia cristã, os princípios hermenêuticos incluem princípios de realidade (ontologia), articulação (metafísica) e conhecimento (epistemologia). A doutrina do santuário implica visões ontológicas específicas sobre os princípios de realidade e articulação. Essas visões, por sua vez, têm implicações diretas para a epistemologia bíblica. Consideraremos brevemente aqui os princípios de realidade e articulação implícitos no santuário bíblico. Com este objetivo em mente, voltaremos nossa atenção para a maneira pela qual a doutrina do santuário assume a realidade de Deus.

  1. Deus e Atemporalidade

Teologias bíblica e sistemática concordam em afirmar a centralidade da doutrina de Deus em suas interpretações e construções.[17] Significa que a compreensão implícita ou explícita do ser (realidade) de Deus e as ações que os teólogos assumem ao ler as Escrituras ou refletir sobre as doutrinas da igreja determinam suas interpretações e construções.

Conforme apresentado nas Escrituras, o santuário não é principalmente uma doutrina, mas uma realidade. Isso significa que, quando os autores bíblicos escreveram sobre o santuário, eles estavam interpretando a realidade. A realidade do santuário não é primariamente uma edificação, mas um Ser, Deus. Significa que não podemos entender o significado do santuário focando na edificação. Em vez disso, devemos nos concentrar no Ser que habita e se relaciona através da edificação. O santuário é a “casa do ser”. De acordo com as Escrituras, Deus habitou no santuário do Antigo Testamento (Êx 25:8). Ele realmente habitou em uma tenda espaço-temporal? Devemos entender esta afirmação “teologicamente” como símbolo ou metáfora? A maioria das escolas de teologia negará que Deus realmente habitou no espaço e no tempo. Esta negação decorre da convicção de que a realidade de Deus não tem tempo e nem espaço. Conhecemos esta visão como a atemporalidade de Deus. Teólogos geralmente relacionam a atemporalidade com a “eternidade” como um atributo de Deus[18] e não conseguem ver como a atemporalidade determina o tipo de realidade que Deus é e a maneira como ele opera.

As características básicas da atemporalidade são a total ausência de sequência temporal e espaço naquilo que é atemporal.[19] Deus existe, vive e age fora da sequência de tempo futuro-presente-passado.[20] Seu ser experimenta todas as perfeições e nossa história simultaneamente. Atemporalidade de Deus se estende à vida dele. Deus não experimenta sua vida perfeita em uma sequência passada, presente e futura. Se fizesse, por definição, deixaria de ser perfeito, imutável e eterno. Ele deixaria de ser Deus porque o tempo é o traço ontológico básico da criação. Consequentemente, Deus não tem história real. Deus não tem espaço. Deus é incompatível com espaço e tempo. Se assumirmos que Deus não tem espaço ou tempo em qualquer sentido da palavra, então não podemos aceitar que Deus realmente habitou no santuário do Antigo Testamento e interagiu com Israel como o Antigo Testamento afirma. Estas pressuposições ontológicas exigem que interpretemos a linguagem bíblica sobre o santuário e as atividades divinas como sendo reais em um sentido atemporal e não histórico, isto é, em um sentido espiritual atemporal.

Esta suposição fornece a visão hermenêutica para a interpretação teológica através do espectro das teologias cristãs ao longo da história.[21] Teólogos entendem e interpretam Escrituras e teologia assumindo as principais características da cosmologia dualista de Platão. Ou seja, existem dois níveis de realidade. Existe “este” lado, o lado da natureza onde vivemos no espaço e no tempo. Há também “o outro lado,” o lado de Deus e da sobrenatureza. O lado de Deus é atemporal; nosso lado é temporal. Assumindo este mapa ou realidade, os teólogos tentaram compreender Deus e sua relação conosco. Esta é a visão hermenêutica básica da teologia cristã.

O quadro completo do dualismo ontológico que as teologias cristãs assumem inclui o dualismo ontológico mais familiar de corpo e alma. Assim, a compreensão atemporal da ontologia exige não apenas uma dicotomia cosmológica entre realidades celestes e históricas, mas também um dualismo antropológico entre alma e corpo. Encontramos estas interpretações ontológicas firmemente estabelecidas nos escritos de Agostinho e Tomás de Aquino. Teologias católica romana e protestante extraem seus fundamentos ontológicos de seus escritos.

As consequências desta visão hermenêutica se estendem a toda doutrina cristã.[22] Por exemplo, consideremos a morte de Cristo na cruz. O que Deus fez na cruz? A cruz sendo um evento temporal e Deus sendo um ser atemporal desafiam os teólogos. Eles enfrentaram o desafio de diversa e criativamente. No entanto, quando levamos em consideração a atemporalidade do ser divino, chegamos à conclusão inevitável de que tudo o que aconteceu na cruz foi apenas uma manifestação do que já existe e sempre existe em Deus.[23] Em outras palavras, os eventos históricos que os Evangelhos narram apenas revelam o amor eterno de Deus e as intenções salvíficas, mas não causam nossa salvação. Contradiz diretamente a afirmação em Hebreus 5:7–9 de que a morte de Cristo é a causa de nossa salvação. Já escrevi em outro material sobre o modo como esta visão hermenêutica afeta a doutrina do santuário.[24] Basta dizer que não há um santuário real no céu onde Deus se envolva em uma série sequencial de atividades salvíficas. O santuário celestial, como todas as realidades “celestiais”, é “espiritual” porque não tem espaço nem tempo.

  1. Deus e O Tempo

A atemporalidade de Deus tem origem no pensamento filosófico grego onde a teologia cristã mantém o respeito devido às múltiplas fontes de matriz do método teológico que escolhe seguir. No entanto, a atemporalidade divina não tem fundamento nas Escrituras. As evidências deste fato estão presentes em todas as Escrituras. O Deus que ordenou a Moisés que construísse um santuário para que pudesse viver entre eles é o mesmo Deus que lhe apareceu no espaço e no tempo no Monte Horebe anteriormente (Êx 3:1). Em resposta ao pedido de identificação divina de Moisés, Deus se revelou como Eu Sou (ser). Deus revelou sua temporalidade ao se fazer presente no espaço e no tempo diante de Moisés (Êx 3:1–15).[25] Ainda que Deus revele a temporalidade de seu ser, ele não a explica. Contudo, o ser de Deus não é atemporal, mas temporal. A passagem de uma compreensão atemporal para temporal da realidade divina acarreta a maior mudança de paradigma hermenêutico na história da teologia cristã.

Recentemente, vários estudos sobre atemporalidade e a relação de Deus com o tempo foram publicados. A atemporalidade de Deus está tão profundamente arraigada na consciência coletiva dos teólogos cristãos que é difícil, se não impossível, substituir seu papel presumido, pois a hermenêutica não encontrou nenhuma base para a atemporalidade divina “na literatura bíblica ou na literatura confessional da Igreja Católica ou de igrejas protestantes.”[26] Além disso, ele confessa que, nesse ponto crucial, as evidências que ele descobriu “parecem apontar claramente na outra direção.”[27] No entanto, Pike parece não ter substituto para a atemporalidade como visão hermenêutica. Vê-se quando ele sugere que não devemos excluir a doutrina da atemporalidade de um sistema de teologia cristã. Em vez disso, devemos nos perguntar se “existe alguma razão para pensar que a doutrina da atemporalidade de Deus deve ter um lugar em um sistema de teologia cristã?”[28] Abordando a mesma questão, Alan G. Padgett sugere: “Deus é de fato tanto temporal quanto ‘relativamente’ atemporal”[29] de uma forma que traz à mente a proposta da Filosofia do Processo. Em uma tentativa igualmente dualista de entender a realidade de Deus como atemporal e temporal, William Lane Craig sugere: “Deus é atemporal sem criação e temporal desde a criação.”[30] Isso pode muito bem ser uma visão “perfeitamente coerente,”[31] mas não corresponde ao entendimento bíblico da realidade divina.

Existem poucos teólogos que afirmam a temporalidade de Deus a partir das Escrituras. Teólogos de mente aberta, por exemplo, afirmam a temporalidade de Deus sem dar muito pensamento teológico ou filosófico a isso. Por exemplo, Clark Pinnock vê Jonas 3:10 implicando que “Deus experimenta a passagem temporal, aprende novos fatos quando eles ocorrem e muda os planos em resposta ao que os humanos fazem.”[32] Com base nisso, ele acrescenta: “Deus é imutável em natureza e essência, mas não em experiência, conhecimento e ação.” Oscar Cullmann, em um estudo mais detalhado sobre o tempo no Novo Testamento, afirma inequivocamente que os escritores do Novo Testamento assumiram a realidade temporal do ser de Deus.[33]

“Tempo e eternidade compartilham esta qualidade de tempo. Cristianismo primitivo nada sabe sobre um Deus atemporal. O Deus ‘eterno’ é aquele que estava no princípio, é agora e será em todo o futuro, ‘quem é, quem era e quem será’ (Ap 1:4). Assim, sua eternidade pode e deve ser expressa desta maneira ‘ingênua’, em termos de tempo sem fim. Esta qualidade de tempo não é, em sua essência, algo humano que surgiu pela primeira vez na criação decaída. Além do mais, não está ligada à criação.”[34]

Mais recentemente, o filósofo de Yale, Nicholas Wolterstorff, afirmou a temporalidade divina a partir das Escrituras. Ele mostra textos bíblicos usados para “provar” que a atemporalidade divina é uma ideia que falha no teste bíblico. Em vez disso, eles indicam que Deus é temporal.[35] Se Deus é temporal, então podemos falar de uma história real de Deus. A história de Deus gira em torno de suas ações. Wolterstorff explica corretamente:

“As ações de Jesus não foram simplesmente ações humanas trazidas por Deus, acrescidas de ações humanas executadas livremente por Jesus em situações trazidas por Deus, foram as próprias ações de Deus. Na vida e nos atos de Jesus, foi Deus quem habitou entre nós. A narrativa da história de Jesus não é apenas uma narrativa sobre os acontecimentos da história da relação do ser humano com Deus; é uma narrativa sobre Deus. Deus tem uma história; a doutrina da encarnação implica que a história de Jesus é a história de Deus.”[36]

A mudança de uma compreensão atemporal para temporal do princípio hermenêutico da ontologia é a mudança de paradigma hermenêutico mais radical na história da teologia cristã. Mudança tal que requer uma avaliação crítica da tradição doutrinária. Em outras palavras, a teologia sistemática deve começar por uma desconstrução sistemática das doutrinas recebidas porque os teólogos anteriores as construíram a partir de visões hermenêuticas não bíblicas. Em seguida, seguem-se as tarefas interpretativas (teologia bíblica) e construtivas (teologia sistemática). Devemos começar reinterpretando toda a doutrina de Deus e sua história. O esboço bíblico da história de Deus começando com presciência, predestinação e continuando com a criação e providência deve revelar a metanarrativa que articula a lógica interna do pensamento bíblico.[37] Atos históricos do ser de Deus são o centro que articula a metanarrativa bíblica. Nela, os atos de Deus procedem em uma verdadeira progressão cronológica histórica.[38]

Além disso, devemos tentar entender cada ato divino como gerado histórica e intrinsecamente do ser de Deus.

A situação é clara: trabalharmos a partir de um paradigma metodológico de múltiplas fontes de teologia, nos comprometemos a “integrar” percepções bíblicas com percepções extraídas da tradição, filosofia, ciência e cultura. Deste compromisso, herdamos o princípio hermenêutico da realidade divina da filosofia via tradição. A partir destas fontes, somos induzidos a acreditar que a realidade divina é totalmente atemporal, ou, de alguma forma, é atemporal e temporal, “abrindo” espaço para as realidades óbvias da existência humana e das narrativas bíblicas.

Quando operamos a partir do princípio Sola-Tota-Prima Scriptura, a interpretação atemporal da realidade divina se torna uma extrapolação originada não da revelação divina, mas da imaginação humana. Autores da Bíblia expressam e assumem a temporalidade divina ao longo das Escrituras. Não há razão para pensar que Deus é atemporal ou não tem uma história real. Naturalmente, precisamos entender o que queremos dizer com Deus sendo temporal. Afirmar a temporalidade divina sem maiores esclarecimentos sobre suas características específicas pode levar alguns leitores a ver Deus como possuidor das mesmas limitações que as criaturas. Ademais, não é isso que as Escrituras ensinam. Precisamos deixar para um momento posterior um estudo completo sobre Deus e do tempo. Para nosso propósito específico aqui, basta dizer que qualquer que seja o significado da temporalidade de Deus, precisamos descobrir enquanto pensamos em obediência à revelação bíblica e não assumindo o mesmo significado de tempo para nós. Muito pelo contrário, uma consideração cuidadosa das ações e revelações de Deus por meio das Escrituras nos levará a entender a temporalidade divina de maneiras bem diferentes (transcendentes) das nossas. Assim, não devemos entender a temporalidade divina de forma unívoca[39] ou equívoca[40], mas analogamente à temporalidade criada.

Compreensão temporal do princípio hermenêutico da realidade é importante porque determina se devemos entender as Escrituras cognitivamente como história real ou, funcionalmente, como indicadores metafóricos, simbólicos e míticos para a realidade espiritual atemporal. Deste modo, o que importa no final é que o significado “real” da Escritura depende de nossa interpretação do princípio hermenêutico da realidade. Podemos apreciar o papel hermenêutico “guia” do princípio da realidade quando comparamos duas abordagens diferentes da escatologia bíblica.

