Avaliação Teológica da Teologia Negra de James Cone

Avaliação Teológica da Teologia Negra de James Cone Isaac Malheiros1 é Doutor em Teologia (EST – São Leopoldo, RS), aluno de PhD em Religious Education (Andrews University – Berrien Springs, MI).


Introdução

Este artigo, produzido entre 2019 e 2021, faz uma avaliação da teologia negra na forma como ela é exposta, principalmente (mas não exclusivamente), na obra de James Cone. A teologia negra não deve ser confundida com a teologia africana, pois é a teologia dos negros segregados numa sociedade racista branca.2 Em sentido estrito, a teologia negra só vai surgir nos anos 1960 (ente 1966 e 1969), motivada por alguns fatores como: 1) o movimento pelos direitos civis (1955-1965); 2) o livro Black Religion, do historiador negro Joseph Washington; e 3) o movimento Black Power (surgido dos guetos em 1966).3 Outros eventos marcaram o surgimento da teologia negra, como o surgimento do National Committee of Negro Churchmen, em 1969. No mesmo ano, James Forman publicou o Black Manifesto, exigindo que as igrejas brancas e sinagogas pagassem uma indenização simbólica de 500 milhões de dólares aos negros dos EUA (o que daria 15 dólares por negro).4

Mas o grande nome da teologia negra, tanto na sua fase inicial quanto em sua sistematização posterior, foi o teólogo negro James Cone (1938–2018). Em 1969, ele publicou Black Theology and Black Power, considerada a primeira obra de teologia negra sistematizada.5 Por causa de sua importância, neste artigo, o pensamento de James Cone será considerado representativo da teologia negra – a teologia negra não é apenas Cone, mas não se pode falar em teologia negra sem passar por ele. Esta é uma pesquisa bibliográfica que fará uma apresentação panorâmica e uma avaliação de alguns conceitos teológicos da teologia negra de Cone sob uma perspectiva cristã adventista.

Inicialmente, é importante reconhecer que a teologia negra denuncia questões raciais sérias que precisam ser abordadas, e chama a atenção para o sofrimento real que os negros experimentaram e ainda experimentam. A teologia negra não surgiu ex-nihilo, ela tem razão histórica para existir. O envolvimento de instituições e indivíduos cristãos com a escravidão, e o silêncio e a omissão de outros setores cristãos diante de manifestações históricas de racismo ajudam a explicar as denúncias e a dureza do discurso da teologia negra. Ao avaliar a teologia negra, é preciso levar em conta a realidade da situação dos negros nos EUA, desde o início da história até hoje, e reconhecer que, em geral, as demandas eram/são justas. Este artigo não trata disso, mas se concentra apenas na questão teológica presente nas alegações feitas, especialmente, por James Cone.

As denúncias e experiências com o racismo contidas na bibliografia da teologia negra devem ser ouvidas, mas o que nos interessa aqui são os seus argumentos teológicos e sua relação com a Bíblia. A teologia negra não trata apenas de uma justa demanda social, ela é essencialmente uma teologia, e como tal, tem feito alegações teológicas que devem ser avaliadas por cristãos bíblicos. A vida cristã deve estar fundamentada solidamente nas Escrituras, não em relatos emocionais que causem tristeza, comoção ou revolta. Esperamos que essa objetividade na análise não seja confundida com insensibilidade em relação à questão racial.

Serão mantidas, até onde o espaço permitir, as citações diretas para que as posições dos autores sejam expostas em suas próprias palavras, pois questões semânticas estão envolvidas. Os leitores fariam bem se examinassem cuidadosamente cada citação. Por causa das circunstâncias em que este estudo foi feito, foram utilizadas obras de Cone em inglês, mas também versões de duas dessas obras em português. 6 Todas as traduções das fontes primárias em inglês foram feitas pelo autor deste artigo. Ao final, será feita uma breve reflexão crítica das principais questões levantadas.

1. A teologia negra e a Bíblia

Algo que salta aos olhos rapidamente é que a teologia negra de Cone não é construída sobre a Bíblia. Numa estrutura hermenêutica semelhante ao quadrilátero wesleyano, as fontes da teologia negra são a experiência, a história e a cultura negras, interpretadas e iluminadas pela revelação divina, o testemunho bíblico e a tradição.7 A experiência negra é uma base tão sólida que confere autoridade teológica exclusiva à comunidade oprimida: “Não pode haver teologia do evangelho que não surja de uma comunidade oprimida”.8 Isso ocorre porque Deus “toma partido com a comunidade negra” e “fez uma identificação irrestrita com os negros”.9

Cone não vê a Bíblia como a infalível Palavra de Deus, mas a considera útil para a atuação libertadora:

[…] não devemos concluir que a Bíblia é um testemunho infalível. Deus não foi o autor da Bíblia, nem seus escritores foram meros secretários. […] Pouco importa para o oprimido quem escreveu a Escritura; o importante é se pode servir como uma arma contra os opressores”.10

Ou seja, para ele, não importa se a Bíblia é ou não é a Palavra infalível e inspirada de Deus, importa se ela pode ser usada como instrumento de luta e militância. Além disso, é preciso reconhecer os “limites da Bíblia”.11 Cone não vê a Bíblia como regra de fé e prática, como ele escreve: “Nunca acreditei que a Bíblia está acima de qualquer crítica ou que serve como um juiz absoluto na fé e na prática”.12

Assumidamente, a Bíblia não é o fundamento da teologia negra de Cone, mas é apenas uma das várias fontes de sua reflexão teológica:

Ainda considero a Bíblia uma fonte importante de minhas reflexões teológicas, mas não o ponto de partida. A experiência negra e a Bíblia juntas em tensão dialética servem como meu ponto de partida hoje e ontem. A ordem é significativa. Eu sou negro primeiro – e todo o resto vem depois disso. Isso significa que eu leio a Bíblia pelas lentes de uma tradição negra de luta e não como a palavra objetiva de Deus. A Bíblia, portanto, é uma testemunha da presença capacitadora de Deus nos assuntos humanos, junto com outros testemunhos importantes. Os outros testemunhos incluem documentos sagrados da experiência afro-americana – como os discursos de Malcolm X e Martin Luther King Jr., os escritos de Zora Neale Hurston e Toni Morrison, a música do blues, jazz e rap. Histórias, mitos e lendas libertadores também são encontrados entre homens e mulheres de todas as raças e culturas que lutam para realizar a intenção divina para suas vidas. Eu acredito que a Bíblia é uma palavra libertadora para muitas pessoas, mas não a única palavra de libertação. Deus fala não apenas uma palavra em apenas uma história, mas muitas palavras libertadoras em muitas histórias sagradas.13

Por causa dessa postura, Cone não acredita na existência de uma verdade objetivamente revelada nas Escrituras:

Não começamos nossa teologia com uma reflexão sobre a revelação divina, como se o Deus de nossa fé estivesse separado do sofrimento de nosso povo. Não acreditamos que a revelação seja um depósito de doutrinas fixas ou uma palavra objetiva de Deus que é então aplicada à situação humana. Pelo contrário, afirmamos que não há verdade fora ou além dos eventos históricos concretos nos quais as pessoas estão engajadas como agentes.14

O antropocentrismo existencialista15 de Cone o leva a afirmar que “Na luta pela verdade, numa época revolucionária, não pode haver princípios de verdade, nem absolutos, nem mesmo Deus”.16 O conceito de verdade é vinculado e condicionado à experiência dos negros oprimidos, tornando-se a verdade negra:

Não existe verdade para e sobre os negros que não saia do contexto de sua experiência. A verdade, nesse sentido, é a verdade negra, uma verdade revelada na história e na cultura dos negros. Isso significa que não pode haver Teologia Negra que não tome a experiência negra como fonte de seu ponto de partida.17

Assim, na teologia negra, a palavra de Deus não é externa aos oprimidos, mas algo que brota deles: “a palavra de Deus é a nossa palavra; a existência de Deus, nossa existência”.18 A revelação divina “é um acontecimento negro – é o que o povo negro está fazendo em relação à libertação”.19

Cone ainda afirma que “a Bíblia não é um modelo” sobre como agir na luta contra o mal, e que ela “não interpreta a si mesma”, o que deixa o ser humano numa “situação existencial de liberdade em que a responsabilidade de tomar decisões sem um manual ético recai sobre nós”.20 Isso se distancia muito do “grande princípio protestante – a Bíblia, e a Bíblia só, como regra de fé e prática”.21

A hermenêutica da teologia negra coloca a experiência negra como pré-requisito para a interpretação bíblica correta: “É impossível interpretar as Escrituras corretamente e assim compreender Jesus corretamente, a menos que a interpretação seja feita à luz da consciência dos oprimidos em sua luta pela libertação”.22 Na realidade, Cone distingue a hermenêutica válida da inválida igualando o evangelho à luta política dos oprimidos:

o princípio para uma exegese das Escrituras é a revelação de Deus em Cristo como o libertador dos oprimidos da opressão social e da luta política, onde os pobres reconhecem que sua luta contra pobreza e injustiça não são apenas consistentes com o evangelho, mas é o evangelho de Jesus Cristo.23

Uma questão pertinente surge aqui: será que, nesse ponto, o movimento da teologia negra representa a crença histórica do cristianismo negro dos EUA a respeito da Bíblia, ou é uma inovação, um abandono de crenças historicamente enraizadas na trajetória dos cristãos afro-americanos?

Pesquisa do Pew Research Center (2009)24 revelou que maioria dos negros cristãos dos EUA é teologicamente conservadora, e expressa níveis mais elevados de crença religiosa do que os americanos em geral. Os negros acreditam mais em Deus, em anjos e em milagres do que a população americana em geral. Eles acreditam na Bíblia como a palavra literal de Deus em níveis muito mais altos que a população em geral (55% contra 33%), e expressam uma crença maior em anjos e demônios (83% contra 68%). Essa é a opinião defendida pela esmagadora maioria dos membros de igrejas historicamente negras. E, mesmo entre os negros que não são afiliados a nenhuma religião, o índice de crença na Bíblia como a Palavra inspirada de Deus é mais alto que entre protestantes tradicionais ou católicos em geral.

Essa é a crença majoritária dos negros. Portanto, ao apresentar a Bíblia como algo menos que a Palavra de Deus, quem a teologia negra representa? A teologia negra fala em nome dos cristãos negros? A proposta da teologia negra não está plenamente alinhada à teologia que ressoava nos cânticos negro spirituals, nos apelos dos reavivamentos e campmeetings. Ou seja, a teologia negra parece ser mais uma tentativa de colocar uma teologia bíblica num cativeiro cultural contemporâneo.

Thabiti Anyabwile, teólogo negro, demonstrou isso ao identificar as principais crenças doutrinárias dos negros dos EUA, desde o período da escravidão até o século 21, e concluir que a visão teológica inicial dos cristãos negros está sendo “gradualmente perdida e substituída por um fundamento secular”.25

Em poucas palavras, os negros escravos e os primeiros negros livres amavam a Bíblia profundamente. A Bíblia foi, de longe, a principal motivação educacional dos negros, que queriam aprender a ler para poder ler a Bíblia: “Então, os escravos juraram aprender a ler antes de morrerem para que pudessem ler a Bíblia, […] muitas vezes arriscando receber castigo legalmente sancionado, espancamentos severos, e morte”.26

O próprio Cone admite, contraditoriamente,27 que a teologia negra representa uma novidade, e não uma continuidade da crença histórica dos cristãos negros, ao falar da criação de uma nova teologia, uma teologia alternativa:

Os membros da NCBC [National Committee of Black Churchmen] não estavam apenas determinados a tornar a igreja negra mais relevante para a luta de libertação negra, mas estavam igualmente determinados a criar uma teologia negra que a apoiasse.28

Essa denúncia profética do racismo branco também fez os membros do clero negro perceberem que uma teologia alternativa era necessária se eles pretendessem desenvolver uma interpretação do evangelho que capacitasse os negros em sua luta de libertação.29

James Cone faz uma afirmação forte (e equivocada) sobre a relação entre a crença na infalibilidade da Bíblia e a violência racial: “As pessoas brancas que insistem na infalibilidade verbal são quem pratica o racismo da forma mais violenta”.30 A afirmação é equivocada, pois não é possível estabelecer essa relação historicamente como se fosse uma regra geral. Por exemplo, a teologia nazista (o “cristianismo positivo”) era essencialmente liberal na sua compreensão da natureza das Escrituras.31 Em termos simples: uma teologia liberal, que não via a Bíblia como infalível Palavra de Deus gerou uma das mais terríveis violências étnico-raciais da história.

Um cristão que crê na inspiração, infalibilidade e autoridade das Escrituras teria dificuldades de harmonizar sua crença com a teologia negra de Cone. Ler a Bíblia através da experiência de opressão dos negros debaixo do racismo coloca a Bíblia numa posição de submissão à teologia negra.

Numa avaliação sob uma perspectiva adventista, a abordagem da teologia negra de Cone apresenta uma norma externa, que substitui o princípio da sola Scríptura e relativiza a Escritura: a experiência e o subjetivismo do leitor. “Nessas abordagens, não há um significado objetivo e normativo da Escritura”.32

Jesus via as Escrituras de seu tempo “como a revelada Palavra de Deus”.33 Os profetas, apóstolos e o próprio Jesus aceitavam a Bíblia como “a fidedigna e autorizada Palavra de Deus, comunicada pelo Espírito Santo em linguagem humana”,34 como se pode ver, por exemplo, em Dn 9:2; Mt 4:4; Mc 7:13 e Hb 4:12.35 Após a ressurreição, antes de ascender ao Céu, “Jesus se ocupou com a exposição da Escritura (Lc 24:25-27, 44, 45)”.36 E os primeiros cristãos acolheram as palavras de Paulo: “não como palavra de homens, e sim como, em verdade é, a palavra de Deus” (1Ts 2:13).

A experiência de opressão dos negros (ou qualquer outra experiência, individual ou coletiva) não pode ter maior autoridade que as Escrituras, mas deve ser submetida à Palavra:

a consciência, a razão, os sentimentos e as experiências místicas ou religiosas se encontram subordinadas à autoridade das Escrituras. Essas coisas podem ter um valor legítimo dentro de sua área de competência, mas devem ser constantemente avaliadas pelo minucioso exame da Palavra de Deus.37

A Bíblia não é uma invenção meramente humana: “Antes de mais nada, saibam que nenhuma profecia da Escritura provém de interpretação pessoal, pois jamais a profecia teve origem na vontade humana, mas homens falaram da parte de Deus, impelidos pelo Espírito Santo” (2Pe 1:20-21 NVI). Então, considerar a Bíblia apenas como literatura que registra a memória de um povo oprimido é um problema, porque:

Se a Bíblia for percebida apenas como uma coleção de testemunhos humanos, ou se a sua autoridade depende, de alguma forma, do modo como a pessoa se sente ou das emoções que manifesta, então a autoridade da Palavra é grandemente enfraquecida, senão completamente destruída.38

No caso dos adventistas do sétimo dia, “[d]esde as suas primeiras publicações, [ele] afirmaram aceitar a Bíblia como a inspirada Palavra de Deus”.39 A primeira crença fundamental da Igreja Adventista do Sétimo Dia (IASD) afirma que

As Escrituras Sagradas As Escrituras Sagradas, o Antigo e o Novo Testamentos, são a Palavra de Deus escrita, dada por inspiração divina. Os autores inspirados falaram e escreveram ao serem movidos pelo Espírito Santo. Nesta Palavra, Deus transmitiu à humanidade o conhecimento necessário para a salvação. As Escrituras Sagradas são a revelação infalível, suprema e repleta de autoridade de sua vontade. Constituem o padrão de caráter, a prova da experiência, o revelador definitivo de doutrinas e o registro fidedigno dos atos de Deus na história (Sl 119:105; Pv 30:5, 6; Is 8:20; Jo 17:17; 1Ts 2:13; 2Tm 3:16, 17; Hb 4:12; 2Pe 1:20, 21).40 (grifo nosso)

Assim, parece haver uma diferença irreconciliável entre a visão da teologia negra sobre a Bíblia e a crença fundamental adventista. Além disso, a proposta de usar a experiência negra como fonte e ponto de partida para a teologia inverte a hierarquia de autoridade entre Deus e a humanidade:

As verdades bíblicas são a norma pela qual todas as demais ideias devem ser provadas. Através dos séculos, as mentes finitas têm tentado julgar a Palavra de Deus de acordo com os seus padrões humanos, o que se assemelha a uma fita métrica que pretende medir as estrelas. A Bíblia não se encontra sujeita aos padrões humanos. Ela é superior a toda a sabedoria e literatura humana. Em vez de julgar a Bíblia, todas as pessoas serão por ela julgadas, uma vez que ela é o padrão de caráter e teste de toda a experiência e pensamento do homem.41

Ellen White incentiva os cristãos a deixar que a Palavra de Deus “permaneça exatamente tal qual é. Que nenhuma sabedoria humana presuma diminuir a força de uma só declaração das Escrituras. […] Em nome de meu Senhor eu vos ordeno: ‘Tira os teus sapatos de teus pés, porque o lugar em que tu estás é terra santa’. Êxodo 3:5”.42

2. A cristologia da teologia negra

A cristologia da teologia negra pode ser resumida em uma sentença: Cristo é negro.43 A negritude de Jesus não se refere necessariamente à etnicidade ou à cor da pele do Cristo histórico, mas é primeiramente um símbolo teológico. No entanto, Cone faz questão de dizer que o Jesus histórico não era um homem fisicamente branco,44 o que é verdade.

Para Cone, a importância cristológica de Jesus deve ser procurada primariamente em sua negritude,45 não em sua natureza divino-humana, ou em sua perfeição e santidade. Jesus ser negro é uma condição sine qua non na cristologia de Cone:

Para que Jesus Cristo tenha algum significado para nós, ele deve deixar a segurança dos subúrbios juntando-se aos negros em sua condição. Que necessidade temos de um Jesus branco se não somos brancos, mas negros? Se Jesus Cristo é branco e não negro, ele é um opressor, e devemos matá-lo. O surgimento da teologia negra significa que a comunidade negra agora está pronta para fazer algo a respeito do Jesus branco, para que ele não possa atrapalhar nossa revolução.46

Além disso, na cristologia de Cone, “Jesus não é um ser humano para todas as pessoas; é um ser humano para pessoas oprimidas, cuja identidade se dá a conhecer na e através da sua libertação”.47 Segundo Cone, no Novo Testamento, “Jesus não é para todos, mas para os oprimidos, os pobres e os desprezados da sociedade e contrário aos opressores”.48

A negritude divina não é apenas uma questão cristológica, mas está no centro da doutrina de Deus, que não deve ser retratado como um Deus de todos os povos:

Porque os negros passaram a se conhecer como negros, e porque essa negritude é a causa de seu próprio amor a si mesmos e ódio da branquitude, a negritude de Deus é a chave para o conhecimento de Deus. A negritude de Deus, e tudo o que isso implica em uma sociedade racista, é o cerne da doutrina da teologia negra de Deus. Não há lugar na teologia negra para um Deus incolor em uma sociedade onde os seres humanos sofrem exatamente por causa de sua cor. O teólogo negro deve rejeitar qualquer concepção de Deus que sufoque a autodeterminação negra, retratando Deus como um Deus de todos os povos. Ou Deus é identificado com os oprimidos a ponto de sua experiência se tornar a experiência de Deus, ou Deus é um Deus do racismo. […] Porque Deus fez do objetivo dos negros o próprio objetivo de Deus, a teologia negra acredita que não é apenas apropriado, mas necessário começar a doutrina de Deus com uma insistência na negritude de Deus.49

A negritude de Deus é uma tese central na teologia negra: Deus é negro, porque ele está do lado dos oprimidos,50 e os brancos devem se tornar negros com Deus, associando-se à sua obra de libertação dos oprimidos.51