Teologia adventista surgiu como uma teologia verdadeiramente “escatológica” um século antes que os teólogos “escatológicos” alemães Wolfhart Pannenberg e Jürgen Moltmann ganhassem destaque. Podemos traçar as diferenças radicais que existem entre estas duas teologias “escatológicas” ao princípio hermenêutico da realidade do qual elas fluem. A primeira adota implicitamente a interpretação histórico-temporal bíblica que flui das Escrituras. A última adota explicitamente a interpretação atemporal tradicional que flui da filosofia grega por meio da tradição da igreja.[41] Escatologia adventista aceita a realidade histórica da nova terra. Isto significa especificamente que a nova terra será real no espaço e no tempo. Tomamos essa pista do entendimento de que a nova criação de que fala Apocalipse 21:1–5 é uma restauração do projeto perfeito que este planeta tinha quando Deus o criou (Gn 1–3).

Podemos ver claramente como a interpretação atemporal do princípio da realidade guia a escatologia de Moltmann quando ele explica que na nova terra não haverá mais tempo e nem futuro.[42] O “eon de glória” descreve a realidade da nova terra. Seguindo Platão e a tradição cristã, Moltmann entende a realidade da nova criação como pertencente ao “tempo eônico”, que corresponde à eternidade de Deus. No tempo aeônico, a sucessão “antes e depois”[43] essencial para o tempo criado não existe. Em vez disso, tudo existe “simultaneamente.”[44] Consequentemente, a “nova terra” não é este planeta restaurado, mas uma metáfora para a presença de Deus e a interpenetração da criação.[45] Nesse ato, Deus não está restaurando o plano perfeito que alcançou na semana da criação, mas realizando pela primeira vez o objetivo final da criação.[46] Em suma, visto que Moltmann assume que a realidade de Deus é atemporal, ele pensa que no céu não haverá tempo[47] ou espaço como vivenciamos agora.[48] Não haverá lugares ou dias para adorar a Deus ou fazer coisas novas. Não haverá sábado para guardar.

Quando os teólogos clássicos e modernos entendem a realidade de Deus como atemporal, eles esperam que os textos bíblicos também falem sobre a realidade atemporal. No entanto, as Escrituras apresentam Deus agindo historicamente no fluxo do tempo histórico criado. Neste contexto hermenêutico, uma interpretação literal da Escritura é impossível porque envolve uma contradição interna. Deus não pode ser temporal e atemporal ao mesmo tempo. Para resolver este problema, eles interpretam as Escrituras “teologicamente”[49] ou “espiritualmente”[50] Para eles, a Escritura é uma linguagem simbólica, metafórica ou mítica que se refere indiretamente à realidade espiritual e não histórica de Deus. No jargão técnico, as Escrituras falam sobre a realidade “final”.

Contudo, se, seguindo o pensamento bíblico, entendemos a realidade de Deus como infinitamente temporal, percebemos que os textos bíblicos falam diretamente sobre a realidade de Deus. Uma vez que essa suposição se baseia na revelação de Deus nas Escrituras, devemos preferi-la à visão atemporal que se baseia na imaginação humana. Uma vez que Deus é um ser histórico que age historicamente na ordem sequencial futuro-presente-passado, para entender as Escrituras “teologicamente” e “espiritualmente”, precisamos interpretá-las historicamente.

  1. Visão Hermenêutica do Santuário

Nas Escrituras, a metanarrativa da “história de Deus” inclui, mas é muito mais ampla do que a história de Deus em Jesus Cristo. História de Deus que se estende do passado à eternidade futura, torna-se a metanarrativa que as teologias bíblica e sistemática desenvolvem a partir do princípio Sola-Tota-Prima Scriptura e da compreensão temporal do princípio hermenêutico da realidade. A teologia adventista primitiva assumiu implicitamente que Deus é temporal e age em uma sequência cronológica histórica que constitui a história de Deus. Esta convicção implícita lhes permitiu perceber que Deus opera sua obra de Salvação historicamente por meio da estrutura do santuário, e interpretar as profecias de Daniel e Apocalipse historicamente. Isto os levou a ver a metanarrativa bíblica como um Grande Conflito entre Cristo e Satanás. Desta forma, a doutrina do santuário se tornou a chave que revelou um “sistema completo de verdade, conectado e harmonioso.”[51]

O sistema de verdade conectado e harmonioso se refere a todas as doutrinas cristãs que encontram sua lógica interna quando interpretadas a partir da compreensão bíblica do princípio hermenêutico da realidade (ontologia) e articulação (metafísica).[52] Já que os autores bíblicos falam de Deus como ilimitado no espaço e no tempo, mas capaz de se relacionar temporal e espacialmente com sua criação, a “metafísica” se torna “metanarrativa”. Em outras palavras, a questão tradicional do “um e dos muitos” (o todo e as partes) que a filosofia grega explicava por meio da “metafísica”, o pensamento bíblico abordou por meio da “metanarrativa”. Metafísica e metanarrativa são maneiras diferentes de resolver o mesmo problema filosófico do um e dos muitos, do todo e das partes. Metafísica é a abordagem clássica e moderna que a explica por meio de uma estrutura hierárquica estática de entidades temporais-atemporais. A metanarrativa é a abordagem pós-moderna que a explica por meio de um processo histórico dinâmico em andamento.[53] Existem muitas maneiras possíveis de interpretar a metafísica e as metanarrativas. Escritura é uma entre muitas metanarrativas filosóficas possíveis que explicam a questão do um e dos muitos.

Adventismo precisa recuperar biblicamente a metanarrativa do Grande Conflito.[54] A maioria dos adventistas relata o Grande Conflito por meio dos escritos de Ellen White.[55] Em seguida, eles o aplicam à sua interpretação bíblica e construção doutrinária. Com o passar do tempo, o crescimento exponencial da igreja e o advento de uma sociedade pós-moderna e visualmente orientada, os adventistas de hoje estão muito menos familiarizados com os escritos de Ellen White e o tema do Grande Conflito do que as gerações anteriores.

Além disso, o adventismo passou a experimentar a doutrina do santuário como uma de suas partes, o juízo antes da segunda vinda de Cristo.[56] Quando as novas gerações de adventistas recebem a doutrina do santuário desta forma limitada, entendem-na a partir do contexto de uma metanarrativa diferente. Como vimos no primeiro artigo desta série, os adventistas evangélicos e progressistas consideram o juízo investigativo do santuário sem sentido ou contraditório à doutrina da justificação pela fé. Os eventos que cercam o sacrifício de Cristo na cruz se tornam implicitamente a metanarrativa a partir da qual eles entendem a doutrina do santuário. Todavia, como veremos mais adiante, a doutrina bíblica do santuário inclui mais do que o juízo investigativo, revela uma metanarrativa bíblica mais ampla do Grande Conflito, incluindo e articulando a encarnação e a morte de Cristo.

Além disso, o texto bíblico não cede sua metanarrativa à abordagem descritiva da teologia bíblica, mas à abordagem construtiva da teologia sistemática. Metanarrativa bíblica aparece quando somos capazes de seguir a lógica interna e a progressão do processo histórico das atividades divinas descritas nas Escrituras. Por esta razão, a metanarrativa do Grande Conflito é mais do que a batalha cósmica no céu antes da criação deste planeta descrita por Ellen White.[57] Grande Conflito também é mais do que o conflito entre Deus e os poderes do mal que Gregory Boyd descreve como a “cosmovisão bélica.”[58] Grande Conflito como metanarrativa aparece quando somos capazes de seguir a lógica interna e a progressão histórica das atividades divinas envolvidas no plano e na realização da redenção cósmica.

Como recuperamos biblicamente a metanarrativa do Grande Conflito? Primeiro, precisamos estar convencidos de que precisamos usá-lo em nosso método teológico. Segundo, precisamos trabalhar sistematicamente com base no princípio Sola-Tota-Prima Scriptura sob a orientação hermenêutica da compreensão bíblica do princípio hermenêutico da realidade de Deus. Terceiro, precisamos usar o conteúdo da doutrina do santuário que já temos como comunidade como a chave para acessar o fluxo de atos históricos envolvidos no plano da redenção. Aqui farei apenas algumas sugestões de como proceder.

Para usar a doutrina do santuário como chave de acesso à metanarrativa bíblica do Grande Conflito, os adventistas precisam se familiarizar com seu conteúdo.[59] Também precisamos ampliar nossa visão do que a doutrina do santuário implica nas Escrituras.[60] Esta visão ampliada nos ajudará a usar a doutrina do santuário como uma chave para o Grande Conflito como metanarrativa.

A “doutrina do santuário” bíblica não resulta da simples descrição do santuário ou de passagens “cultuais” das Escrituras. Surge da integração dos textos cultuais e do santuário com as profecias de Daniel e Apocalipse possibilitadas pela interpretação bíblica do princípio hermenêutico da realidade temporal de Deus. A compreensão histórica do ser e dos atos de Deus fundamenta a abordagem historicista da interpretação profética e da presença e atividade histórica de Deus no santuário.

Voltaremos nossa atenção agora para a maneira pela qual a doutrina do santuário se relaciona com a aliança.

  1. A Estrutura Santuário-Aliança

Geralmente lidamos com a doutrina do santuário e da aliança como questões teológicas diferentes. No entanto, e se ambas fizerem parte de uma estrutura complexa por meio da qual Deus opera a redenção historicamente no fluxo do tempo criado? Talvez, para entendermos adequadamente a doutrina do santuário, precisamos considerar a maneira como ela se relaciona com a aliança bíblica e vice-versa. Nesta seção, sugiro que Deus coloca em operação seu plano eterno de salvação por meio de uma sequência histórica de atos redentores centralizados na estrutura do santuário-aliança. Seguir esta estrutura e suas conexões com a história e a profecia nos ajudará a descobrir a metanarrativa do Grande Conflito nas Escrituras.

Ao habitar no santuário do Antigo Testamento, Deus se relacionou com o povo e lhes ministrou sua salvação. Esta morada se tornou o tipo da encarnação de Cristo.[61] Bem como na encarnação de Cristo, no santuário Deus se aproximou de seu povo habitando em um edifício. O santuário é a morada de Deus. Assim como o santuário sem a presença de Deus é um edifício vazio (Êx 33:1–17), a presença de Deus no santuário sem um povo não é um santuário, mas uma residência sem propósito. O santuário é a estrutura espaço-temporal através da qual Deus esteve continuamente presente e se relacionando com seu povo durante os tempos bíblicos (Hb 8:1–2). Portanto, o santuário é uma estrutura espacial que facilita a interação de Deus com seu povo escolhido. À medida que Deus alcançou objetivos no processo salvífico da redenção em Cristo, o santuário se moveu para o céu para alcançar objetivos ainda não alcançados no plano da salvação no nível cósmico do Grande Conflito (Hb 1:13; 2:8; 1 Cor 15:23–28).

Por meio da aliança, Deus cria um povo fora do mundo (Gn 12:1–3) para restaurar nele o desígnio perfeito da criação do mundo perdido pelo pecado (Jr 31:33). Deus inicia sua restauração redentora do mundo trabalhando com e para seu povo escolhido no fluxo histórico da vida cotidiana. Na aliança, Deus se relaciona com Seu povo por meio de mandamentos e promessas (Gn 12:1). A aliança é o relacionamento histórico vivo entre Deus e os seres humanos que requer que o cenário do santuário articule as relações históricas vivas de Deus com seu povo.[62] Ao habitar no santuário do Antigo Testamento, Deus estabelece sua relação pactual com seu povo e lhes cumpre suas promessas.

Podemos comparar o relacionamento interno entre a aliança e o santuário ao casamento. O casamento é a união das vidas e destinos de um homem e de uma mulher para sempre. Contudo, para compartilhar uma vida em comum, o casal precisa de um lar. Podemos comparar os votos do casamento a compartilhar uma vida comum na aliança. Na aliança, Deus e o povo se comprometem a compartilhar uma vida comum. O santuário é o lugar de onde se desenvolve essa vida comum.

Aliança e santuário pertencem um ao outro. Eles se correspondem e se complementam como aspectos do mesmo processo histórico de redenção que Deus realiza na história. O santuário sem a aliança é vazio. A aliança sem o santuário é cega. A aliança é o conteúdo do santuário. O santuário fornece estrutura histórica e precisão ao relacionamento da aliança. Neste sentido, eles se tornam os contextos imediatos a partir dos quais Deus se relaciona com seu povo e realiza historicamente a salvação do mundo.

Se Deus é analogicamente temporal, devemos entender suas obras na ordem sequencial apresentada nas Escrituras. Deus opera as obras de salvação não liberando toda a força de sua onipotência, mas dentro das limitações do tempo e espaço criados. Nas Escrituras, essa progressão ocorre dentro dos parâmetros divinamente estabelecidos articulados na estrutura pactual do santuário.[63] Se usarmos a estrutura relacional santuário-aliança como chave para entender as atividades redentoras divinas por meio de histórias passadas e futuras — interpretação historicista de Daniel e Apocalipse — chegaremos ao Grande Conflito que os autores bíblicos da metanarrativa assumem ao pensar e escrever teologicamente.

Como metanarrativa bíblica, o Grande Conflito é o princípio hermenêutico de articulação na teologia bíblica adventista. Esta escolha interpretativa fundamental separa o adventismo bíblico de todos os sistemas clássicos e pós-modernos de teologias cristãs. Adventismo bíblico não articula ensinos bíblicos e doutrinas cristãs usando a metafísica hierárquica dos tempos clássicos, a compreensão evolucionista da história dos tempos modernos ou qualquer metanarrativa pós-moderna que filósofos ou cientistas possam gerar para explicar a questão filosófica sobre o “todo e a parte”, o “um e os muitos”. Em vez disso, o adventismo bíblico usa a metanarrativa do Grande Conflito encontrada nas Escrituras.

Claramente, o compromisso com o princípio Sola-Tota-Prima Scriptura exige uma interpretação bíblica de todos os princípios hermenêuticos que os teólogos cristãos continuam a extrair de variadas escolas de filosofia humana. Não obstante, podemos realmente nos engajar em um afastamento tão radical de toda tradição teológica? Tal movimento não nos deixaria fora do domínio da pesquisa acadêmica e do questionamento universitário? Podemos moldar nosso apriorismo teológico a partir das Escrituras nos tempos pós-modernos?

  1. Modernidade, Pós-modernidade e ApriorismoTeológico

Para responder às questões enunciadas no final de nossa seção anterior, precisamos relacionar nosso estudo sobre o pluralismo teológico no adventismo à “natureza” e ao poder da razão. Indiscutivelmente, o método teológico é a organização ordenada e a operação da razão humana a fim de alcançar objetivos cognitivos específicos. As mudanças na interpretação filosófica da razão e seu papel na geração de discursos filosóficos e científicos trouxeram as eras moderna e pós-moderna no desenvolvimento da cultura ocidental.

Modernismo entendeu a razão para alcançar objetos espaço-temporais e funcionar historicamente. Todavia, filósofos modernos ainda se apegam ao ideal clássico segundo o qual a razão produz resultados absolutos, universalmente válidos, desconectados das circunstâncias históricas em que vivem todos os seres humanos. Ao se desconectar da história, a razão se tornou “objetiva.” No entanto, com o passar do tempo, os filósofos concluíram que os produtos da razão também são históricos, e, portanto, moldados pelos conteúdos reais que adquirimos através das experiências de vida. Desde então, seguiu-se uma conclusão inevitável: a civilização ocidental superestimou os poderes da razão desde seus primórdios. Conhecemos a convicção de que a razão não produz resultados absolutos, mas sim relativos, sob o rótulo onipresente de “pós-modernidade”.

A razão dessa convicção científica veio da constatação de que a razão assume pressupostos que funcionam hermeneuticamente. Ou seja, o conhecimento que adquirimos no passado revela o significado das coisas que conhecemos no presente. A mesma dinâmica se aplica ao trabalho científico e à teologia acadêmica. Conhecimento não é absoluto, não porque a pós-modernidade afirma a pura subjetividade do significado. Verdade que os livros sobre a pós-modernidade descrevem a pós-modernidade como um avanço do subjetivismo selvagem e do pluralismo radical. Esta imagem popular logo desaparecerá, pelo menos nos círculos científicos e filosóficos. Epistemologicamente falando, a pós-modernidade ainda mantém o conhecimento objetivo. Novo é a noção de que as categorias de que a razão necessita para produzir significados partem da natureza histórica do ser humano e de suas experiências históricas. Assim, podemos olhar para um mesmo objeto a partir de diferentes categorias que produzem diferentes entendimentos (relativo à categoria empregada por cada sujeito). Por outro lado, o pensamento clássico e a modernidade acreditavam que todos os seres humanos tinham as mesmas categorias para compreender os objetos. Deste modo, a razão foi capaz de produzir significados absolutos válidos para todos os seres humanos em todas as culturas e tempos. A razão pós-moderna é a razão hermenêutica. Significa que todo conhecimento é uma interpretação que requer uma seleção cuidadosa dos pressupostos com os quais abordamos nosso empreendimento acadêmico.

Aplicado ao método teológico, significa que a teologia moderna esperava produzir uma verdade absoluta que todas as pessoas racionais deveriam aceitar, a menos que não se importassem com os rótulos de “irracional” ou “intelectualmente desonesto”. Um estado de espírito moderno parece operar no adventismo. Estudiosos de vários setores da igreja assumem que há apenas uma maneira de fazer teologia erudita. Adventistas evangélicos e progressistas assumem que as comunidades teológicas e acadêmicas fora do adventismo expressam essa “única” maneira acadêmica de fazer teologia “intelectualmente honesta”.

A noção de que conhecimento é interpretação produzida com os pressupostos que trazemos aos objetos que tentamos compreender pode nos ajudar a entender a gênese do pluralismo teológico no adventismo e no mundo mais amplo da teologia cristã. Variações na interpretação da Bíblia e na construção doutrinária são geradas diretamente pela maneira como escolhemos definir nosso apriorismo teológico. Em outras palavras, não há uma, mas muitas maneiras igualmente “racionais” de definir qualquer condição do apriorismo teológico.

Neste contexto, ée possível superar o pluralismo teológico presente no adventismo, concluindo a tarefa teológica inacabada dos pioneiros. Existem muitos projetos teológicos racionais e coerentes. Todos os projetos teológicos acadêmicos devem explicar e justificar claramente a maneira como interpretam e aplicam as condições da metodologia teológica. Nenhum projeto teológico, porém, pode reivindicar o assentimento universal de todos os seres humanos devido à sua racionalidade. Ainda, um projeto teológico bíblico como propomos pode reivindicar o consentimento universal de todos os seres humanos devido à sua origem revelacional.

  1. A Natureza do Pluralismo Teológico Adventista

Há cerca de quinze anos, participei de uma comissão que estudava a coordenação do treinamento teológico em universidades adventistas nos Estados Unidos e no Canadá. No meio da conversa, alguém disse que o adventismo era uma comunidade pluralista. O que meu colega quis dizer? Ele respondeu à minha pergunta com um exemplo. Para ele, pluralismo era uma divergência na aplicação da política da igreja. Por exemplo, em algumas partes do mundo, os casais usam alianças, em outras, não. Ele estava certo — neste nível há e haverá pluralismo no adventismo.

Diversidade de pontos de vista no nível de aplicação não causa divisão, mas faz parte da vida dinâmica da igreja. Além disso, a diversidade na aplicação dos ensinamentos teológicos e da política da igreja não leva à diversidade teológica. Em vez disso, assume concordância teológica. Portanto, descrever as diferenças não divisivas no nível da aplicação das doutrinas, prefiro o termo “diversidade” e reservo a palavra “pluralismo” para descrever a diversidade divisiva no nível das condições do método teológico.

Quinze anos depois, estou convencido de que existe um pluralismo teológico divisivo no adventismo.[64] Adventismos evangélicos e progressistas não se originaram de uma melhor aplicação dos mesmos dados e métodos teológicos seguidos pelos primeiros pensadores adventistas. Em vez disto, se originaram porque explicita ou implicitamente trabalham a partir de diferentes interpretações das condições do método teológico. Diferenças no método teológico explicam as diferenças no sistema e na prática teológica. Um sistema teológico segue uma ordem ou lógica interna que decorre do princípio de articulação escolhido como luz hermenêutica orientadora.

Conforme explicado no primeiro artigo desta série, o adventismo evangélico funciona a partir da interpretação protestante do princípio da articulação. Justificação pela fé é a doutrina sobre a qual a igreja permanece ou cai. Não apenas explica a doutrina da salvação, mas também se torna a luz a partir da qual os teólogos constroem a lógica interna ou a ordem do sistema da teologia cristã.

Adventismo progressista funciona a partir da interpretação moderna do princípio da articulação. A teoria da evolução não apenas explica as histórias biológicas e humanas, mas também se torna a luz a partir da qual os teólogos constroem a lógica ou ordem interna do sistema da teologia cristã.

Teologia adventista trabalha a partir da interpretação bíblica do princípio da articulação. A doutrina do santuário como a chave para a metanarrativa do Grande Conflito não apenas explica a maneira pela qual Deus opera na história da salvação, mas também se torna a luz a partir da qual os teólogos bíblicos adventistas constroem a lógica ou ordem interna do sistema da teologia cristã.

O princípio da articulação, entretanto, é apenas a luz guia que trabalha dentro de toda a constelação de atividades e condições do método teológico. A condição material onde os teólogos discutem e interpretam as fontes da teologia cristã desempenha um papel fundamental. A partir dela, os teólogos derivam seus pontos de vista sobre as condições hermenêuticas do método e a luz orientadora do pensamento teológico. Podemos traçar a origem das divisões teológicas adventistas remontando à condição material do método. Adventismos evangélicos e progressistas derivam suas visões da pluralidade de fontes teológicas, convicções que eles emprestam implicitamente das teologias romana e protestante. Este empréstimo ocorreu lentamente através de um longo processo de fazer teologia “caroneira”. Ou seja, fazendo teologia sobre os ombros de teólogos protestantes e evangélicos. Assim, adventismos evangélicos e progressistas não são teologias “originais”, mas uma reformulação dos sistemas teológicos evangélicos e modernos.

Pluralismo teológico no adventismo é divisivo porque se origina de interpretações variadas e opostas das mesmas condições do método teológico. Diferenças na visão hermenêutica geram sistemas teológicos incompatíveis que, por sua vez, moldam comunidades religiosas incompatíveis envolvendo formas incompatíveis de adorar, ministrar e viver a vida cristã. Esta situação põe em perigo a unidade, a missão e o futuro do adventismo. O adventismo pode sobreviver como uma instituição eclesiástica mundial que abriga teologias incompatíveis? Pode uma casa dividida contra si mesma subsistir (Mc 3:25)?

  1. Superando o Pluralismo Teológico

Os pioneiros adventistas organizaram a Igreja Adventista por razões teológicas. Crentes adventistas saíram de muitas denominações porque suas visões teológicas geradas na Bíblia eram inaceitáveis ​​para suas comunidades de fé. Sua teologia os unia e lhes dava um sentido de missão tão forte que em um século e meio se espalharam por praticamente todas as nações do mundo. No entanto, como descrevemos no primeiro artigo desta série,[65] no início do século XXI, a teologia adventista ficou dividida. Há pluralismo teológico no adventismo. Conforme demonstramos nas seções anteriores deste artigo, as divisões não são sobre pequenas nuances em questões obscuras de interpretação bíblica, nem se originaram nas várias maneiras pelas quais os adventistas entenderam e aplicaram algumas questões ambíguas de estilo de vida. Pelo contrário, as divisões são sobre questões metodológicas fundamentais que afetam toda a teologia, ministério e missão da igreja. Divisões teológicas no adventismo são tão profundas que não há uma base teológica comum para falar sobre diversidade a partir de uma perspectiva teológica comum. Como o adventismo deve lidar com o pluralismo teológico?

Uma maneira de lidar com o pluralismo teológico na igreja é aceitá-lo como um fato inevitável, inamovível, imutável e incontestável. Quando a comunidade aceitar esta forma de lidar com o pluralismo teológico, ela irá projetar maneiras de minimizar o papel da teologia (onde estão as diferenças) e maximizar o papel do Espírito Santo e do amor. O importante é o amor e a aceitação, não a unidade teológica. A comunidade pode permanecer unida no Espírito e dividida teologicamente, supõe esta opção. Adventistas evangélicos e progressistas, conscientes de seus desacordos teológicos com os ensinos adventistas tradicionais, mas ainda desejando permanecer na comunidade adventista, propõem esta solução. A unidade não decorre do acordo teológico, mas da obra do Espírito que cria amor receptivo e todo-inclusivo.[66]

Há mais de um ano, após uma apresentação sobre as consequências da adoção da teoria evolutiva para o adventismo a uma audiência selecionada da liderança adventista internacional, um grupo de adventistas progressistas veio dialogar. Sabíamos que nossas visões teológicas eram incompatíveis. Em uma conversa alguns minutos antes, um deles disse francamente que minhas opiniões sobre a criação estavam erradas. Da mesma forma, eu lhe disse que suas opiniões sobre a evolução estavam erradas. O interesse deles não era teológico, mas prático. Eu aceitaria na comunidade adventista irmãos e irmãs crentes na evolução? Obviamente, eles estavam “testando” meu nível de amor, não minhas visões teológicas. A implicação era que, se não podemos concordar teologicamente, podemos nos unir em amor. Minha resposta foi que o amor deve nos levar ao diálogo e chegar a um acordo teológico baseado nas Escrituras, um entendimento comum da verdade. Podemos sobreviver do amor enquanto estamos amplamente divididos em teologia? Podemos sobreviver com base apenas na força de uma instituição eclesiástica mundial? Pode uma casa dividida contra si mesma subsistir (Mc 3:25)? Eu penso que não. Nossa sobrevivência, identidade, unidade e missão giram em torno da compreensão da verdade bíblica. O adventismo precisa lutar pela unidade teológica. Precisa usar a visão do santuário para descobrir o sistema completo e harmonioso da verdade bíblica no desenvolvimento de sua própria abordagem acadêmica da teologia cristã. A pós-modernidade mostrou que não há um, mas muitos projetos teológicos racional e metodologicamente viáveis. Portanto, o adventismo não precisa aceitar os métodos e suposições geralmente aceitos na tradição e erudição cristãs. Em vez disso, precisa desafiá-los e construir sua própria abordagem das teologias bíblicas, sistemáticas e fundamentais a partir do princípio Sola-Tota-Prima Scriptura.