Aparentemente em concordância com a Bíblia, Cone define Deus como amor e ira, pois a ira seria um componente do amor. Deus diz sim aos oprimidos e manifesta sua ira dizendo não a quem oprime. Ele diz sim ao povo negro e diz não à sociedade branca racista, e qualquer descrição do caráter divino que omite a ira gera um sentimentalismo e uma abstração.52

No entanto, Cone vai além, e rejeita o “ensinamento branco de um Jesus manso e sofredor. Nós o chamamos de hipócrita e racista. Nossa cristologia se concentrou no revolucionário Cristo Negro […]”.53 Cone se sente à vontade para construir essa imagem de Jesus porque, para ele, a “cristologia não cai do céu, ela surge da vida”.54

A cristologia negra imprime forte ênfase ao Jesus histórico, o Oprimido, cuja vida e ministério estiveram vinculados com os oprimidos. Para eles, até mesmo a afirmação de Cristo de que o reino de Deus estava próximo significava que a escravidão e a opressão estavam prestes a acabar. Ainda que seu uso seletivo da Escritura apresente problemas, a cristologia da libertação tem oferecido uma importante oportunidade para se corrigirem as concepções excessivamente espiritualizadas da missão da igreja, o que é um ponto positivo.55

Embora a salvação seja apresentada mais como transformação histórica e ascensão da consciência negra do que como transformação espiritual e vida eterna, a cristologia negra de Cone parece propor uma visão basicamente bíblica da divindade, encarnação e ressurreição de Cristo.56

Porém, ao afirmar que “Jesus não é um ser humano para todas as pessoas; é um ser humano para pessoas oprimidas, cuja identidade se dá a conhecer na e através da sua libertação”, Cone parece ir contra o testemunho bíblico, que mostra Jesus trazendo salvação para pessoas de diferentes etnias, gêneros e classes sociais (Mt 19:16-22; Lc 19:1-10; At 4:13; 9:36; 2Pe 3:9).

Além disso, Cone parece relativizar a centralidade de Jesus ao escrever: “Não posso mais fazer teologia como se Jesus fosse a única revelação de Deus. Em vez disso, ele é um evento revelador importante entre muitos”.57 Ele cita, e concorda com, David Suh, que questiona a exclusividade cristológica, denunciando que afirmar a centralidade de Jesus é um “discurso cristo-fascista”.58

De fato, Deus se revela de muitas maneiras, mas a singularidade e superioridade da revelação em Jesus é algo afirmado nas Escrituras (Hb 1:1-3). Por exemplo, Cone apresenta o Black Power como uma espécie de revelação divina59: “Minha principal preocupação […] era demonstrar que a política do black power era o evangelho de Jesus para a América do século XX”.60 Cone pretende igualar a revelação divina em Cristo com essas outras revelações?

O questionamento da representação de um Jesus branco na iconografia cristã é pertinente. Mas o problema central da cristologia da teologia negra é que ela não começa com a revelação divina nas Escrituras, mas com a experiência humana, especificamente a experiência dos negros com o racismo. Essa experiência assume o status de fonte e padrão da verdade, acima da Bíblia. Apesar de não haver rejeição aberta de conceitos como a encarnação divina e a ressurreição, algumas interpretações são extremamente metafóricas e levam muito a sério a descrição de Jesus como um homem negro em contraposição ao Jesus branco.

Porém, com exceção da teologia do Cristianismo Positivo nazista (e seu Jesus ariano), poucos teólogos cristãos do século 20 ou 21 argumentariam que Jesus é ontológica e literalmente um branco. O intérprete da Bíblia deve lidar com os dados que ela traz, e a cristologia bíblica não gira em torno da questão da cor de Jesus – esse simplesmente não é um elemento importante na Bíblia. A solidariedade de Jesus com o sofrimento humano é biblicamente construída sem tornar esse tipo de discussão algo central (Hb 2:16-18; 4:15-16).

O problema não é retratar Jesus como negro, pois as diferentes culturas geralmente retratam Jesus com traços característicos daquela cultura particular. O problema é criar uma teologia em cima, ou em torno disso, e uma teologia exclusiva, como veremos. Com esse tipo de leitura identitária da Bíblia, Jesus teria que ser encaixado nas intermináveis variáveis da existência humana, a fim de ser um Libertador.

Por exemplo, o fato de Jesus ter sido um homem pode ser problemático para mulheres, o fato dele ter sido solteiro pode ser um problema para casados, o fato dele ter sido judeu pode ser um problema para não judeus, o fato dele nunca ter sido pai seria um problema para pais, e assim sucessivamente. Daí surgiriam diversas teologias não submissas ao texto bíblico, com novas definições de Deus, pecado, salvação etc. Esse tipo de leitura exigiria uma hermenêutica identitária sem limites, que poderia descaracterizar completamente a revelação bíblica.

3. Reconciliação racial e a teologia negra

Cone afirma que “Deus escolheu os negros como povo de Deus”,61 e a teologia negra procura “analisar a natureza satânica da branquitude”.62 No sistema coletivista de Cone, ele crê até mesmo na existência de um “pensamento negro”: “os brancos não estão em posição de questionar a legitimidade da teologia negra. Perguntas como ‘você acha que a teologia é negra?’ ou ‘e quanto aos outros que sofrem?’ são o produto de mentes incapazes de pensamento negro”.63

Nessa visão binária que divide a humanidade entre negros e brancos, Cone retrata os brancos como alvos da teologia negra, pois “[…] os brancos são incapazes de fazer qualquer julgamento válido sobre a existência humana. O objetivo da teologia negra é a destruição de tudo que é branco, para que os negros possam ser libertados de deuses alienígenas”.64

Cone admite “a rara possibilidade de conversão entre os opressores brancos, um evento do qual já falei em termos de pessoas brancas se tornarem negras”.65 Nessa conversão, os brancos morrem para a sua branquitude e renascem “para lutar contra a opressão branca e pela libertação dos oprimidos”.66 Porém, Cone alerta que

[…] deve ficar absolutamente claro que é a comunidade negra que decide tanto a autenticidade da conversão branca quanto o papel que estes convertidos desempenharão na luta negra pela liberdade. Os conversos não podem ter nada a dizer sobre a validade de sua experiência de conversão ou sobre o que é melhor para a comunidade ou seu lugar na mesma, exceto o que é permitido pela própria comunidade oprimida.67

Esses brancos convertidos de sua branquitude são tratados como bebês, e “devem ser informados quando devem falar e o que dizer, caso contrário, serão excluídos de nossa luta”.68 É preciso refletir sobre as bases bíblicas e as consequências do discurso de Cone. Se “não há lugar para a retórica branca sobre o amor reconciliador entre pessoas negras e brancas”,69 há lugar para a retórica bíblica? A ideia de reconciliação é branca ou bíblica?

É difícil ver reflexos da mensagem reconciliadora do Novo Testamento no último capítulo de Deus dos oprimidos. Ao alertar sobre os perigos de falar levianamente sobre a reconciliação com brancos, Cone diz: “Só porque trabalhamos com eles [os brancos] e às vezes adoramos ao lado deles, isso não deve ser motivo para se afirmar que são verdadeiramente cristãos, e portanto, parte de nossa luta”.70 Que comunidade cristã pode emergir de um discurso assim?

A teologia negra parece se comportar como uma política identitária. Mark Lilla define tais políticas como estreitas e exclusivistas, uma dispensação política não fundamentada em princípios ou argumentos, mas a sentimentos e percepções que dão aos argumentos uma força psicológica.71 Essas características são perceptíveis, por exemplo, no manifesto do coletivo feminista negro Combahee River,72 de 1977:

Percebemos que as únicas pessoas que se importam o suficiente conosco para trabalhar consistentemente por nossa libertação somos nós. Nossa política deriva de um amor saudável por nós mesmas, nossas irmãs e nossa comunidade, que nos permite continuar nossa luta e trabalho. Essa ênfase em nossa própria opressão está incorporada no conceito de política identitária. Ao invés de trabalharmos para acabar com a opressão de outras pessoas, acreditamos que a política mais profunda e potencialmente radical vem diretamente de nossa própria identidade.73

Assim, as políticas identitárias apostam que os oprimidos terão consciência de sua condição e lutarão como protagonistas de sua própria libertação, o que cria a identidade de grupo. A teologia negra de Cone é, portanto, uma teologia identitária, que nega, inclusive, propostas de reconciliação entre negros e brancos que não sejam as suas: “Ser livre na América significa […] rejeitar as propostas brancas de paz e reconciliação”.74 Os negros devem deixar claro para os brancos “que não seremos distraídos de nossa libertação com sua conversa obscena sobre ‘amor’ e ‘perdão’”.75

Aqui é preciso admitir que a intransigência de Cone representa apenas um setor da teologia negra, enquanto autores como Major Jones76 e Deotis Roberts77 representam a linha mais aberta à reconciliação racial.78 Para Cone, a reconciliação só seria possível após a libertação do povo negro.79

Cone exige que até os brancos que apoiam a causa dos negros fiquem em silêncio, e percam a sua identidade branca:

[Os teólogos revolucionários brancos] já deveriam saber que, em vista da brutalidade dos brancos contra os negros e da participação da Igreja nela, nenhuma pessoa branca que seja meio sensível à autodeterminação negra deveria ter a audácia de falar pelos negros. Esse é o problema! Muitos brancos pensam que sabem o que sentimos por eles. Se os brancos fossem realmente sérios sobre seu radicalismo em relação à revolução negra e suas implicações teológicas na América, eles ficariam calados e receberiam instruções dos negros. Só os negros podem falar de Deus em relação à sua libertação. E aqueles que desejam se juntar a nós nesta obra divina devem estar dispostos a perder sua identidade branca – na verdade, destruí-la.80

Como isso poderia funcionar à luz da teologia do Novo Testamento? Como isso pode se alinhar ao que Paulo afirma em Gálatas 3:28 (“Não há judeu nem grego; não há escravo nem livre; não há homem nem mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus”)? Como isso pode estar em harmonia com o mistério da união entre judeus e gentios revelado pelo Espírito Santo (Efésios 3:3-7)?