Poderia o adventismo superar teologicamente suas atuais divisões teológicas? Ou está o adventismo enfrentando uma situação em que entrar na arena acadêmica necessariamente exige que ele abandone o pensamento adventista primitivo porque mostra claramente sua inadequação e amplo afastamento da verdade? Deve o adventismo aceitar o pluralismo teológico por razões intelectuais ou teológicas? Em suma, os adventistas evangélicos e progressistas estão certos em suas reivindicações de que devemos confessar os erros teológicos de nossos ancestrais, a tolice da alegação da “igreja remanescente” e seu apelo por um aggiornamento teológico adventista?[67]

O adventismo pode superar teologicamente as atuais divisões teológicas. Somente uma compreensão completa da riqueza, profundidade e lógica interna do cristianismo à luz das Escrituras dissipará o pluralismo teológico no adventismo. O mesmo entendimento atrairá muitas pessoas de fora, de mentalidade secular, insatisfeitas com as versões modernas e pós-modernas do cristianismo. Além disso, não há razões racionais ou acadêmicas que obriguem os adventistas a aceitar os pontos de vista dos adventistas evangélicos e progressistas. Suas alegações de que devemos confessar os erros teológicos de nossos ancestrais e a tolice da “igreja remanescente” se baseiam em interpretações metodológicas e hermenêuticas extraídas da ciência e da filosofia. Além disto, como vimos na seção 10, a pós-modernidade enfatiza as diferenças,[68] não a uniformidade.[69] A racionalidade não valida mais apenas “uma” (mesma) abordagem à teologia acadêmica que se deve aceitar para manter a honestidade intelectual. Em vez disso, existem muitos projetos teológicos viáveis do ponto de vista acadêmico. A pós-modernidade reconhece o fato histórico de que existem muitos projetos teológicos na teologia cristã que pretendem retratar com precisão o significado do cristianismo. Uma vez que a pós-modernidade reconhece as limitações da razão humana para produzir uma visão absoluta e universalmente obrigatória da realidade, todos os projetos teológicos se tornam projetos alternativos em competição uns com os outros.

Não há necessidade de um “aggiornamento” da teologia bíblica no sentido de que devemos adaptá-la aos padrões sempre mutáveis da ciência e filosofia humanas. No entanto, os adventismos evangélicos e progressistas mostraram a necessidade de coerência teológica e progresso na compreensão teológica que, infelizmente, tem estado frequentemente ausente no adventismo bíblico. Portanto, há uma necessidade de um desenvolvimento acadêmico do adventismo bíblico. Estou pensando em um adventismo que pensa com o tempo, mas à luz das Escrituras. Este movimento já está em andamento, mas precisa encontrar seu fundamento na área da teologia fundamental e sua expressão na área da teologia sistemática. Por exemplo, na área de estudos bíblicos, encontramos publicações de Gerhard Hasel,[70] Richard Davidson,[71] Jacques Doukhan[72] e Jon Paulien;[73] em teologia sistemática, por Hans La Rondelle,[74] Norman Gulley,[75] Miroslav Kis[76] e John Baldwin;[77] e em teologia fundamental, por Norman Gulley,[78] Raul Kerbs[79] e pelo Instituto de Pesquisas Bíblicas.[80]

Por fim, fazer teologia e ministério em harmonia com os padrões metodológicos da comunidade acadêmica gerará identidade, unidade e crescimento na comunidade adventista ao redor do mundo? A resposta para esta pergunta é “não”. A filosofia e as ciências estão mudando e fragmentando as luzes. Adotá-las como guias hermenêuticos fragmentará e dividirá ainda mais o pensamento e a comunidade adventista. O enfraquecido senso de identidade desaparecerá ainda mais rápido. Em vez de crescimento, grupos maiores de adventistas seguirão as consequências lógicas de suas teologias que acomodam a cultura. À medida que os pais adotam os projetos teológicos de outras comunidades cristãs, os filhos se juntam a eles em número crescente. A motivação para o evangelismo diminuirá, juntamente com o dinheiro doado para tais fins. Adventismo se juntará ao movimento carismático e ecumênico.

Isto não precisa acontecer. Existe um outro caminho, um caminho melhor, o caminho bíblico. Pensar teologicamente à luz das Escrituras superará o pluralismo teológico originário de pensar teologicamente à luz da ciência, filosofia e cultura. A Igreja Adventista não é forçada a abraçar este último ou o pluralismo que dele se origina. No entanto, se o empreendimento teológico não desempenhar um papel central na vida da comunidade, seminários, universidades e administrações, o pluralismo teológico continuará a prosperar no adventismo. Outras divisões e fragmentações teológicas levarão muitos ao cinismo teológico e ao abandono da igreja. Aqueles que permanecerem se sentirão pressionados de diversas maneiras a abraçar uma protestantização progressiva e carismatização do adventismo. Se isto acontecer, o adventismo evoluirá para uma comunidade religiosa totalmente diferente, com pouca ou nenhuma conexão teológica com suas raízes históricas.

Em contraste, expandir além da teologia bíblica para teologias fundamentais e sistemáticas torna-se ferramentas necessárias à medida que as gerações presentes e futuras de teólogos tentam terminar a tarefa inacabada da teologia adventista. Ao interpretar os princípios hermenêuticos da teologia acadêmica à luz das Escrituras, o adventismo bíblico revelará a lógica interna das Escrituras e sondará ainda mais profundamente e além do que os primeiros pioneiros e Ellen White jamais fizeram na cada do tesouro da verdade bíblica.[81] À medida que o sistema harmonioso e completo da verdade bíblica começar a permear o pensamento, a vida e a imaginação da igreja, um novo e mais firme senso de identidade como remanescente se tornará evidente e explícito no adventismo mundial. À medida que teólogos, pastores e administradores se unem na tarefa de entender, aplicar e disseminar o entendimento teológico da verdade bíblica, o Espírito Santo gerará a convicção interior da mente e envolverá os leigos na missão final antes da vinda do Senhor. Desta forma, o adventismo superará o pluralismo teológico.

  1. Pensando à Luz das Escrituras

Superar o pluralismo teológico requer, então, terminar a tarefa inacabada da teologia adventista. Podem os teólogos adventistas terminar a tarefa teológica no domínio acadêmico da pesquisa universitária? Pode o adventismo usar a doutrina do santuário como uma visão hermenêutica a fim de descobrir e formular um sistema harmonioso e completo de verdade na arena acadêmica? A resposta para estas perguntas é sim, eles podem. No entanto, eles não podem fazer isso dentro da disciplina teológica da teologia bíblica. Eles também precisam das contribuições das teologias sistemática e fundamental, duas amplas áreas teológicas nas quais a teologia adventista é praticamente inexistente.[82] Até agora, o adventismo bíblico se desenvolveu principalmente dentro da disciplina acadêmica da teologia bíblica. No entanto, podemos apreciar melhor suas principais contribuições e caráter revolucionário nas áreas das teologias fundamental e sistemática. Não estou falando de tomar emprestado de abordagens existentes de erudição do passado e do presente. Tal abordagem já está avançada no adventismo evangélico e progressista.

Voltemos nossa atenção para outra questão relacionada. Podemos terminar nos tempos pós-modernos a intuição inacabada de um sistema teológico que os primeiros pioneiros e Ellen White formularam há mais de um século? A resposta para esta pergunta também é sim. A pós-modernidade abre a possibilidade e demonstra a razão pela qual uma abordagem bíblica da metodologia teológica e da hermenêutica é aceitável como acadêmica.[83] A modernidade acreditava que só havia um caminho para a verdade. Qualquer coisa que se desviasse dela estava fora da verdade ou era academicamente inaceitável. A pós-modernidade, em vez disso, mostrou de forma convincente que, como disse David Tracy: “compreender por completo é interpretar.”[84] Tal como acontece com nosso conhecimento científico e filosófico, nosso conhecimento científico é tão bom quanto os pressupostos sobre os quais o construímos.[85] Assim, desconstruir e reinterpretar a estrutura hermenêutica da teologia é um empreendimento acadêmico aceitável. Adventismo bíblico tem a oportunidade de expressar a visão da doutrina do santuário e a metanarrativa do Grande Conflito que revela no âmbito acadêmico dos pressupostos hermenêuticos do método teológico. Ademais, também mencionamos brevemente que a pós-modernidade passou de uma compreensão atemporal da realidade como “metafísica” para uma compreensão temporal da realidade como “metanarrativa.”[86] A abordagem histórica da teologia implícita na doutrina do santuário e na metanarrativa do Grande Conflito se encaixa na virada histórica pós-moderna.[87] Também faz muito mais sentido para a experiência comum do que as abordagens clássica e moderna da teologia cristã.[88]

Para superar, então, o pluralismo teológico o adventismo precisa terminar o pensamento teológico que as primeiras gerações deixaram inacabado. Para finalizar a tarefa da teologia bíblica adventista, o adventismo precisa pensar à luz das Escrituras dentro do contexto acadêmico e enfrentar as condições dos tempos pós-modernos. O que é preciso para pensar à luz das Escrituras?

Percebemos que o método teológico é uma estrutura complexa, incluindo procedimentos e condições repetitivas que diferentes tradições teológicas interpretam de maneiras diversas e até conflitantes. Além disto, neste artigo, tomamos consciência de que a filosofia e a ciência moldaram a luz hermenêutica que orienta a visão teológica dos teólogos clássicos, modernos e pós-modernos. A luz orientadora desses sistemas é a noção de que a realidade de Deus existe e suas ações ocorrem em uma dimensão da realidade onde o espaço e o tempo não existem (princípio da realidade). Enquanto a teologia ocorre no espiritual (realidade atemporal e sem espaço), nossas vidas transpiram no reino espaço-temporal. Nesta suposição, a doutrina do santuário não pode revelar a metanarrativa do Grande Conflito a partir da qual descobrir um sistema completo e harmonioso de verdade. Em vez disso, o santuário e o Grande Conflito são metáforas sobre as ações eternas e atemporais de Deus. A metafísica grega substitui a metanarrativa bíblica.

Por outro lado, temos enfatizado que o adventismo bíblico assume a compreensão bíblica da realidade. A realidade de Deus não é atemporal, mas analogicamente temporal. Sua vida não ocorre em total simultaneidade (Totum Simul), mas ele tem uma história independente da criação. Além disso, Deus é capaz de agir dentro das limitações e do fluxo da realidade espaço-temporal criada. A partir deste pressuposto, a metanarrativa bíblica substitui a metafísica grega. Portanto, a doutrina do santuário se torna a luz que guia a visão dos teólogos adventistas. Pensar à luz das Escrituras, então, requer definir todas as condições do método teológico a partir das Escrituras. Consequentemente, significa pensar historicamente (princípio da realidade) à luz da doutrina do santuário e das grandes controvérsias (princípio da articulação). Isso se encaixa perfeitamente em outro pilar da crença dos primeiros adventistas, o ensino bíblico de que os humanos não são almas, mas seres históricos, cuja existência ocorre apenas no espaço e no tempo. Cosmologia bíblica (princípio da realidade) baseia-se no projeto perfeito de Deus para a criação, o qual realizou em um processo histórico de sete dias estreitamente unido. Epistemologia bíblica se apoia no processo de revelação-inspiração que originou a Escritura como única fonte de dados teológicos. Não surpreendentemente, o pensamento bíblico (hermenêutica) segue um padrão histórico onde as ações presentes encontram seu significado no contexto dos feitos maravilhosos passados de Deus (história) e ações futuras profetizadas (promessas e futuro escatológico).

As visões filosóficas e bíblicas para a teologia cristã são antitéticas. Pensar à luz das Escrituras, portanto, requer uma mudança radical de paradigma nos princípios hermenêuticos da teologia cristã. A teologia adventista primitiva, formulada a partir da metanarrativa da doutrina do santuário e do Grande Conflito, assumiu implicitamente esta mudança de paradigma no nível hermenêutico da interpretação e construção teológica. Deram-nos a visão e uma tarefa teológica inacabada que precisamos finalizar no nível acadêmico da pesquisa acadêmica.

Adventismo bíblico não pode seguir a visão filosófica da teologia cristã sem deixar de ser fiel ao princípio Sola-Tota-Prima Scriptura. Consequentemente, o adventismo deve começar “do zero”. Como diziam Husserl e Heidegger, precisamos partir “das próprias coisas.” No caso da teologia adventista, devemos partir das Escrituras para descobrir a interpretação bíblica explícita ou implícita das condições do método teológico com ênfase especial nos princípios hermenêuticos dos quais flui a visão para o pensamento teológico. Esses estudos fornecem a plataforma acadêmica necessária para desenvolver os métodos acadêmicos para a teologia bíblica e sistemática. Então, o adventismo será capaz de desenvolver uma abordagem bíblica (adventista) para a teologia bíblica, como propôs Gerhard Hasel,[89] e, também, uma teologia sistemática bíblica. Nesta altura, surge a necessidade de uma abordagem interdisciplinar da teologia adventista.[90] Por exemplo, uma metodologia interdisciplinar é necessária para responder a perguntas como, por exemplo, de que forma relacionamos as descobertas das teologias bíblica e sistemática? Como corrigem a outra? Como contribuem para o funcionamento da outra?

Sumário

Antes de tirar algumas conclusões, uma breve revisão pode nos ajudar a conectar os principais pontos que exploramos neste artigo. Começamos reconhecendo o papel que a filosofia desempenha na hermenêutica teológica e sugerindo que o adventismo deveria abordar questões filosóficas envolvidas na hermenêutica teológica a partir do princípio Sola-Tota Scriptura. Então, reconhecemos que os teólogos precisam de uma disciplina teológica para identificar, avaliar, interpretar e formular os pressupostos ontológicos e epistemológicos envolvidos na tarefa da teologia cristã. Geralmente, os teólogos tiram essas suposições do supermercado filosófico e científico. Embora agora, com o advento da pós-modernidade, os teólogos estejam abordando cada vez mais essas questões, eles ainda não concordaram com um rótulo geral para essa área de pesquisa acadêmica. Sugiro que o rótulo de teologia fundamental reflete com precisão a importância e o papel da teologia apriorística que os teólogos discutem neste campo de pesquisa.

Fizemos um levantamento do apriorismo teológico que inclui uma teia complexa de princípios metodológicos. Entre eles, descobrimos que alguns princípios hermenêuticos orientam a interpretação bíblica e a articulação das doutrinas cristãs. Entre eles, o princípio da realidade (ontologia) e o princípio da articulação (metafísica-metanarrativa) desempenham papéis primordiais na hermenêutica teológica. Sua influência deriva de seu alcance abrangente. Em outras palavras, seu alcance inclui tudo. O princípio ou realidade interpreta a realidade de Deus, dos seres humanos e do mundo. O princípio da articulação interpreta o modo como essas realidades se articulam como um todo.

Com base nas múltiplas fontes de convicção da teologia, a teologia cristã consistentemente extraiu sua interpretação dos princípios hermenêuticos da teologia da filosofia e da ciência. Baseado no princípio Sola-Tota Scriptura  como fonte da teologia, o adventismo bíblico requer a desconstrução das interpretações filosóficas e científicas dos princípios hermenêuticos da teologia cristã, e adota sua interpretação bíblica. Foi isso que aconteceu implicitamente quando a doutrina do santuário revelou aos primeiros crentes adventistas um sistema completo e harmonioso de verdade.

Pluralismo teológico no adventismo contemporâneo decorre de diferentes maneiras de entender os princípios hermenêuticos da teologia. Assumindo a pluralidade de fontes teológicas, os adventismos evangélicos e progressistas extraem implicitamente sua compreensão dos princípios hermenêuticos da teologia da filosofia e da ciência. O impulso do adventismo progressista para a aceitação de ideias evolucionárias se destaca como um exemplo claro desta tendência. As ideias evolucionistas diferem radicalmente da compreensão bíblica do princípio cosmológico da realidade e desencadeiam uma mudança de paradigma na interpretação teológica que atinge todo o espectro das doutrinas cristãs.

Enquanto a teologia clássica entende a realidade de Deus como atemporal, e, portanto, incompatível com o espaço e o tempo, as Escrituras apresentam um Deus que é compatível com o espaço e o tempo e, portanto, não é atemporal. A doutrina do santuário assume a atividade histórica direta de Deus no tempo criado e é incompatível com a noção clássica de atemporalidade divina. Quando a atemporalidade divina é assumida, a doutrina do santuário, conforme concebida pelos pioneiros adventistas, desaparece no esquecimento metafórico. Isto explica por que os modelos acadêmicos da teologia cristã nunca consideraram o entendimento adventista da doutrina do santuário como uma opção séria.

Podemos rastrear as diferenças radicais que existem entre as teologias cristãs e o adventismo bíblico de volta ao princípio hermenêutico da realidade do qual elas fluem. A primeira adota explicitamente a interpretação atemporal tradicional da realidade de Deus que flui da filosofia grega por meio da tradição da igreja.[91] A última adota implicitamente a interpretação histórico-temporal bíblica da realidade de Deus fluindo das Escrituras.

Mudanças na compreensão do princípio da realidade requerem mudanças no princípio da articulação encarregado de interpretar a questão filosófica do “todo e das partes”. Quando a realidade é atemporal, a metafísica explica o “todo e as partes”. Quando a realidade é temporal, as metanarrativas explicam o “todo e as partes”. Como o adventismo bíblico substituiu o atemporal pelo entendimento bíblico da temporalidade infinita de Deus, a doutrina do santuário ajudou a entender a história da salvação de Deus como a metanarrativa do “Grande Conflito”. Por sua vez, a metanarrativa do Grande Conflito se torna um guia hermenêutico adicional para a interpretação bíblica e para a construção teológica.

Deus traz à realidade seu plano eterno de salvação por meio de uma sequência histórica de atos redentores. Nas Escrituras, esta história redentora ocorre dentro dos parâmetros divinamente estabelecidos articulados na estrutura do pacto do santuário. Se usarmos a estrutura relacional santuário-aliança como chave para entender as atividades redentoras divinas por meio de histórias passadas e futuras —interpretação historicista de Daniel e Apocalipse— chegaremos ao Grande Conflito que os autores bíblicos da metanarrativa assumem ao pensar e escrever teologicamente. Como metanarrativa bíblica, o Grande Conflito se torna o princípio hermenêutico de articulação da teologia adventista. Ao fazermos essa escolha interpretativa fundamental, estamos de fato nos afastando de todos os sistemas clássicos e pós-modernos de fazer teologias cristãs.

Pode um afastamento tão radical da tradição cristã ser academicamente válida? Escolas de teologia seguindo o exemplo da tradição cristã se oporão fortemente ao seu status acadêmico. No entanto, a pós-modernidade abriu as portas para abordagens acadêmicas múltiplas e contraditórias, mostrando que a razão não é capaz de produzir resultados universalmente válidos. Eventualmente, o academicismo reconhecerá a existência de múltiplas abordagens contraditórias. Assim, muitos projetos teológicos racionais e coerentes competem na arena acadêmica. Para alcançar o status de acadêmicos, eles devem explicar e justificar claramente a maneira como interpretam e aplicam as condições da metodologia teológica. Nenhum projeto teológico, porém, pode reivindicar o assentimento universal de todos os seres humanos devido à sua racionalidade. Ainda, um projeto teológico bíblico como propomos pode reivindicar o consentimento universal de todos os seres humanos devido à sua origem revelacional.

Pluralismo teológico no adventismo é divisivo porque se origina de interpretações variadas e opostas das mesmas condições do método teológico. Diferenças na visão hermenêutica geram sistemas teológicos incompatíveis que, por sua vez, moldam comunidades religiosas incompatíveis envolvendo formas incompatíveis de adorar, ministrar e viver a vida cristã. Esta situação põe em perigo a unidade, a missão e o futuro do adventismo.

Aceitar o pluralismo teológico como um fato imutável e esperar que a igreja permaneça unida pela obra milagrosa do Espírito Santo e pelo amor comunitário deslocará a compreensão teológica de desempenhar seu papel central na união e energização da comunidade de fé. Também dividirá ainda mais a igreja, pois as comunidades filosóficas, científicas e culturais continuam a produzir ensinamentos contraditórios mediante os quais os teólogos se sentem obrigados a se acomodar. Em vez disso, o adventismo deve superar teologicamente o presente pluralismo teológico, expandindo o pensamento teológico à luz das Escrituras. O forte desenvolvimento nas disciplinas acadêmicas de teologias fundamentais e sistemáticas deve fortalecer o progresso que o adventismo bíblico já faz na área da teologia bíblica. À medida que esta compreensão teológica aprimorada, aprofundada e oportuna for disseminada por meio de seminários, universidades, faculdades, academias, escolas e igrejas em todo o mundo, a igreja mundial se tornará unida e fortemente motivada para a ação missionária nos tempos pós-modernos.

  1. Conclusão

A “singularidade” do adventismo é teológica. Singularidade significa diferença. Por mais de um século, os adventistas buscam a sua “semelhança” com projetos teológicos evangélicos e modernos. No entanto, em sua essência, o adventismo implica uma revolução teológica não vista na história da teologia cristã desde os tempos do Novo Testamento. Infelizmente, esta revolução nunca foi concluída e posteriormente foi esquecida no âmbito acadêmico. No mundo da teologia acadêmica, o projeto teológico adventista envolve uma macro mudança hermenêutica de proporções monumentais.[92]

Passando de uma interpretação tradicional para uma interpretação bíblica dos princípios hermenêuticos da teologia cristã, a teologia adventista desafia a tradição em seu nível filosófico fundamental. As repercussões dessa mudança de paradigma atingem toda o espectro de disciplinas teológicas. Elas mudam as regras do jogo. Gera uma nova visão a partir da qual interpretar os textos bíblicos e compreender as doutrinas cristãs. Produz uma compreensão nova e completa do cristianismo. Os pioneiros adventistas viram a teologia cristã dentro dessa mudança de paradigma. Ellen White deixou as melhores orientações que temos do que eles entendiam dessa perspectiva revolucionária. No entanto, eles deixaram apenas uma intuição teológica incompleta que precisa de mais expansão e formulação.

Ao longo dos anos, os adventistas esqueceram e substituíram a visão hermenêutica do santuário bíblico por outras visões humanísticas. Eles precisam se lembrar da visão hermenêutica bíblica e usá-la como luz hermenêutica para finalizar a tarefa inacabada da teologia adventista no nível acadêmico da teologia acadêmica.

Esta tarefa não é fácil. Requer mudanças na forma como os adventistas fazem teologia. Eles devem perceber que a intuição teológica que os primeiros adventistas viram e deixaram inacabada não pode ser adequadamente expressa dentro das restrições disciplinares que a metodologia exegética coloca sobre a teologia bíblica. Consequentemente, os adventistas precisam desenvolver teologias sistemáticas e fundamentais como disciplinas teológicas para unir a teologia bíblica na busca da verdade bíblica. Eles devem expressar sua visão hermenêutica e interpretação dos princípios hermenêuticos da teologia de uma forma acadêmica. Eles devem apresentar este entendimento metodológico como a opção bíblica competindo com outras abordagens disponíveis baseadas na tradição, filosofia e ciência. Para atingir estes objetivos, o adventismo bíblico deve se preocupar com disciplinas filosóficas como ontologia e epistemologia. Eles precisam mostrar a lógica interna (ordem) do pensamento bíblico e sua coerência externa com as realidades históricas e traduzi-la em categorias e linguagem ontológicas e epistemológicas. Eles devem ser capazes de explicar por que um afastamento da tradição, da filosofia e da ciência é essencial para a teologia, a fé e a missão cristãs. Eles precisam formular o projeto teológico adventista não apenas para os adventistas dentro da igreja, mas também para a comunidade acadêmica em geral.

Será que uma nova geração de adventistas pós-modernos espalhados pelo mundo conseguirá fazer teologia acadêmica em harmonia com a visão hermenêutica do santuário que revelou à Ellen White e aos primeiros adventistas um sistema de verdade completo e harmonioso? Será que tal visão e o sistema de teologia que ela traz à tona exigiriam mudanças no nível prático do ministério e missão adventistas? Tal teologia geraria identidade, unidade e crescimento na comunidade adventista ao redor do mundo? Exploraremos essas questões no próximo artigo.


Notas

[1] A maioria dos teólogos evangélicos e protestantes não se envolve no campo acadêmico da filosofia. Eles extraem do pensamento filosófico o que precisam para a construção teológica conforme necessário. A tradição resulta das contribuições hermenêuticas diretas dos ensinamentos ontológicos e epistemológicos de diversos filósofos ao longo da história cristã.

[2] Enquanto os adventismos evangélicos e progressistas endossam o método crítico histórico, o adventismo bíblico trabalha com o método gramatical histórico. Veja, Fernando Canale, “Da Visão ao Sistema: Finalizando a Tarefa das Teologias Bíblicas e Sistemáticas Adventistas—II.” Journal of the Adventist Theological Society, 16/1-2 (2005): 121–124.

[3] Stanley Grenz e John R. Franke apontam que os teólogos que rejeitam a realidade do fato de que a interpretação das Escrituras “é sempre moldada pelo contexto teológico e cultural dentro do qual os intérpretes participam. . . . e buscam uma interpretação livre da influência ‘distorcida’ de tradições ‘humanas’ falíveis são, de fato, escravizados por padrões interpretativos que podem funcionar acriticamente porque não são reconhecidos” (Beyond Foundationalism: Shaping Theology in a Postmodern Context [Louisville: Westminster John Knox, 2002], pp. 112-113).

[4] Stanley Grenz e John Franke resumem esta convicção metodológica amplamente aceita explicando que o princípio Sola Scriptura significa que a Escritura é a norma normans non normata (a norma sem norma sobre ela) da teologia cristã. No entanto, “em outro sentido [eles acrescentam], Scriptura nunca é Sola. A Escritura não permanece sozinha como a única fonte na tarefa de construção teológica ou como a única base sobre a qual a fé cristã se desenvolveu historicamente. Ao contrário, a Escritura funciona em um relacionamento contínuo e dinâmico com a tradição cristã, bem como com o meio cultural do qual emergem determinadas leituras do texto” (ibidem, p. 112). No entanto, por que esta definição de Sola Scriptura como norma sem outra norma sobre ela não se aplica a todas as questões que pertencem à construção teológica? Por que devemos nos abster de aplicar a norma da Escritura a questões ontológicas e epistemológicas incluídas no pensamento bíblico e assumidas na interpretação bíblica e na construção teológica? A única razão que vem à mente é que a tradição não o fez. Rompemos, então, com a tradição. Não será a primeira nem a última vez que a tradição mantém a teologia cativa.

[5] Theology and the Philosophy of Science, trad. Francis McDonagh (Philadelphia: Westminister, 1976).

[6] Norman Gulley, Systematic Theology: Prolegomena (Berrien Springs: Andrews UP, 2003); Richard A. Muller, Post-Reformation Reformed Dogmatics I: Prolegomena to Theology, 2 vols., (Grand Rapids: Baker, 1987); e Anders Nygren, Meaning and Method: Prolegomena to a Scientific Philosophy of Religion and a Scientific Theology, trad. Philip S. Watson, (Philadelphia: Fortress, 1972).

[7] Ver, por exemplo,  Johannes B. Metz, e., The Development of Fundamental Theology (New York: Paulist, 1969); David Tracy, “Task of Fundamental Theology,” Journal of Religion 54 (1974): 13–34; Avery Dulles, “Method in Fundamental Theology,” Theological Studies 37 (1976): 304–316; Rene Latourelle e Gerald O. Collins, ee., Problems and Perspective of Fundamental Theology (New York: Paulist, 1982); Matthias Neuman, “The Role of Imagination in the Tasks of Fundamental Theology,” Encounter (Indianapolis) 42 (1981): 307–327; Randy L. Maddox, Toward an Ecumenical Fundamental Theology (Chico: Scholars, 1984); Helmut Peukert, Science, Action, and Fundamental Theology: Toward a Theology of Communicative Action, trad. James Bohman (Cambridge: MIT P, 1984); e Joseph Cardinal Ratzinger, Principles of Catholic Theology: Building Stones for a Fundamental Theology, trad. Mary Frances McCarthy (San Francisco: Ignatius, 1987). No entanto, a teologia fundamental mistura questões metodológicas e apologéticas.