Ao contrário desse posicionamento, em seu mais famoso discurso (I have a dream, 1963), Martin Luther King afirmou que sonhava com o dia em que suas crianças viveriam em uma nação onde elas não seriam “julgadas pela cor da sua pele, mas pelo conteúdo do seu caráter”. Apesar de não negar a importância da diferença (King tinha orgulho de ser negro), ele ansiava por esse dia em que a cor não teria mais tanta importância.

Como alerta Mark Lilla, o problema do pensamento identitário, é que grupos de brancos supremacistas podem desenvolver o mesmo raciocínio identitário de grupo, sentir-se oprimidos, e buscar legitimação para suas ações em busca de libertação (a Ku Klux Klan pode ser definida como um grupo identitário).81 Esse é o perigo de buscar a fragmentação em vez da integração onde “pessoas de vários grupos diferentes se reconheçam e sintam que o programa político é para elas também”, como alerta Mark Lilla.82

As teologias identitárias, como versões teológicas das políticas identitárias seculares, transferem para o ambiente da igreja o mesmo problema que Lilla identificou na política americana: “essa política enxerga o país apenas como uma série de tribos”.83 A igreja não pode adotar essa visão sem negar o que a Escritura afirma sobre a unidade do corpo de Cristo. A Bíblia não descreve a igreja dessa forma fragmentada, e o Novo Testamento registra as dificuldades que esse tipo de pensamento etnocêntrico trouxe à igreja do primeiro século.

Numa perspectiva adventista, a reconciliação racial é possível, pois o evangelho é uma “palavra que ultrapassa as barreiras raciais e sociais (Rm 1:16; G1 3:28) e que jamais se torna obsoleta (Jd 3)”.84 Ao chamar as igrejas da Galácia, no território gentio, de “Israel de Deus” (G1 6:16), Paulo revela que o “povo da nova aliança não se caracteriza mais pelas obrigações raciais e nacionais, mas exclusivamente pela fé em Cristo. Foi a esse povo que Pedro chamou de Israel espiritual, ‘nação santa’”.85

As doutrinas da criação e da redenção impedem que alguém se sinta superior aos outros: “Deus não reconhece distinção alguma de nacionalidade, raça ou casta. É o Criador de todo homem. Todos os homens são de uma família pela criação, e todos são um pela redenção”.86 Em seu relacionamento com os negros, os brancos deveriam se lembrar que entre eles há uma “relação comum […] pela criação e redenção […]”.87

A doutrina da redenção rejeita veementemente qualquer atitude no sentido de que, perante Deus, haja diferença de status entre baseado em questões étnicas (na época, judeus e gentios). Judeus e gentios batizados são todos um em Cristo, “todos […] filhos de Deus mediante a fé” em Cristo Jesus. Desse modo, “não pode haver judeu nem grego” em Cristo (G13:26-28).

Através do evangelho, “os cristãos receberam ‘cidadania em Israel’ e se alegram na mesma esperança que Israel (Ef 2:12, 13, NVI)”. A visão bíblica é inegavelmente reconciliadora (Ef 2:16-20).88 Pela cruz, Jesus reconciliou judeus e gentios com Deus, e destruiu a barreira entre judeus e gentios.

Além disso, a escatologia adventista prevê juízo sobre quem degrada seres humanos:

Cristo morreu por toda a família humana, sejam brancos ou negros. Deus fez o homem como agente moral livre, quer brancos quer negros. […] A raça negra é propriedade divina. O Criador tão-somente é seu Senhor; e aqueles que se atrevem a acorrentar o corpo e o intelecto do escravo, para mantê-lo em degradação como os animais, sofrerão retribuição.89

Divisões baseadas em critérios étnicos ou raciais são inadmissíveis na igreja, pois “Deus não faz acepção de pessoas” (At 10:34). Jesus fundou uma religião na qual “negros e brancos, livres e escravos, estão ligados numa irmandade comum, reconhecidos como iguais aos olhos de Deus”.90 Não há distinção: “O nome do negro está escrito no livro da vida, junto do nome do branco. […] O nascimento, a posição, nacionalidade ou cor não podem elevar nem degradar os homens”.91

O valor do caráter está acima da identidade racial: “A religião da Bíblia não reconhece casta ou cor. […] Deus avalia os homens como homens. Para Ele, o caráter decide o seu valor”.92 A separação racial entre negros e brancos acabará “quando os cristãos obedecerem à palavra de Deus”, pois “o preconceito é dissipado pelo amor de Deus”.93

4. O pecado e a teologia negra

Para Cone, o pecado é um conceito que só faz sentido dentro da comunidade que o define: “o que o pecado significa para os negros? Novamente, devemos ser lembrados de que o pecado é um conceito comunitário, e isso significa que apenas os negros podem falar sobre seus pecados”.94 Por isso, a definição de pecado de Cone, em vez de bíblica, é estritamente relacionada ao ativismo negro:

[…] não pode haver conhecimento da condição pecaminosa, exceto no movimento de uma comunidade oprimida reivindicando sua liberdade. Isso significa que os brancos, apesar de sua religiosidade autoproclamada, são incapazes de fazer julgamentos válidos sobre o caráter do pecado”.95

Por causa da diferença entre negros e brancos, o conceito de pecado é diferente para cada comunidade:

Visto que brancos e negros não compartilham uma identidade comum, os brancos não podem saber o que é pecado de uma perspectiva negra. A teologia negra não nega que todas as pessoas são pecadoras. O que nega são as observações dos brancos sobre o pecado dos negros. Apenas os negros podem falar sobre o pecado em uma perspectiva negra e aplicá-lo a pessoas negras e brancas. A visão branca da realidade é muito distorcida e torna os brancos incapazes de falar com os oprimidos sobre suas deficiências.96

Essa é uma questão patentemente problemática, pois diferentes grupos identitários poderiam definir pecado de maneiras contraditórias (a Ku Klux Klan e o Cristianismo Positivo nazista estariam plenamente justificados em definir pecado de acordo com sua experiência comunitária). Ao contrário disso, na visão adventista, em vez de ser um conceito comunitário, o pecado é biblicamente definido.97 A universalidade do pecado, atingindo igualmente todas as etnias, é claramente exposta nas Escrituras:

“À tua vista não há justo nenhum vivente” (Sl 143:2; cf. 14:3). “Pois não há homem que não peque” (1Rs 8:46). Salomão acrescentou: “Quem pode dizer: Purifiquei o meu coração, limpo estou do meu pecado?” (Pv 20:9). “Não há homem justo sobre a terra que faça o bem e que não peque” (Ec 7:20). O Novo Testamento é igualmente claro ao declarar que “todos pecaram e carecem da glória de Deus” (Rm 3:23) e que “se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos, e a verdade não está em nós” (1Jo 1:8).98

Como afirma a crença fundamental da IASD sobre a natureza da humanidade: “[s]eus descendentes [negros e brancos] partilham dessa natureza caída e de suas consequências. Nascem com fraquezas e tendências para o mal”.99 Todos são igualmente “por natureza, filhos da ira” (Ef 2:3; cf. 5:6), e negros e brancos estão igualmente sujeitos à morte, pois “o salário do pecado é a morte” (Rm 6:23).

Igualar negros e brancos na Criação e separá-los na Queda não faz justiça ao conteúdo bíblico (Gn 1:26-28; 2:7, 15; 3). Negros e brancos, homens e mulheres são igualmente pecadores e em condição de decadência moral. Uma das consequências do pecado é que ele “envenenou a relação entre os membros da comunidade humana”.100

O preconceito racial, o ódio e discriminação com base em nacionalidade e etnia são “resultado do pecado (Dt 15:7, 8; 25:13-15; Is 32:6 e 7; Mq 2:1 e 2; Tg 5:1-6)”.101 A escravidão dos negros é um “amaldiçoado pecado” e “pecado da mais tétrica espécie”.102 Assim como a escravidão, o racismo é uma manifestação pecaminosa de “preconceitos” e “atributos satânicos”.103

A doutrina bíblica da Queda enfatiza o orgulho, e a desobediência, que colocam o eu em primeiro lugar. Por outro lado, a doutrina da salvação – a reversão da Queda – leva o ser humano a considerar a obediência a Deus e o serviço abnegado pelo próximo objetivo principal de sua ação (Jo 14:15; 1Co 13). Pecado “é a transgressão da Lei” (1Jo 3:4 NVI), e a nova vida cristã caracteriza-se pela obediência a Deus: “[s]e me amais, guardareis os meus mandamentos” (Jo 14:15), porque o amor tem prazer em obedecer (Dt 6:4-6; 30:16; Sl 40:8; G1 5:14; 1Jo 5:3). Essas definições bíblicas valem para todos, e não são restritas ou alteradas pela etnia.