[8] Fritz Guy, Thinking Theologically: Adventist Christianity and the Interpretation of Faith (Berrien Springs: Andrews UP, 1999), p. 7).

[9] Veja, por exemplo, Metz; Latourelle e O. Collins; Ratzinger; e Francis Schüssler Fiorenza, Foundational Theology: Jesus and the Church (Nova York: Crossroad, 1992).

[10] Grenz e Franke, Beyond Foundationalism, pp. 3–54. Como Grenz assume a matriz múltipla de fontes teológicas, ele substitui a epistemologia moderna pela epistemologia pós-moderna sem muita reflexão filosófica envolvida no processo. Seu método teológico requer a integração de ensinamentos filosóficos. Quando estes mudam, os teólogos, então, devem se ajustar à nova visão filosófica. Tem-se a impressão de que a epistemologia pós-moderna não afeta a constituição geral da doutrina cristã, apenas sua universalidade e certeza. Grenz supera o relativismo pós-moderno convocando a comunidade de fé, onde o espírito dá a certeza da salvação. Infelizmente, Grenz levanta a questão que mudanças na epistemologia requerem mudanças diretas nos conteúdos da teologia da comunidade.

[11] Sobre o estudo filosófico da hermenêutica como um processo de interpretação, ver, por exemplo, Hans-Georg Gadamer, Truth and Method, trad. Joel Weinsheimer e Donald G. Marshall, 2ª e. rev. (Nova York: Continuum, 1989); Gadamer, Philosophical Hermeneutics, trad. David E. Linge (Berkeley: U of California P, 1976); Richard Rorty, Philosophy and the Mirror of Nature, 2ª e. (Princeton: Princeton UP, 1979); e John D. Caputo, Radical Hermeneutics: Repetition, Deconstruction, and the Hermeneutic Project (Bloomington and Indiana: Indiana UP, 1987).

[12] Sobre a questão da parte inteira como pertencente aos estudos metafísicos, ver Aristóteles, Metafísica, V. 26; 1023b,26–1024a,10; e Wolfhart Pannenberg, Metaphysics & the Idea of God, trad. Philip Clayton (Grand Rapids: Eerdmans, 1988), pp. 139–152.

[13] Na linguagem comum, a questão filosófica do “um e dos muitos” do “todo e das partes” é expressa como “o quadro geral” ou a “floresta e as árvores”.

[14] Este procedimento é a marca registrada da metodologia teológica católica romana. No entanto, implicitamente continua a operar na teologia protestante. Veja, por exemplo, uma ocasião em que Lutero reconhece a visão comumente aceita de que a filosofia platônica é compatível com o pensamento bíblico. “Os filósofos platônicos roubaram muito dos pais e do Evangelho de João, pois Agostinho diz que percebeu que quase tudo em Platão está no primeiro capítulo de João. Portanto, aquelas coisas que os filósofos dizem sobre estes assuntos eclesiásticos foram roubadas, de modo que um platônico ensina a Trindade das coisas como (1) o criador, (2) o protótipo ou exemplar, (3) e a compaixão; mas eles misturaram pensamentos filosóficos uns com os outros e os falsificaram” (Martin Luther, Luther’s Works: Word and Sacrament IV, e. Jaroslav Jan Pelikan, Hilton C. Oswald and Helmut T. Lehmann, Luther’s Works [Philadelphia: Fortress, 1999, c1971]; 38:276).

[15] Fernando Canale, “From Vision to System: Finishing the Task of Adventist Theology Part I: Historical Review.” Journal of the Adventist Theological Society 15/2 (2004): 9.

[16] Fernando Canale, “From Vision to System: Finishing the Task of Adventist Biblical and Systematic Theologies—II,” Journal of the Adventist Theological Society, 16/1–2 (2005): 141.

[17] Filósofos e teólogos reconhecem o papel central da doutrina de Deus. Entre os filósofos encontramos, por exemplo, Aristóteles (Metafísica, 6.1.10,11) e Martin Heidegger (“The Onto-theological Constitution of Metaphysics,” em Identity and Difference, e. Joan Stambaugh [New York: Harper and Row, 1969], pp. 59–60). Entre os teólogos bíblicos, ver Gerhard Hasel (Old Testament Theology: Basic Issues in the Current Debate [Grand Rapids: Eerdmans, 1991], p. 100); e, entre os teólogos sistemáticos, ver Wolfhart Pannenberg, que explica que “na teologia, o conceito de Deus nunca pode ser simplesmente uma questão entre outras. É a questão central, em torno da qual todo o restante se organiza. Se você tirar esta questão, nada sobraria para justificar a continuação deste esforço especial que chamamos de ‘teologia’” (An Introduction to Systematic Theology [Grand Rapids: Eerdmans, 1991], p. 21). John Macquarrie afirma que na teologia cristã a doutrina de Deus “tem um lugar central” que “subjaz a todas as outras doutrinas”, e explica ainda que esta “doutrina do Deus trino já contém in nuce toda a fé cristã, de modo que a reflexão sobre ela nos fornecerá um centro onde podemos relacionar todas as outras doutrinas à medida que passamos por elas” (Principles of Christian Theology, 2ª e. [New York: Charles Scribner’s Sons, 1977], p. 187). Além disso, ver Anders Nygren, Meaning and Method: Prolegomena to a Scientific Philosophy of Religion and a Scientific Theology (Philadelphia: Fortress, 1972), p. 357; e David Tracy, Blessed Rage for Order: The New Pluralism in Theology (San Francisco: Harper and Row, 1988), pp. 146–147.

[18] Wayne Grudem, Systematic Theology: An Introduction to Biblical Doctrine (Grand Rapids: Zondervan, 1995), pp. 168–169; Stanley J. Grenz, Theology for the Community of God (Nashville: Broadman and Holman, 1994), pp. 91–93; Wolfhart Pannenberg, Systematic Theology, trad. Geoffrey W. Bromley, 3 vols., (Grand Rapids: Eerdmans, 1991, 1994), 1:401–410. Millard Erickson conecta a atemporalidade divina ao infinito de Deus (Christian Theology (Grand Rapids, Baker, 1998), p. 300). A discussão contemporânea sobre atemporalidade e temporalidade divinas inclui, por exemplo, Nelson Pike, God and Timelessness, Studies in Ethics and the Philosophy of Religion (Londres: Routledge & K. Paul, 1970); Alan G. Padgett, God, Eternity and the Nature of Time (Nova York: St. Martin’s, 1992); William J. Hill, Search for the Absent God: Tradition and Modernity in Religious Understanding (New York: Crossroad, 1992); William Lane Craig, Time and Eternity: Exploring God’s Relationship to Time (Wheaton: Crossway, 2001); Time and Eternity: Exploring God’s Relationship to Time (Wheaton: Crossway, 2001); Gregory Ganssle, e., God and Time: Four Views (Downers Grove: InterVarsity, 2001). Estes estudos abordam a eternidade como um atributo de Deus, mas não consideram a compreensão analógica do ser de Deus como característica básica de sua ontologia. A noção de que a história de Deus apresentada nas Escrituras é real está sendo discutida, mas ainda não foi encontrada uma ontologia aceitável que a torne “utilizável” como pressuposto hermenêutico para o método teológico.

[19] Assim, Agostinho explica: “Não é no tempo que você precede o tempo: caso contrário, você não precederia todos os tempos. Você precede todos os tempos passados na sublimidade de uma eternidade sempre presente, e supera todos os tempos futuros, porque eles estão por vir, e quando vierem, serão passados, ‘mas você é o mesmo, e seus anos não acabarão’ (Sl 102:27). Seus anos não vêm nem vão, mas nossos anos vêm e vão, para que todos eles venham. Seus anos permanecem todos ao mesmo tempo, porque são constantes: os anos que vão embora não são rejeitados pelos que vêm, porque nunca passam” (Confessions, trad. John K. Ryan [Garden City, NY: Image Books, 1960], 11. 13, p. 287). Boécio fornece a definição clássica de atemporalidade. “A eternidade é a posse simultânea e completa da vida infinita. Isso aparecerá mais claramente se o compararmos com as coisas temporais. Tudo o que vive sob as condições do tempo se move através do presente do passado para o futuro; não há nada definido no tempo que possa em um momento abarcar todo o espaço de sua vida” (Anicius Manlius Severinus Boethius, On the Consolation of Philosophy, trad. W. V. Cooper, Gateway e. [Chicago: Regnery Gateway, 1981], 5.6, p. 115). Em contraste com a vida temporal, “[o] que devemos corretamente chamar de eterno é aquilo que apreende e possui total e simultaneamente a plenitude da vida sem fim, que nada carece do futuro e nada perdeu do passado fugaz; e tal existência deve estar sempre presente em si mesma para controlar e ajudar a si mesma, e também deve manter presente consigo a infinidade do tempo mutável” (ibidem, 116). Aquino conecta a noção de atemporalidade ao ser de Deus dizendo que “não há antes e depois Nele: Ele não tem ser depois do não-ser, nem não-ser depois do ser, nem qualquer sucessão pode ser encontrada em seu Ser. Pois nenhuma dessas características pode ser compreendida sem o tempo” (Summa Contra Gentiles, trad. Vernon J. Bourke [Garden City, NY: Doubleday, 1956], 1.15.3).

[20] O Deus da Bíblia pensa e trabalha no futuro, no presente e na sequência do tempo passado. No entanto, o Deus da ontologia grega que as tradições católica romana e protestante usam para interpretar as Escrituras e construir seus sistemas teológicos requer a suposição de que Deus não age historicamente, mas simultaneamente. Isto afeta todas as ações de Deus, e, portanto, todas as doutrinas. Agostinho explicou claramente o modo atemporal das atividades divinas. “Você dirá que estas coisas são falsas, que, com uma voz forte, a Verdade me diz em meu ouvido interior, sobre a própria eternidade do Criador, que Sua substância não é de modo algum alterada pelo tempo, nem que Sua vontade é separada de Sua substância? Portanto, Ele não deseja uma coisa agora, e outra depois, mas uma vez e para sempre Ele deseja todas as coisas que deseja; não de novo e de novo, nem agora isso, agora aquilo; nem quer depois o que antes não queria, nem não quer o que antes queria. Porque tal vontade é mutável e nenhuma coisa mutável é eterna; mas nosso Deus é eterno. Da mesma forma, Ele me diz, me diz em meu ouvido interior, que a expectativa das coisas futuras se torna visível quando elas chegam; e esta mesma visão é trazida à memória quando eles passam. Além disso, todo pensamento assim variado é mutável, e nada mutável é eterno; mas o nosso Deus é eterno. Estas coisas eu reuni e compilei, e descubro que meu Deus, o Deus eterno, não fez nenhuma criatura por qualquer nova vontade, nem que Seu conhecimento sofre algo transitório” (Augustine, Confessions, e. Philip Schaff, trad. J.G. Pilkington, vol. 1, The Nicene and Post-Nicene Fathers [Albany: Ages Software, 1996], 12.15.18). Ao modificar o suposto referente das ações divinas, a atemporalidade divina afeta a compreensão de todas as doutrinas cristãs.

[21] Para estudiosos não familiarizados com o processo de construção e desenvolvimento das doutrinas cristãs, esta afirmação pode soar como um exagero. É verdade que a forma como o pensamento ontológico grego influencia os teólogos concretos pode variar muito. Às vezes, os teólogos protestantes que procuram ser fiéis às ontologias gregas e bíblicas afirmam declarações teológicas contraditórias. Charles Hodge representa os poucos que reconhecem a contradição interna que existe entre a noção filosófica atemporal de atemporalidade e a visão temporal da realidade divina apresentada nas Escrituras. Por um lado, seguindo a tradição, Hodges acredita incorretamente que Deus “não existe durante um período de duração mais do que outro. Com Ele não há distinção entre presente, passado e futuro; mas todas as coisas estão igualmente e sempre presentes para Ele. Com Ele a duração é um agora eterno. Esta é a visão popular e bíblica da eternidade de Deus” (Charles Hodge, Systematic Theology, originalmente publicado em 1872. [Oak Harbor: Logos Research Systems, 1997], 1:385). Por outro lado, seguindo as Escrituras, Hodges acredita corretamente que Deus “não é um oceano estagnado, mas sempre vivendo, sempre pensando, sempre agindo e sempre adequando sua ação às exigências de suas criaturas e à realização de sua infinita sabedoria. projetos” (Ibid., 1:389). Ele conclui: “Se podemos harmonizar estes fatos ou não, é uma questão de menor importância. Somos constantemente chamados a acreditar que as coisas são, sem poder dizer como são, ou mesmo como podem ser” (Ibid.). Infelizmente, a forma como entendemos a realidade de Deus não é “uma questão de menor importância,” mas a suposição básica sobre a qual os teólogos concebem e formulam seus ensinamentos.

[22] A forma como a atemporalidade de Deus e da alma molda as doutrinas cristãs depende da natureza de cada doutrina e da criatividade de cada teólogo. No entanto, em questões gerais —e.g., espiritualidade, salvação, sacramentos, revelação, vida eterna e escatologia— há um amplo acordo entre as principais denominações. Em comunidades e teólogos mais biblicamente orientados, encontraremos os efeitos da atemporalidade de Deus e da alma misturados em várias configurações com ideias que correspondem adequadamente ao quadro histórico do pensamento bíblico. Mostrei como a atemporalidade absoluta de Deus e a atemporalidade relativa da alma moldam os principais modelos de revelação e inspiração reinantes na teologia cristã. (ver meu Back to Revelation-Inspiration: Searching for the Cognitive Foundations of Christian Theology in the Postmodern World [Lanham: UP of America, 2001]). Eu explorei o papel da atemporalidade na doutrina da criação e no método teológico em meu Creation, Evolution and Theology: The Role of Method in Theological Acommodation (Berrien Springs: Andrews U Lithotech, 2005). No segundo volume de sua Teologia Sistemática (Berrien Springs: Andrews UP, data de publicação prevista para novembro de 2007), Norman Gulley explora a maneira pela qual a visão atemporal da ontologia grega influenciou as doutrinas de Deus, da natureza humana e de Cristo.