5. Questões éticas e morais e a teologia negra

Por causa da visão de pecado de Cone como um conceito comunitário, a moralidade das ações não é avaliada por padrões morais objetivos externos, mas, de maneira pragmática, pelo compromisso com a comunidade negra:

O contexto revolucionário força a teologia negra a evitar todos os princípios abstratos que lidam com o que é o curso de ação ‘certo’ e ‘errado’. Há apenas um princípio que orienta o pensamento e a ação da teologia negra: um compromisso irrestrito com a comunidade negra.104

Esse compromisso com a comunidade negra é inegociável, incondicional, e nem mesmo Deus escapa dele: “Se Deus não é por nós, se Deus não é contra os racistas brancos, então Deus é um assassino, e é melhor matarmos Deus. A tarefa da teologia negra é matar deuses que não pertencem à comunidade negra”.105

Até mesmo o amor aos inimigos, tema central na mensagem de Jesus (Mt 5:39-42; Lc 6:27-49), é relativizado e rejeitado. De acordo com a teologia negra, o pecado dos oprimidos “é tentar ‘entender’ os escravizadores, ‘amá-los’ em seus próprios termos. Como os oprimidos agora reconhecem sua situação à luz da revelação de Deus, eles sabem que deveriam ter matado seus opressores em vez de tentar ‘amá-los’”.106

Princípios como “dar a outra face” e “andar a segunda milha”, ensinados por Jesus (Mt 5:38-42), são descritos como “amor branco”, e a condicionalidade do amor na concepção de Cone é imposta a Deus, de maneira que, se Deus não estiver ajustado à definição de amor de Cone, ele precisa ser rejeitado:

Tivemos muito do amor branco, o amor que diz aos negros para darem a outra face e andarem a segunda milha. O que precisamos é do amor divino expresso no black power, que é o poder dos negros para destruir seus opressores, aqui e agora, por qualquer meio à sua disposição. A menos que Deus esteja participando dessa atividade santa [holy activity], devemos rejeitar o amor de Deus.107

A comunidade negra deve definir sua própria maneira de se comportar no mundo, sem se importar com as consequências para a sociedade branca. Isso inclui o uso da violência: “Atingimos nosso limite de tolerância, e se isso significar morte com dignidade ou vida com humilhação, escolheremos a primeira. E se essa for a escolha, vamos levar alguns honkies [honky é um insulto étnico dirigido aos brancos] conosco”.108 Diante dos pedidos de cautela feitos pelos brancos, Cone afirma que “procuraremos intensificar nossa hostilidade manifestando-a plenamente”.109

Quando Cone defende o uso de qualquer meio à disposição, ele não está usando uma metáfora, mas está sendo bem explícito: “A experiência negra é a sensação que se tem ao atacar o inimigo da humanidade negra jogando um coquetel molotov em um prédio de propriedade de brancos e vê-lo pegar fogo. Sabemos, é claro, que se livrar do mal exige algo mais do que incendiar prédios, mas é preciso começar de algum lugar”.110

Em suas propostas de ação, a teologia negra de James Cone está mais próxima do espírito de Nat Turner111 do que de Martin Luther King Jr. O movimento Black Power defendia a emancipação do povo negro por qualquer meio necessário, e isso incluía a violência revolucionária. Segundo Cone, o Black Power inaugurou uma era de “rebelião e revolução”.112 Cone reconhece a diferença entre a estratégia do Black Power e a estratégia não violenta de Martin Luther King: “King talvez não aprovasse o conceito de Black Power”.113

Cone diz que interpretar o “amor cristão como sendo não violento” é coisa da teologia branca, e que isso seria “uma influência corruptora do pensamento dos brancos”.114 Aparentemente, Cone crê que o amor é condicional, e não está totalmente alinhado com o texto bíblico:

Não retribuam a ninguém mal por mal. Procurem fazer o que é correto aos olhos de todos. Façam todo o possível para viver em paz com todos. Amados, nunca procurem vingar-se, mas deixem com Deus a ira, pois está escrito: “Minha é a vingança; eu retribuirei”, diz o Senhor. Pelo contrário: “Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber. Fazendo isso, você amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele”. Não se deixem vencer pelo mal, mas vençam o mal com o bem (Rm 12:17-21).

Em nome da honestidade, é preciso admitir que o contexto histórico de segregação e linchamentos pode explicar algumas declarações ácidas de Cone no livro A Black Theology of Liberation (publicado pela primeira vez em 1970). Ele usa a retórica característica do movimento black power. É uma “teologia da sobrevivência” que usa uma “linguagem passional”.115 Posteriormente, Cone parece ter suavizado sua retórica explosiva.116 Ele escreveu, em 1984, que “amar o nosso povo não significa odiar os brancos”117 e que “a liberdade só virá através da construção de uma sociedade que respeite a humanidade de todos, incluindo os brancos. A fé cristã o exige e a decência humana o exige”.118

No entanto, em 1984 ainda há resquícios da antiga retórica inflamada de 1970:

As igrejas negras deixam a maior parte do treinamento de seus ministros para seminários brancos […] que triste, porque [isso] é uma indicação de apostasia. As igrejas negras assumiram a responsabilidade que Deus deu a elas e a entregaram aos inimigos do evangelho.119

Podemos identificar facilmente muitas das forças externas que nos oprimem – racismo, capitalismo corporativo, brutalidade policial, leis injustas, prisões, drogas e assim por diante. A lista poderia continuar indefinidamente, e é por isso que é conveniente resumi-los todos em uma palavra – brancos!120

Cone chama de “cristianismo branco” a religião dos racistas segregacionistas e donos de escravos, e o “cristianismo negro” seria a religião dos negros e dos que lutam pela liberdade dos negros. Baseado nessa generalização, ele faz uma séria acusação aos cristãos brancos:

O endosso flagrante do cristianismo conservador branco ao linchamento como parte de sua religião e o silêncio dos cristãos liberais brancos sobre o linchamento os colocaram fora da identidade cristã. Não consegui encontrar um sermão ou ensaio teológico, para não mencionar um livro, opondo-se ao linchamento por um proeminente pregador branco liberal”.121

Cone chama a atenção para o fato inegável de que houve apoio de setores cristãos à escravidão e aos linchamentos, uma página vergonhosa na história do cristianismo. Entretanto, a acusação de Cone parece ser uma generalização historicamente injusta, porque mesmo a Southern Baptist Convention, convenção batista do sul dos EUA que defendia o direito de possuir escravos,122 várias vezes condenou oficialmente o linchamento entre 1906 e 1941.123 Ou seja, até mesmo setores do “cristianismo branco” condenaram os linchamentos, para não mencionar aqui os cristãos brancos que lutaram abertamente contra a segregação racial e as diversas denominações protestantes e evangélicas abolicionistas e ativamente envolvidas na reconstrução pós-abolição e no Movimento pelos Direitos Civis.

É uma questionável generalização a afirmação de Cone de que “não existe qualquer indício anterior ou posterior à Guerra civil de que esta sociedade [uma referência aos brancos dos EUA] tenha reconhecido a humanidade das pessoas negras”.124 Bastaria citar aqui, como exemplo, a postura dos quakers, pioneiros na denúncia da escravidão como pecado, reafirmando a igualdade essencial dos seres humanos, e reiterando que os negros são imagem e semelhança de Deus. O quakerismo é considerado “a principal fonte do abolicionismo na Inglaterra e nos Estados Unidos”.125 Após afirmar de maneira genérica que a teologia estadunidense permaneceu em silêncio e ignorou a condição das vítimas da sociedade racista, Cone conclui: “a teologia estadunidense é racista”.126 Essa afirmação não reflete a realidade histórica, pois houve embates teológicos e denominações inteiras se dividiram exatamente por causa desse tema. De quem especificamente Cone está falando? O livro não diz.

É preciso refletir, mesmo correndo o risco da descontextualização e má compreensão, se as declarações de Cone a respeito dos brancos estão alinhadas ao evangelho, e quais dessas afirmativas poderiam ser consideradas biblicamente corretas. E por que as declarações de Cone, que recebem crescente atenção hoje, não poderiam levar a uma forma de etnocentrismo?

Numa perspectiva adventista, as declarações de Cone podem ter efeitos indesejados. Em recente declaração oficial,127 a IASD declara manter a “fidelidade aos princípios bíblicos de igualdade e dignidade de todos os seres humanos diante das tentativas históricas e contínuas de usar cor da pele, lugar de origem, casta ou linhagem percebida como um pretexto para um comportamento opressivo e dominador”, e deplora “toda agressão e preconceito como uma ofensa a Deus”. A teologia negra de Cone, pelo menos retoricamente, falha em defender a verdade bíblica sobre a igualdade de todas as pessoas.

A declaração da IASD lamenta que “alguns crentes absorveram ideias pecaminosas e desumanizantes sobre a valorização racial, tribal, de casta e étnica que levaram a práticas que prejudicam e ferem a família humana”.128 Certamente, essa declaração é aplicável tanto a supremacistas brancos quanto às retóricas explosivas como a de Cone.

6. A doutrina da salvação e a teologia negra

Comprometido com a definição comunitária de pecado, Cone critica a noção de que a salvação é “um ato objetivo de Cristo no qual Deus ‘lava’ nossos pecados a fim de nos preparar para uma nova vida no céu”.129 Para ele, a salvação “tem a ver principalmente com a realidade terrena e a injustiça infligida aos desamparados e pobres”.130 Essa ênfase na imanência, na vida terrena e nas transformações históricas são características das teologias da libertação.

Cone rejeita as principais teorias cristãs da expiação, inclusive a substituição penal: “Eu concordo com feministas e mulheristas [womanist] que rejeitam as teorias da expiação – resgate, satisfação, influência moral, substituição penal, etc. – como refletindo o Deus do patriarcado, os valores do grupo dominante”.131

Concordando com a crítica da womanist theology (teologia mulherista) à doutrina da expiação, e à cruz como instrumento de salvação, Cone escreveu:

Rejeitando o ensino das igrejas negras e brancas de que a morte de Jesus na cruz nos salvou do pecado e que nós também somos chamados a sofrer como ele sofreu, alguns estudiosos negros, especialmente mulheres, rejeitam qualquer celebração da cruz de Jesus como um meio de salvação. A crítica delas é uma crítica justa e poderosa da má religião e teologia, que deve ser considerada para não fazer do sofrimento um bem em si.132

Que ele concorda com a rejeição da compreensão clássica da doutrina da expiação pela cruz fica claro na seguinte declaração:

Aceito a rejeição de Delores Williams das teorias de expiação encontradas na tradição teológica ocidental e na proclamação acrítica da cruz em muitas igrejas negras. Não encontro nada redentor no sofrimento em si. O evangelho de Jesus não é um conceito racional a ser explicado em uma teoria da salvação, mas uma história sobre a presença de Deus na solidariedade de Jesus com os oprimidos, o que o levou à morte na cruz.133

É preciso deixar esse ponto bem estabelecido aqui: Cone concorda com teólogas feministas e mulheristas que “rejeitam a ideia bíblica de que Jesus deu sua vida como resgate por muitos (Mc 10:45) ou que a salvação de Deus foi realizada em e através da morte do Filho”.134 Ele classifica como “crítica poderosa e persuasiva”135 a posição teológica feminista de ver a redenção como “abuso infantil divino – o Pai desejando a morte do Filho”,136 e a afirmação de que não há “nada salvífico na morte de Jesus e […] a cruz deve ser totalmente rejeitada como um símbolo de salvação”.137 Cone cita essa crítica, e assina embaixo, dizendo que “há muita verdade nela”.138

De acordo com a teologia negra, a cruz foi apenas uma consequência da solidariedade de Jesus com os oprimidos. Por isso, Ronilso Pacheco, teólogo brasileiro, escreve que Jesus foi quase voluntariamente à cruz, e que ver o sacrifício de Jesus como algo necessário é fruto de má compreensão:

Uma contribuição importante da chamada Teologia Negra nos Estados Unidos foi denunciar o lugar central que a crucificação de Jesus tinha para o cristianismo. Neste lugar central, a cruz sempre teve um papel de relevância como um símbolo de sacrifício máximo, ao qual Jesus se submete (quase) voluntariamente. A compreensão equivocada da narrativa do “esvaziamento” de Jesus contida em Filipenses 2, transformou a crucificação em um auge do ministério de Jesus. O sacrifício foi necessário, e, como tal, perde a força de sentido como um instrumento de tortura e morte usado pelo poder, pelo Império, pelo estado, pelas autoridades, políticas, militares e religiosas para punir, constranger, eliminar, intimidar, executar e (consequentemente) fazer sangrar sujeitos considerados “ameaças”, corpos e presenças que eram um risco para a “ordem social”.139

Ao alterar – ou rejeitar – o significado soteriológico da obra salvadora voluntária de Jesus na cruz, Cone rejeita a doutrina que os próprios cristãos negros historicamente defenderam, como fica evidente nas letras dos hinos e negro spirituals mais famosos.140 A igreja negra abraçou a doutrina da substituição, e isso os ajudou a suportar e superar o sofrimento. O próprio Cone admite isso, ao afirmar que às vezes a mensagem da cruz pode sim ter um efeito positivo, e que as “evidências são ambíguas e complicadas”.141

O medo da teologia mulherista, e também de Cone, é que a doutrina da expiação substitutiva faça as pessoas verem algum valor salvífico no sofrimento, e assim elas vejam valor salvífico no próprio sofrimento causado pela injustiça racial. Ou seja, a cruz seria um indesejado símbolo que perpetua o ciclo da violência, dando ao sofrimento um valor redentor. Esse temor é justificado, mas leva a teologia mulherista e Cone a rejeitarem uma doutrina bíblica essencial.

À luz da Bíblia, o sofrimento e morte que têm valor salvífico é o de Jesus, não o dos negros. O sofrimento dos seguidores de Jesus que a Bíblia prevê, e nos encoraja a suportar, é o sofrimento por causa da fé/fidelidade, não pela cor da pele. Todo discípulo de Jesus, independentemente de sua etnicidade, deve esperar sofrer perseguições por causa de sua fé/fidelidade (2Tm 3:12).

Quando avaliada em seu contexto canônico abrangente, a doutrina da expiação enfatiza o caráter único e “de uma vez por todas” (Hb 9:12, 26-28; 10:12-14) da obra expiatória de Cristo, o que torna desnecessário qualquer sofrimento humano expiatório. Ele sofreu e morreu de maneira substitutiva, para cumprir o desígnio divino anunciado pelos profetas: “ele foi traspassado pelas nossas transgressões e moído pelas nossas iniqüidades; o castigo que nos traz a paz estava sobre ele, e pelas suas pisaduras fomos sarados” (Is 53:5). Era “o Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo” (Ap 13:8).

Além disso, a obra expiatória de Jesus na cruz não é apresentada biblicamente como a hostilidade de Deus, o Pai, contra um Filho vulnerável, mas como a doação do Pai no Filho, através do poder do Espírito Santo. Jesus se ofereceu, voluntariamente, não foi uma vítima indefesa. Ele “se entregou a si mesmo pelos nossos pecados, para nos desarraigar deste mundo perverso” (Gl 1:4). Disse: “eu dou a minha vida para a reassumir. Ninguém a tira de mim; pelo contrário, eu espontaneamente a dou” (Jo 10:17-18). Ele “a si mesmo se entregou por mim” (Gl 2:20), “se entregou a si mesmo por nós” (Ef 5:2), “a si mesmo se entregou por ela [a igreja]” (Ef 5:25).

O problema da interpretação de Cone da cruz é que ela é uma distorção grotesca da doutrina bíblica da expiação. Se a doutrina da expiação foi usada para manter negros debaixo do sofrimento, a solução não deve ser a negação da doutrina, mas o resgate dela à luz da Bíblia. Ademais, a denúncia não parece estar correta, pois, pelo menos no discurso de amplos setores evangélicos, o sofrimento de Jesus é frequentemente apresentado como substitutivo (como no lema neopentecostal “Pare de sofrer”142): Jesus sofreu para que os cristãos não tenham que sofrer.

O discurso da teologia negra (e da teologia feminista e mulherista) “assume, a priori, que as imagens da cruz como expiação […] contribuem para a crescente violência e abuso em nossa sociedade […]”.143 Porém, assumir que isso seja verdade sem considerar o que a própria Bíblia afirma sobre os temas do sacrifício expiatório, da violência e do abuso de vulneráveis é uma falha metodológica. Apenas caricaturas da teologia da expiação podem contribuir para o abuso e a violência. Se esse for o caso, trata-se de um uso indevido do texto bíblico, e a solução não é negar o texto e a doutrina, mas recuperar o ensino bíblico e proteger a doutrina contra esse uso indevido.

7. A ideologia política e a teologia negra

A teologia negra de Cone é uma teologia política: “não pode haver uma teologia cristã que não seja social e política”.144 A luta política “contra a pobreza e a injustiça não só é coerente com o evangelho, mas é o próprio evangelho de Jesus Cristo”.145

Cone apresenta o movimento Black Power como uma revelação divina: “[…] a política do black power era o evangelho de Jesus para a América do século XX”.146 Cone alertou para a necessidade de desenvolver uma teologia negra capaz de “justificar nossa definição de Black Power como uma expressão do evangelho cristão”.147 Para ele, o conceito de verdade só pode ser conhecido no contexto da luta política: “Não há verdade sobre Yahweh a menos que seja a verdade da liberdade conforme esse evento é revelado na luta do povo oprimido por justiça neste mundo”.148

Ou seja, o conhecimento de Deus só pode existir na luta política: “Não há conhecimento de Yahweh exceto por meio da atividade política de Deus em nome dos fracos e desamparados da terra”.149 A revelação divina é um evento político: “A revelação é um acontecimento negro, quer dizer, aquilo que o povo negro está fazendo por sua libertação”.150 Para Cone, a teologia deve falar sobre a libertação política, pois isso é o evangelho: “[…] a essência do evangelho é a libertação dos oprimidos da humilhação sociopolítica para uma nova liberdade em Cristo Jesus (e não vejo como alguém pode ler as Escrituras e concluir o contrário) […]”.151

Esses elementos definitivamente mostram que a teologia negra é uma teologia política, e que “a teologia é uma linguagem política”.152 Além de dizer que a essência do evangelho é a libertação política, Cone recorre extensa e explicitamente aos escritos de Karl Marx para embasar seus conceitos.153 Ele defende a necessidade de incluir a “análise social marxista” na compreensão cristã da injustiça e até nas doutrinas:

O marxismo como um método de análise social pode servir como um instrumento para descobrir o que os governantes tentam esconder. […] Os cristãos precisam aplicar o método de análise de Marx não apenas às doutrinas e práticas de suas igrejas, mas também e especialmente aos pronunciamentos e práticas públicas de seu governo.154

Cone acrescenta: “A importância de Marx para nossos propósitos é sua insistência em que o pensamento não tem independência da existência social”.155 O que Cone (através de Marx) está afirmando é que a teologia é condicionada pela sua localização social; e não é possível uma teologia objetiva. Em vez disso, “[nossas] ideias sobre Deus são reflexos do condicionamento social”.156

Como Cone vê a teologia como um produto social, um “discurso subjetivo sobre Deus”,157 ele fica à vontade para propor – antes do labor teológico – uma leitura marxista da realidade, com todas as suas categorias de análise, incluindo a “prática revolucionária da classe proletária, derrubando as condições sociais injustas”.158

Cecil Cone, irmão de James Cone, tentou reverter essa visão e apresentar a teologia negra como teologia religiosa, em vez de uma teologia política, afirmando que “o ponto de partida da religião negra não é, pois, a política, e sim Deus”.159 No entanto, a declaração sobre a teologia feita pela Commission of the National Conference of Black Churchmen em 1976 apresenta a teologia negra não apenas como uma teologia política, mas como teologia política socialista:

Como algumas formas de socialismo, em termos de humanismo e de cooperação, são mais cristãs e promovem mais a justiça e a moralidade que o capitalismo americano, a teologia negra não abre mão da exploração de alternativas socialistas para a idolatria do dólar, para o individualismo caótico e para o materialismo corrosivo da economia e do sistema político americano” [Statement by the Theological Commission of the National Conference of Black Churchmen, 1976].160

Pessoalmente, Cone defendeu uma aproximação entre as igrejas negras e o marxismo em 1980,161 e o movimento Black Power e o partido dos Panteras Negras também assumiram o marxismo como ideologia-base para sua atuação.162 Cone chega a fazer um apelo: “Um encontro sério com Marx fará os teólogos confessarem suas limitações, sua incapacidade de dizer algo sobre Deus que não seja ao mesmo tempo uma declaração sobre o contexto social de sua própria existência”.163

Cone diz que o guerrilheiro e ex-sacerdote colombiano Camilo Torres “estava certo quando descreveu a ação revolucionária como ‘uma luta cristã, sacerdotal’”.164 Camilo Torres, que morreu empunhando uma arma, embora não fosse exatamente um marxista, também via no marxismo “uma ferramenta útil para as suas ideias”.165