[23] Encontramos um exemplo da noção de que a realidade do ato de Deus na cruz ocorre na eternidade e, portanto, precede e fundamenta o que é revelado na cruz quando Moltmann alude à salvação no contexto da doutrina da Trindade. Devemos ter em mente que Moltmann assume que a eternidade de Deus é atemporal (ver abaixo). “O sacrifício de amor sem limites do Filho no Gólgota está desde a eternidade já incluído na troca do essencial, o amor consubstancial que constitui a vida divina da Trindade. O fato de o Filho morrer na cruz, entregando-se a essa morte, faz parte da obediência eterna que ele presta ao Pai em todo o seu ser por meio do Espírito, que recebe do Pai. A criação é salva e justificada na eternidade no sacrifício do Filho, que é o seu fundamento sustenedor” (The Trinity and the Kingdom: The Doctrine of God [New York: Harper & Row, 1981], p. 168).

[24] Ver Fernando Canale, “Philosophical Foundations and the Biblical Sanctuary,” Andrews University Seminary Studies 36/2 (1998): 183–206.

[25] Para um estudo aprofundado da afirmação bíblica da temporalidade da realidade de Deus nesses versículos, ver Fernando Luis Canale, A Criticism of Theological Reason: Time and Timelessness as Primordial Pressuppositions, vol. 10, Andrews University Seminary Doctoral Dissertation Series, (Berrien Springs: Andrews UP, 1983), capítulo 3.

[26] God and Timelessness, Studies in Ethics and the Philosophy of Religion, p. 190.

[27] Ibidem.

[28] Ibidem.

[29] God, Eternity and the Nature of Time (New York: St. Martin’s, 1992), p. 126.

[30] Time and Eternity: Exploring God’s Relationship to Time, p. 241.

[31] Ibidem, 265. Suspeito que haja algum tipo de incoerência na visão de Craig. Quando assumimos uma transição ontológica da atemporalidade para a temporalidade, parece assumir-se a noção contraditória de que o atemporal pode mudar. Por definição, se uma realidade é atemporal, a transição (mudança) não pode ocorrer. Se uma realidade é temporal, a transição pertence à sua natureza. Provavelmente, Craig não está pensando em termos ontológicos.

[32] Clark Pinnock, et al, “Systematic Theology,” em The Openness of God: A Biblical Challenge to the Traditional Understanding of God (Downers Grove: InterVarsity, 1994), p. 118.

[33] Ibidem.

[34] Oscar Cullmann, Christ and Time: The Primitive Christian Conception of Time and History, trad. Floyd V. Filson, 3ª ed. (Filadélfia: Westminster, 1964), p. 63.

[35] Nicholas Wolterstorff, “Unqualified Divine Temporality,” em God and Time: Four Views, e. Gregory E. Ganssle (Downers Grove: InterVarsity, 2001), pp. 187–193.

[36] Ibidem, pp. 209–210.

[37] Discuto essas questões fundamentais em meu recente Basic Elements of Christian Theology: Scripture Replacing Tradition (Berrien Springs: Andrews U Lithotec, 2005).

[38] Como as teologias católica romana e protestante trabalham a partir de uma visão hermenêutica atemporal, elas interpretam a história de Deus em uma ordem lógica e não histórica. Obviamente, esta situação exige uma cuidadosa desconstrução da tradição.

[39]  A Filosofia do Processo compreende a temporalidade divina de forma unívoca. Ou seja, o significado do tempo de Deus e do nosso tempo é o mesmo, aparecendo na noção panenteísta de um Deus dipolar. Embora em seu Process and Reality: An Essay in Cosmology, Alfred North Whitehead não lide explicitamente com a noção de tempo, ele assume implicitamente sua visão dipolar de Deus. “Assim, [explica Whitehead] analogamente a todas as entidades reais, a natureza de Deus é dipolar. Ele tem uma natureza primordial e uma natureza consequente. A natureza consequente de Deus é consciente: a realização do mundo real na unidade de sua natureza e através da transformação de sua sabedoria. A natureza primordial é conceitual, a natureza consequente é a ondulação dos sentimentos físicos de Deus sobre este conceito primordial.” No parágrafo seguinte, Whitehead explica ainda que a natureza conseqüente “. . . origina-se da experiência física derivada do mundo temporal, e, então, adquire integração com o lado primordial.” Whitehead também explica que “na natureza de Deus, a permanência é primordial e o fluxo é derivado do mundo. . .” ([New York: Macmillan, 1960], 529, see also 531). Assim, fica claro que a Filosofia do Processo compreende o tempo e o fluxo divinos univocamente ao tempo e ao fluxo humanos. O tempo divino e o tempo humano são idênticos.

  • [40]Barth fala sobre a história de Deus, mas ainda assim subscreve a atemporalidade de seu Ser. Assim, sempre que aplicamos os termos “história” ou “tempo” para falar sobre Deus atemporal e realidade temporal, estamos usando as palavras em um sentido equívoco. Ou seja, eles carregam significados completamente diferentes. Uma vez que Karl Barth afirma a atemporalidade do ser de Deus, a linguagem sobre a história de Deus deve ser entendida em um sentido equívoco. Barth escreve sobre a atemporalidade de Deus em termos claros. “O ser é eterno em cuja duração começo, sucessão e fim não são três, mas um, não separados como uma primeira, uma segunda e uma terceira ocasião, mas uma ocasião simultânea como começo, meio e fim. A eternidade é a simultaneidade de começo, meio e fim, e nessa medida é pura duração. A eternidade é Deus no sentido em que em si mesmo e em todas as coisas Deus é simultâneo, isto é, começo e meio, assim como fim, sem separação, distância ou contradição. A eternidade não é, portanto, o tempo, embora o tempo seja certamente uma criação de Deus, ou, mais corretamente, uma forma de Sua criação. O tempo se distingue da eternidade pelo fato de que nele começo, meio e fim são distintos, e até mesmo opostos, como passado, presente e futuro” (Church Dogmatics. e. G. W. Bromiley e T. F. Torrance, 13 vols. [Edinburgh: T. & T. Clark, 1936], II/1, 608).

[41] Wolfhart Pannenberg, Systematic Theology, trad. Geoffrey W. Bromley, 3 vols., (Grand Rapids: Eerdmans, 1991, 1994), 1:401–410. Jürgen Moltmann, The Coming of God: Christian Eschatology, trans. Margaret Kohl (Minneapolis: Fortress, 1996).

[42] Ele escreve: “A criação temporal se tornará então uma criação eterna, porque todos os seres criados participarão da eternidade de Deus. A criação espacial se tornará então uma criação onipresente, porque todos os seres criados participarão da onipresença de Deus. A saída da criação do tempo para o éon de glória ocorre por meio da aniquilação da morte e da ressurreição dos mortos. Uma vez que a morte não existe, também não haverá mais tempo, nem o tempo da transitoriedade nem o tempo da futuridade” (ibidem, p. 294). Na introdução de seu livro, no entanto, Moltmann declara que o “eschaton não é nem o futuro do tempo nem a eternidade atemporal” (ibidem, p. 22).

[43] Ibidem, p. 282.

[44] “. . . pois a simultaneidade é um dos atributos da eternidade. A simultaneidade universal seria a eternidade absoluta como ‘a plenitude do tempo’” (ibidem, p. 287).

[45] Ibidem, p. 295.

[46] Ibidem, p. 318.

[47] Moltmann explica: “A figura, ou configuração, do tempo que corresponde à eternidade sem fim é o tempo cíclico, que não tem fim. Representa a forma reversível, simétrica, interminável, e, portanto, atemporal do tempo. Segundo Platão, ‘o corpo do mundo’ é esférico, e, da mesma forma, o tempo do mundo é ‘uma imagem móvel de não transitoriedade’, ‘um círculo’” (ibidem).

[48] Seremos “interpenetrados” pela presença divina num estado de ser estático e imutável (ibidem, pp. 307–308). Assemelha-se à visio Dei (visão de Deus) de Aquino.

[49] Ver, for instance, Fritz Guy, “Interpreting Genesis One in the Twenty-first Century,” Spectrum 31/2 (2003): 5–16.

[50] Ver, por exemplo, Donald G. Bloesch, Holy Scripture: Revelation, Inspiration & Interpretation (Downers Grove: InterVarsity, 1994), p. 190).

[51] Ellen White, O Grande Conflito, p. 423 (ênfase minha).

[52] Gregory Boyd percebe corretamente o papel hermenêutico que a “visão de mundo da guerra” desempenha em nossa compreensão da cruz. Ele sustenta que “o significado antropológico da morte e ressurreição de Cristo está enraizado em algo mais fundamental e amplo que Deus almejava: derrotar de uma vez por todas seu arqui-inimigo cósmico, Satanás, junto com os outros poderes malignos sob seu domínio, e assim estabelecer Cristo como o governante legítimo do cosmos, e os seres humanos como seus vice-reis legítimos na terra” (God at War: The Bible & Spiritual Conflict [Downers Grove: InterVarsity, 1997], p. 240). Até agora, porém, Boyd aplicou a metanarrativa bíblica apenas à questão do mal.

[53] Quando os teólogos assumem que a realidade de Deus é atemporal, eles assumem a “metafísica”. No entanto, se assumirmos que a realidade de Deus é temporal e que seus atos são históricos, falamos de “metanarrativa”. Esta linguagem não é apenas uma acomodação à pós-modernidade e sua ênfase nas metanarrativas. Em vez disso, a palavra técnica “metanarrativa” substitui “metafísica” porque a pós-modernidade não entende mais a lógica interna e a conexão do que é real da atemporalidade, mas do tempo. A razão para nossa visão histórica temporal da realidade, no entanto, não é o ensino filosófico pós-moderno de que a realidade é temporal, mas a antiga revelação de Deus nas Escrituras. Martin Heidegger escreveu a argumentação ontológica decisiva sobre a temporalidade do Ser, afastando-se assim totalmente da tradição filosófica sobre a qual os teólogos vêm construindo a tradição cristã há dois milênios. Ver, Being and Time, trad. John Macquarrie and Edward Robinson (New York: Harper and Collins, 1962).

[54] Recentemente, Gregory A. Boyd explorou a metanarrativa do Grande Conflito que ele identifica como uma “visão de mundo de guerra” (God at War: The Bible & Spiritual Conflict, pp. 9–27). Ele usa metodologia exegética para pesquisar a questão da guerra no Antigo e no Novo Testamento. Seu objetivo, entretanto, é usar a guerra bíblica para desafiar a teodiceia tradicional e a ideologia teísta por trás dela (ibidem, p. 20).

[55] Notavelmente, ver Patriarcas e Profetas, 1890 Profetas e Reis, 1917; O Desejado de Todas As Nações, 1898; Atos dos Apóstolos, 1911. O Grande Conflito, 1888.

[56] Roy Adams defende convincentemente o abandono da nomenclatura “investigativa” para se referir ao “Juízo Pré-Advento” (The Sanctuary: Understanding the Heart of Adventist Theology [Hagerstown: Review and Herald, 1993], pp. 124–129). A abertura dos livros em Daniel 7:9–10 parece implicar em ações reveladoras e avaliativas, em vez de investigação como atividade de descoberta de fatos.

[57] Patriarcas e Profetas, pp. 33–43.

[58] Devemos distinguir entre uma cosmovisão e uma metanarrativa. Uma cosmovisão é uma das três realidades assumidas no princípio hermenêutico da realidade (ontologia): Deus, os seres humanos e o mundo. Assim, uma cosmovisão se refere a uma interpretação específica do mundo que os escritores bíblicos assumem. Uma metanarrativa é uma forma de interpretar o princípio da articulação, que trata do problema do um e dos muitos e do todo e das partes. Embora Gregory Boyd, usando principalmente metodologia exegética e algum método sistemático, seja capaz de afirmar corretamente o que ele chama de “cosmovisão bélica,” ele ainda não se moveu para a interpretação da metanarrativa bíblica seguindo a lógica interna dos atos históricos de redenção de Deus em Escritura.

[59] Os não adventistas talvez também precisem de alguma leitura introdutória para se familiarizar com a “doutrina do santuário”. Para uma breve introdução, ver, Ellen White, O Grande Conflito, pp. 409–432; para uma introdução mais ampla, ver Roy Gane, Altar Call (Berrien Springs: Diadem, c1999); Roy Adams, The Sanctuary: Understanding the Heart of Adventist Theology (Hagerstown: Review and Herald, 1993). Para um desenvolvimento acadêmico completo, ver Alberto R. Treiyer, The Day of Atonement and the Heavenly Judgment: From the Pentateuch to Revelation (Siloam Springs: Creation Enterprises International, 1992).

[60] Roy Adams observa corretamente que o tema do santuário “é tão vasto que exigiria o esforço combinado de muitas pessoas para explorar todas as suas dimensões” (The Sanctuary: Understanding the Heart of Adventist Theology, p. 14).

[61] Que a encarnação de Cristo segue o tipo ou padrão da habitação divina no santuário do Antigo Testamento parece sugerido pela descrição de João da encarnação como um tabernáculo (εσκήνωσεν [eskḗnōsen]) de Deus com os homens.