A visão pragmática foi essencial para o surgimento da teologia negra como uma teologia política. “A questão central que deu origem à teologia negra foi: ‘O que o evangelho de Jesus tem a ver com a luta dos negros oprimidos por justiça na sociedade americana?’”166 Cone faz uma pergunta: “De que adianta um ponto teológico se não for útil na luta dos negros pela liberdade?”167 Assim, para a Cone, a teologia branca não passa de “um exercício burguês de masturbação intelectual”.168

Aqui surge um problema, pois a pergunta pragmática “para que serve essa teologia?” talvez seja útil em algumas reflexões missiológicas, mas ela não pode ser o guia seguro da teologia. A pergunta da teologia não é “para que serve isso?”, mas “isso é verdade?” Nas palavras do diabo de C. S. Lewis:

Ele [o homem que o diabo aprendiz deveria tentar] não classifica as doutrinas essencialmente em “verdadeiras” ou “falsas”, mas como “acadêmicas” ou “práticas”; “ultrapassadas” ou “contemporâneas”; “convencionais” ou “opressoras”. É o jargão, e não o argumento, o seu maior aliado para mantê-lo longe da Igreja.169

‘Acredite nisso não porque seja verdade, mas por alguma outra razão’. Esse é o jogo.170

O pragmatismo (“para que serve essa teologia?”) acima da fidelidade às Escrituras leva à inversão na escala da autoridade, a Bíblia se torna um mero instrumento – e a instrumentalização das Escrituras para fins políticos era exatamente o que a teologia negra pretendia denunciar na teologia branca.

O pragmatismo afeta o conceito que Cone tem da verdade. Citando Marx, Cone afirma que a verdade “não é uma questão de teoria, mas uma questão prática”.171 Em vez de um conceito ou uma ideia, a verdade “é um acontecimento libertador”.172 Por isso, ele elogia Marx por destacar “o papel da economia e da política na definição da verdade”.173

Em poucas palavras, para Cone, não basta a teologia ser política: ela precisa ser de esquerda, com viés marxista.174 Isso fica muito nítido em seus livros, e também em detalhes como o fato de Paulo Freire175 ter escrito o prefácio de Teologia negra, e Henrique Vieira, pastor batista e militante do PSOL, ter feito a apresentação da versão em português de Deus dos oprimidos.

Uma questão incontornável surge então: se a teologia negra é definida como a “teologia feita pelo povo negro para o povo negro”,176 como define Ronilso Pacheco, então o povo negro deve ser marxista em sua análise? O que cristãos negros não-marxistas deveriam pensar e fazer a respeito disso?

Outra questão pertinente é: se não existe verdade objetiva (Cone chama isso de “suposição ingênua” e “ridícula”177), e a suposta verdade teológica é sempre subjetiva e determinada pelo contexto social, como é possível explicar a histórica existência de comunhão entre cristãos pobres e ricos, negros e brancos em torno de crenças comuns? Ou essa comunhão é falsa? Como explicar a semelhança doutrinária entre denominações e grupos cristãos surgidos de realidades socialmente tão distintas?

Como a leitura marxista proposta por Cone poderia explicar o fato de que, em muitos momentos da história, a defesa cristã da ortodoxia teológica (supostamente o discurso de uma classe dominante) representou perda de prestígio social, marginalização e até risco de morrer? Se nossas “ideias sobre Deus são o reflexo do condicionamento social”,178 essas ideias deveriam se organizar socialmente: cristãos ricos e cristãos pobres jamais poderiam compartilhar as mesmas crenças.179 Como explicar que um quaker rico do século XIX compartilhava as mesmas ideias sobre Deus com uma ex-escrava como Sojourner Truth? Como pessoas influentes e cheias de prestígio social como os membros da Seita de Clapham poderiam ter basicamente as mesmas ideias sobre Deus que Olaudah Equiano? A realidade da história do cristianismo simplesmente ignora essa distinção teórica marxista.

E como explicar o fato de que pessoas de uma mesma condição social mantêm ideias distintas sobre Deus? É muito óbvio que pobres mantém crenças teológicas distintas entre si (e ricos também), e atribuir isso a algum tipo de condicionamento ou doutrinação burguesa é subestimar demais a capacidade cognitiva de seres humanos. Me parece que a leitura marxista sobre a “força intelectual dominante” não dá conta de explicar a complexidade do fenômeno.

Ao se lembrar de alguns teólogos brancos abolicionistas, Cone percebe essa dificuldade, e admite timidamente que “a existência social não é algo necessariamente mecânico e determinista”, pois “o evangelho concede às pessoas a liberdade de transcender sua história cultural e afirmar uma dimensão de universalidade comum a todos os povos”.180 Afinal, a verdade é subjetiva e socialmente condicionada? Ou ela é objetiva e universal?

Considerações finais

Não podemos ser insensíveis às experiências e memórias dramáticas que moldaram a retórica e a teologia de Cone. O terror racial e o histórico de linchamentos e humilhações sofridos pelos negros nos EUA não podem ser deixados de fora de nossas abordagens teológicas à questão racial. Ainda existem teologias que servem à ideologia de supremacia branca, e estas devem ser continuamente denunciadas e combatidas, pois distorcem a Palavra de Deus em seus fundamentos.

Cone está totalmente correto ao afirmar que “[a] essência do evangelho em Cristo permanece ou recai na questão da humanidade negra e, não existem formas de uma igreja ou instituição estar relacionada ao evangelho de Cristo e se apoiar ou tolerar qualquer forma de racismo”.181

A teologia negra, de maneira tocante, coloca um holofote sobre o vínculo histórico entre os negros e a fé em Jesus. Os negros escravizados, e seus descendentes, encontraram em Jesus “um amigo que conhece os problemas dos pequeninos e é a razão do ‘Aleluia’ deles”.182 Como Cone aponta corretamente, a cruz está no centro da histórica espiritualidade cristã negra pois também revela a solidariedade de Jesus com os negros em seu sofrimento.183

A teologia negra também contribui positivamente ao trazer para o ambiente eclesiástico a urgente discussão sobre o racismo.184 Os recentes apelos por uma igreja que se levante mais abertamente contra o racismo são necessários, mas eles precisam ser feitos a partir de uma plataforma que não negue a autoridade das Escrituras. E é nesse ponto que, numa perspectiva adventista, a teologia negra apresenta características que merecem uma avaliação mais ponderada: a experiência negra não pode substituir a Bíblia como fundamento.

Dada a natureza deste artigo, certamente não é possível fazer aqui uma avaliação exaustiva de todo o corpus teológico de Cone (a escatologia, por exemplo, ficou de fora). Mas as citações utilizadas, que saltaram aos olhos em leituras prévias, parecem ser representativas da teologia negra. A obra de Cone contém muitas ideias úteis na luta contra o racismo, mas pode representar um afastamento do ensino bíblico em alguns pontos.

Para não cair no erro do anacronismo, a avaliação feita aqui procurou levar em conta o contexto histórico de cada declaração. Além disso, no prefácio da edição de 1997 de God of the Oppressed, Cone reafirmou o que havia escrito nos anos 70: “Exceto pela incorporação de uma linguagem inclusiva, pouco mudou nesta edição [de 1997] de God of the Oppressed. Ainda representa minha perspectiva teológica básica […]”.185

Em poucas palavras, embora sua teologia tenha sido desenvolvida em fases, Cone não apresentou nenhuma drástica ruptura com suas visões teológicas iniciais. Ele apenas reafirmou e explicou melhor suas antigas convicções teológicas básicas numa retórica mais suave. Aparentemente, ele manteve o que escreveu em 1970, em A Black Theology of Liberation, até o fim de sua vida.

Além disso, suas posições mais preocupantes são explícitas. Um leitor não precisa conhecer todo a moldura teórica, histórica, e todos os detalhes conceituais da teologia de Cone para perceber que algumas ideias estão em oposição à Bíblia e ao espírito do evangelho. Em outras palavras, não é preciso um conhecimento profundo de história negra, Tillich, Barth ou Marx para perceber problemas nas ideias de Cone.

A cristologia da teologia negra é um ponto que também merece consideração. Como todas as teologias da libertação, a teologia negra coloca muita ênfase no aspecto humano de Jesus. Há uma identificação total e irrestrita entre Cristo e o ser humano. No entanto, o quadro cristológico completo encontrado na Bíblia traz um Cristo divino-humano, imanente e transcendente, que conhece a experiência humana, mas que é “o resplendor da Glória de Deus e a expressão exata do seu ser” (Hb 1:3 NVI), “santo, inculpável, puro, separado dos pecadores, exaltado acima dos céus” (Hb 7:26 NVI).

A pergunta de Jesus a seus discípulos “quem dizeis que eu sou?” (Mt 16:15) precisa ser respondida sem rodeios não apenas pela teologia negra, mas por todas as teologias identitárias da libertação (feminista, queer, mulherista etc). O enfraquecimento de doutrinas como a autoridade das Escrituras, o pecado humano e a natureza de Cristo não são problemas exclusivos da teologia negra.

Cone afirma que “nossas ideias intelectuais sobre Deus, Jesus e a Igreja foram derivadas de teólogos brancos europeus e seus livros”,186 e por isso é preciso construir “um novo movimento teológico”187 sobre outras bases. Como exemplos de teólogos brancos que supostamente teriam moldado nossas ideias, Cone cita Barth, Tillich e Bultmann. E isso levanta a pergunta: em nome de quem Cone fala quando diz que nossas ideias vêm desses homens? É inegável a influência desses teólogos brancos, mas é igualmente inegável que grande parcela do protestantismo e do evangelicalismo têm verdadeira aversão à teologia deles, especialmente setores mais teologicamente conservadores.