[62] No livro de Êxodo, Deus renova sua aliança com Israel após a rebelião do bezerro de ouro no capítulo 34. No capítulo 35, Moisés pede ao povo que contribua com materiais para a construção do santuário. Os capítulos 36–39 descrevem a construção de todos os componentes, móveis e roupas rituais exigidos no serviço do santuário. No capítulo 40, o santuário é reunido, inaugurado e preenchido com presença de Deus.

[63] Por exemplo, existe uma “velha” aliança que corresponde ao “velho” santuário. Da mesma forma, há uma “nova” aliança que corresponde ao “novo” santuário. Por que existe algo “velho” que passa e algo “novo” que o substitui? Porque na eternidade Deus decidiu que garantirá a salvação para a humanidade e o universo por meio de um processo histórico complexo. A Trindade está envolvida em várias atividades divinas ad extra que a estrutura do santuário-aliança explica e articula. A principal peça fundamental sobre a qual se assenta todo o plano de salvação como processo histórico é o cumprimento da promessa da aliança da intervenção histórica pessoal divina na controvérsia entre o bem e o mal, entre a semente da mulher e a semente da serpente (Gn 3:15). Mais tarde, em outro cenário histórico, Deus fez a mesma promessa a Abrão: “em ti serão benditas todas as famílias da terra” (Gn 12:3). Paulo entendeu que essa promessa falava de Cristo (Gl 3:8). Em Gl 3:16, ele mostra que a semente de que fala o Gênesis (13:15–16; 17:7–8) se refere não apenas à descendência histórica de Abraão, mas também a Cristo. Conectar a semente com o futuro sacrifício de Cristo na cruz remonta à promessa sobre a vitória da semente da mulher sobre a semente de Satanás em Gênesis 3:15. Assim, o movimento do velho para o novo faz parte do desígnio histórico da predestinação divina. Tanto o santuário quanto a aliança encontram sua base no cumprimento histórico da promessa de Deus sobre a vitória da semente da mulher e em prover para si um substituto aos pecadores que não sejam animais. O teste de Deus para a fé de Abrão —pedindo-lhe que oferecesse seu único filho Isaque— explica melhor a natureza da bênção que Deus tinha em mente. Deus impediu a morte de Isaque fornecendo um carneiro como substituto (Gn 22:13). Abraão, no entanto, entendeu toda a experiência como uma promessa de futura intervenção divina pessoal. “Abraão deu àquele lugar o nome de ‘O Senhor Proverá’. Daí dizer-se até o dia de hoje: ‘No monte do Senhor se proverá’.” (Gn 22:14)

[64] Para uma introdução ao desenvolvimento histórico do pluralismo teológico no adventismo, ver o primeiro artigo desta série.

[65] “From Vision to System: Finishing the Task of Adventist Theology Part I: Historical Review.” Journal of the Adventist Theological Society 15/2 (2004): 5–39.

[66] Sobre esta questão, ver Richard Rice argumentando que a comunidade é obra do Espírito em Believing, Behaving, Belonging: Finding New Love for the Church (Roseville: Association of Adventist Forums, 2002), pp. 24–32. Rice está lidando com a irrelevância da igreja para os jovens adventistas. Para tornar a igreja relevante para eles, devemos tornar a comunidade primordial para a doutrina e o comportamento (ibidem, p. 62). É verdade que o “Espírito cria comunidade” (ibidem, p. 28). No entanto, não cria primeiro a comunidade (pertencimento) e depois a conduz à compreensão teológica (crença) e à vida cotidiana (comportamento). Em vez disso, o Espírito opera por meio do crente (entendimento teológico) para criar uma comunidade (pertencimento) que testemunha por meio de uma vida vivida de acordo com o que eles acreditam.

[67]aggiornamento” é uma palavra italiana que passou a fazer parte do jargão teológico em relação ao motivo da convocação do Concílio Ecumênico Vaticano II. Significa o processo de atualização de uma instituição ou organização; modernização, atualização.

[68] Jaques Derrida fala da “diferença” como a condição de possibilidade de diferenças e oposições que ocorrem na linguagem e na realidade histórica. Para uma introdução à noção de “diferença” de Derrida, ver, por exemplo, John D. Caputo, e., Deconstruction in a Nutshell: A Conversation with Jaques Derrida (New York: Fordham UP, 1997), pp. 96–105. Claramente, a “diferença” de Derrida está em uma concepção temporal da realidade.

[69] A “semelhança” da realidade e do significado flui de uma compreensão atemporal da realidade.

[70] Old Testament Theology: Basic Issues in the Current Debate, e. rev. (Grand Rapids: Eerdmans, 1975); New Testament Theology: Basic Issues in the Current Debate (Grand Rapids: Eerdmans, 1978); Biblical Interpretation Today (Washington: Biblical Research Institute, 1985); e Speaking in Tongues: Biblical Speaking in Tongues and Contemporary Glossolalia (Berrien Springs: Adventist Theological Society Publications, 1991).

[71] Typology in Scripture: A Study of Hermeneutical tupos Structures (Berrien Springs: Andrews UP, 1981); e A Love Song for the Sabbath (Washington: Review and Herald, c1988).

[72] Le cri du ciel: etude prophétique sur le livre de l’Apocalypse (Dammarie les Lys: Editions Vie et Santé, c1966); Boire aux sources (Dammarie les Lys: Éditions SDT, 1977); The Genesis Creation Story (Berrien Springs: Andrews UP, 1978); Aux portes de l’esperance: essai biblique sur les prohéties de la fin (Demmarie les Lys: Editions Vie et Santé, c1983); Daniel: The Vision of the End (Berrien Springs: Andrews UP, c1987); Secrets of Daniel: Wisdom and Dreams of a Jewish Prince in Exile (Hagerstown: Review and Herald, 2000); Jacques Doukhan, Israel and the Church: Two Voices for the Same God (Peabody: Hendrickson, 2002); e, Secrets of Revelation: The Apocalypse through Hebrew Eyes (Hagerstown: Review and Herald, 2002).

[73] Decoding Revelation’s Trumpets: Literary Allusions and Interpretation of Revelation 8:1–12 (Berrien Springs: Andrews UP, 1988); The Book of Revelation: Too Good to be False! (Washington: Review and Herald, c1990); John: Jesus Gives Life to a New Generation, e. George R. Knight (Boise: Pacific Press, 1995); Knowing God in the Real World; How To Have an Authentic Faith in a Faithless Society (Nampa: Pacific Press,2001); The Millennium Bug: Is this the End of the World as We Know it? (Nampa: Pacific Press, 1999); e, Meet God Again for the First Time (Hagerstown: Review and Herald, 2000); The Day that Changed the World: Seeking God after September 11 (Hagerstown: Review and Herald, c2002); e, John: The Beloved Gospel (Nampa: Pacific Press, 2003).

[74] Christ our Salvation: What God Does For Us and In Us (Mountain View: Pacific, 1980); Deliverance in the Psalms (Berrien Springs: First Impressions, 1983); How to Understand the End-Time Prophecies of the Bible: The Biblical-Contextual Approach (Sarasota: First Impressions, c1997); e, Assurance of Salvation (Nampa: Pacific Press, c1999).

[75] Final Events on Planet Earth (Nashville: Southern Publishing, 1977); Christ our Substitute (Washington: Review and Herald, 1982); Christ our Refuge: Making It Safely Through the Last Days (Boise: Pacific Press, 1996); e, Christ is Coming: A Christ-centered Approach to Last-day Events (Hagerstown: Review and Herald, 1998).

[76] Follow Me: How to Walk with Jesus Every Day (Hagerstown: Review and Herald, 2001).

[77] Creation, Catastrophe, and Calvary (Hagerstown: Review and Herald, 2000).

[78] Systematic Theology: Prolegomena (Berrien Springs: Andrews UP, 2003).

[79] Raúl Kerbs, “Sobre el desarrollo de la hermenéutica,” Analogía Filosófica, 2 (1999): 3–33; “El problema ferazón (1),” Enfoques 12/1 (2000): 105–125; “Las parábolas bíblicas en la hermenéutica filosófica de Paul Ricoeur,” Ideas y Valores, 113 (2000): 3–27; “Una interpretación sobre el origen de la articulación de la desmitologización (interna y externa) y la restauración de los mitos en Paul Ricoeur,” Logos 29/86 (2001): 57–84; “El método histórico-crítico en teología: En búsca de su estructura básica y de las interpretaciones filosóficas subyacentes (Parte 1),” DavarLogos 1/2 (2002): 105–123; “El método histórico-crítico en teología: En busca de su estructura básica y de las interpretaciones filosóficas subyacentes (Parte II),” DavarLogos 2/1 (2003): 11–27.

[80] George W. Reid, e., Understanding Scripture: An Adventist Approach (Silver Spring, MD: Biblical Research Institute, 2005);

[81] Esta noção de incompletude parece implícita no pensamento de Ellen White. Considere, por exemplo, a seguinte afirmação: “Se os jovens estão procurando educar-se para serem obreiros em Sua causa, devem aprender o caminho do Senhor e viver de toda palavra que sai da boca de Deus. Não devem convencer-se de que toda verdade já foi revelada e que o Ser Infinito não tem mais luz para Seu povo. Se se firmam na crença de que toda verdade já foi revelada, estão em perigo de se desfazerem de preciosas gemas da verdade, que serão descobertas ao volverem os homens a atenção para pesquisar a rica mina da Palavra de Deus” (Conselhos sobre A Escola Sabatina, pp. 32–33).

[82] Há um começo pequeno e bem-vindo nessas áreas. Norman Gulley está fazendo um trabalho pioneiro na área de teologia sistemática; ver Systematic Theology: Prolegomena (Berrien Springs: Andrews UP, 2003). Na área da teologia fundamental, Thinking Theologically de Fritz Guy e Reason and the Contours of Faith de Richard Rice (Riverside: La Sierra UP, 1991) são obras pioneiras. Eles não trabalham dentro das mesmas convicções metodológicas. Enquanto Norman Gulley trabalha dentro dos parâmetros metodológicos do adventismo bíblico, Fritz Guy e Richard Rice trabalham dentro dos parâmetros metodológicos do adventismo progressivo. Assim, suas obras não contribuem para o desenvolvimento da abordagem bíblica da teologia fundamental que estou sugerindo aqui.

[83] Ver seção sobre Modernidade, Pós-Modernidade e Apriorismo Teológico.

[84] Plurality and Ambiguity: Hermeneutics, Religion, Hope (San Francisco: Harper and Row, 1989), p. 9. Para uma introdução à tarefa da interpretação teológica, ver, por exemplo, James K. A. Smith, The Fall of Interpretation: Philosophical Foundations for a Creational Hermeneutic (Downers Grove: InterVarsity, 2000).

[85] Esta é uma das principais características do método científico. Ver, por exemplo, Fernando Canale, “Evolution, Theology and Method Part I: Outline and Limits of Scientific Methodology,” Andrews University Seminary Studies 41/1 (2003): 65-100; e um componente principal em Thomas S. Kuhn, The Structure of Scientific Revolutions, 2ª e. (Chicago: U of Chicago P, 1970).

[86] Ver acima, nota de rodapé 53.

[87] A valorização da história começou nos tempos modernos. Sua conclusão trouxe uma era de transição que chamamos de “pós-modernidade.”

[88] Clark H. Pinnock faz este ponto em defesa da visão aberta de Deus, ver Most Moved Mover: A Theology of God’s Openness (Grand Rapids: Baker, 2001), p. 154. A visão aberta de Deus também assume a historicidade da atividade divina. Infelizmente, os teólogos de visão aberta continuam a definir outras condições de método da maneira clássica (ibidem, pp. 19–24).

[89] Veja, Fernando Canale, “Da Visão ao Sistema: Finalizando a Tarefa das Teologias Bíblicas e Sistemáticas Adventistas—II.” http://estudosadventistas.com.br/da-visao-ao-sistema-finalizando-a-tarefa-da-teologia-adventista-parte-2-teologias-biblica-e-sistematica/

[90] Para uma introdução à metodologia interdisciplinar, ver, por exemplo, Fernando Canale, “Interdisciplinary Method in Christian Theology? In Search of a Working Proposal,” Neue Zeitschrift für Systematische Theologie und Religionsphilosophie 43/3 (2001): 366–389.

[91] Wolfhart Pannenberg, Systematic Theology, trad. Geoffrey W. Bromley, 3 vols., (Grand Rapids: Eerdmans, 1991, 1994), 1:401–410. Jürgen Moltmann, The Coming of God: Christian Eschatology, trans. Margaret Kohl (Minneapolis: Fortress, 1996), pp. 279–319. A atemporalidade de Deus fica clara quando Moltmann explica que no eschaton “A criação temporal se tornará uma criação eterna, porque todos os seres criados participarão da eternidade de Deus. A criação espacial se tornará então uma criação onipresente, porque todos os seres criados participarão da onipresença de Deus. A saída da criação do tempo para o éon de glória ocorre por meio da aniquilação da morte e da ressurreição dos mortos. Uma vez que a morte não existe, também não haverá mais tempo, nem o tempo da transitoriedade nem o tempo da futuridade” (ibidem, p. 294).

[92] Isso não nega o fato de que, ao longo da história do cristianismo, muitas comunidades fiéis ao princípio Sola Scriptura reconheceram verdades que também consideramos caras hoje. Eles são antecedentes da mesma tarefa teológica inacabada que os adventistas atuais herdaram de seus pioneiros. Eles certamente não terminaram a tarefa no nível acadêmico. Precisamente porque a revolução hermenêutica se baseia na aplicação consistente do princípio Sola Scriptura, a tarefa da teologia adventista que estou propondo deve ser trabalhada na arena pública da erudição pós-moderna. Desta forma, ele se tornará não apenas um símbolo de unidade e bênção para os adventistas, mas para todos os cristãos que constroem suas crenças nos mesmos fundamentos metodológicos.

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