Além disso: o valor e a verdade de um argumento teológico dependem da origem étnica de quem fala? A verdade continua sendo verdade mesmo quando proferida por judeus do século 1, ou africanos como Atanásio e Agostinho, ou um asiático do século 21. Nos primeiros séculos da era cristã, as verdades bíblicas já ecoavam na Etiópia enquanto a Europa ainda era quase completamente pagã. Por outro lado, o próprio Cone reconhece que parte de seu pensamento foi construído sobre Barth e Marx (brancos europeus). Assim, a justificativa que Cone dá à necessidade de um novo movimento teológico baseado em critérios étnicos e raciais não parece ser um forte argumento.

O que a teologia negra faz, propositalmente ou não, é chamar doutrinas bíblicas centrais de “teologia branca”, e então descartá-las. Ronilso Pacheco, por exemplo, denuncia a “identidade branca da igreja que herdamos, ou a branquitude da identidade da mesma”, o que ele chama de “imaginário branco de ser igreja”.188 Para ele, o que chamam erroneamente de “teologia de verdade” seria apenas uma visão teológica particular de nomes como Abraham Kuyper, James Orr e Wihelm Dilthey.

No entanto, essa descrição de Pacheco é parcial, e omite duas coisas importantes: 1) existem crenças ortodoxas historicamente compartilhadas por toda a cristandade desde a época em que a igreja cristã era composta majoritariamente por judeus oprimidos num império romano; 2) a teologia negra não está apenas rejeitando o neocalvinismo, o fundamentalismo ou a teologia colonial europeia da “igreja branca”, está rejeitando as crenças bíblicas centrais e históricas do cristianismo.

Levanto aqui algumas questões que podem ser úteis à reflexão sobre a teologia negra. Ao lançar mão da metodologia histórico-crítica, de pressupostos da teologia liberal, das categorias do pensamento marxista e das reflexões de teólogos como Tillich, Niebuhr e Barth – por que a teologia negra estaria isenta do problema da “branquitude”? Ou a branquitude só afeta os defensores da ortodoxia doutrinária?

Por que a crítica da teologia negra brasileira às “hermenêuticas engessadas, históricas e hegemônicas” e a defesa da teologia decolonial como uma resposta ao pensamento “eurocêntrico-estadunidense” não são afetadas pelo fato de se apoiarem nas “reflexões postas por James Cone, Jacquelyn Grant, Cornell West [sic], Gayraud Wilmore”,189 todos eles estadunidenses? Isto é, não há nenhum problema no fato da teologia negra brasileira ser uma novidade importada (com algum atraso) dos EUA? Não há nenhum problema de colonização em mimetizar discursos estadunidenses, categorias de análises surgidas no contexto estadunidense, e até importar neologismos da língua inglesa e incorporá-los à versão brasileira da teologia negra?

A denúncia do racismo entre as igrejas evangélicas é extremamente necessária. E algumas iniciativas nesse sentido têm levado a sério as questões históricas, sociológicas e teológicas, amparadas em dados estatísticos.190 No entanto, existem denúncias feitas sem fundamentação, reproduzindo apenas senso comum e generalizações, como a afirmação de que a “igreja brasileira tem em seu DNA uma forte aliança com as mentalidades escravocratas do Sul dos Estados Unidos”, e coopera “para a manutenção de pensamentos racistas”, cuja hermenêutica é “um olhar branco europeizado”.191 Há verdades nessas denúncias, mas isso inclui, generalizadamente, os pentecostais brasileiros? Inclui, indiscriminadamente, as diversas denominações historicamente abolicionistas e do Norte (como a IASD)?

O que fazer com a crença teologicamente conservadora dos negros (que são a maioria nas igrejas evangélicas brasileiras192)? Estaria a teologia das igrejas evangélicas e pentecostais (a religião mais negra do Brasil193) incluída nessas críticas? A crença histórica dos negros nas doutrinas ortodoxas, incluindo a crença na Bíblia como inspirada e infalível Palavra de Deus e na doutrina da expiação pelo sangue de Jesus, faz parte das “hermenêuticas engessadas” e “olhar branco europeizado”?

Em outras palavras: o que a teologia negra pretende fazer com o fato da maioria dos protestantes e evangélicos negros, estadunidenses ou brasileiros, acreditarem nas principais doutrinas ortodoxas? Aqui, surge novamente a pergunta: se a teologia negra não representa a crença dos cristãos negros, quem ela representa?

Portanto, sob o pretexto de rejeitar a “igreja branca”, a teologia negra rejeita a doutrina dos apóstolos e do próprio Jesus, e a crença histórica de milhares de negros. Ao rejeitar a doutrina bíblica da expiação, da substituição, e remover a cruz do centro, dizendo que Jesus morreu “(quase) voluntariamente”, a teologia negra não está combatendo um ensino de uma suposta igreja branca, mas um ensino bíblico. Quando James Cone remove a Bíblia da base da teologia cristã e assume que sua experiência pessoal e comunitária é a base, ele não está rejeitando um ensino da suposta igreja branca, mas um ensino do Novo Testamento.

Ao vincular a revelação, a verdade e o conhecimento de Deus exclusivamente à teologia e à experiência negra, Cone gera uma espécie de “gnosticismo étnico”.194 Acreditar que algumas pessoas, por causa de sua etnicidade, são capazes ou não de entender alguma verdade sobre Deus não encontra nenhum respaldo na Bíblia.

Firmado na autoridade da experiência negra, Cone reinterpretou conceitos bíblicos como revelação, verdade, pecado e evangelho de formas consistentes com seu projeto de libertação negra. Mas a falha central de sua teologia negra é exatamente essa insistência axiomática de que a Bíblia deve ser lidas através das lentes da experiência negra. Um cristão bíblico adventista, de qualquer etnia, acredita que o texto bíblico tem significado objetivo, e que a verdade revelada pode ser aprendida fora da experiência negra, ou da experiência feminina, ou de qualquer outra experiência identitária.

Como apontou o teólogo negro Anthony Bradley: “O que é mais desconcertante sobre a reflexão de Cone é sua falta de confiança nas Escrituras […] para fornecer ferramentas suficientes para analisar a cultura”.195 O vínculo entre a teologia negra de Cone e o marxismo é inegável, e sua sugestão de que o marxismo seria o melhor método para ler a realidade tem implicações hermenêuticas sérias. De fato, um estudante da Bíblia precisa estar ciente das forças ideológicas que moldam a nossa cultura, mas não precisa escolher uma delas e transformá-la em autoridade máxima, ou numa lente para ler até mesmo a Bíblia.

Na epistemologia da teologia negra, as verdades da Bíblia são acessíveis apenas a certos grupos étnicos, e a experiência desse grupo está acima do lema protestante Sola Scriptura. Assim, a Bíblia não pode ser a única regra de fé e prática, e deve ser submetida a outro padrão de julgamento. Cristãos bíblicos simpáticos à teologia negra não podem continuar sem avaliar se isso é aceitável.

Finalmente, o pragmatismo de Cone também compromete a fidelidade à sã doutrina. A partir da pergunta pragmática “para que serve essa teologia?”, a Bíblia pode ser arrastada a qualquer tribunal hermenêutico, e julgada pela experiência, interesses e necessidades específicos de qualquer grupo. A superênfase na imanência, na transformação histórica, no aqui e agora, em vez de “uma nova vida no céu” 196 também pode fazer o peregrino cristão se preocupar demais com a estrada e esquecer o horizonte, o destino final.197

Embora a teologia negra ainda seja um movimento periférico no protestantismo e evangelicalismo brasileiro, é possível ouvir os ecos da teologia de Cone em publicações e discussões nas redes socias, especialmente entre jovens. Por isso, é interessante que os cristãos se familiarizem com sua obra, e avaliem as suas suposições, sua retórica, seus fundamentos e as consequências de aceitar suas sugestões teológicas.

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1 Doutor em Teologia (EST – São Leopoldo, RS), aluno de PhD em Religious Education (Andrews University – Berrien Springs, MI). ID Lattes: 2808260754369923 . Email: pr_isaac@yahoo.com

2 GIBELLINI, Rosino. A teologia do século XX. São Paulo: Edições Loyola, 2012. p. 383.

3 OGBAR, Jeffrey O. G. Black Power: Radical Politics and African American Identity. Baltimore: John Hopkins University Press, 2004. p. 153-158. Para uma exposição mais detalhada dos antecedentes e dos contextos históricos do surgimento da teologia negra, ver FINLEY, Stephen C. African American History and African American Theology. In: CANNON, Katie G.; PINN, Anthony B. (eds.). The Oxford Handbook of African American Theology. Oxford: Oxford University Press, 2014. p. 15-26.

4 GIBELLINI, 2012, p. 394.

5 GIBELLINI, 2012, p. 393-395.

6 Com a pesquisa em andamento, o autor deste artigo teve acesso a versões em português de duas obras de Cone:Teologia Negra e Deus dos Oprimidos, da editora Recriar.

7 CONE, James H. Teologia negra. São Paulo: Recriar, 2020. p. 81-95; cf. GIBELLINI, 2012, p. 398.

8 CONE, James H. A Black Theology of Liberation. Twentieth Anniversary Edition. Maryknoll: Orbis Books, 1990. p. 5.

9 CONE, 1990, p. 6.

10 CONE, 1990, p. 31.

11 CONE, James H. Deus dos oprimidos. São Paulo: Recriar, 2020 (2020a). p. 24.

12 CONE, James H. God of the Oppressed. Maryknoll: Orbis Books, 1997. p. xii.

13 CONE, 1997, p. xi.

14 CONE, 1997, p. 148.

15 Cone confessa que “A insistência em uma teologia passional é um chamado para o ponto antropocêntrico de partida na teologia. […] Apesar da minha perspectiva começar com a humanidade, não se trata da humanidade no geral, tampouco um tipo abstrato de idealismo platônico. Preocupo-me com a humanidade concreta, em especial, com a humanidade oprimida. Nos Estados Unidos, isso significa humanidade negra. Este é o ponto de partida da teologia, pois ela acredita que a humanidade oprimida seja o ponto de partida do próprio Cristo” (CONE, James H. Teologia negra. São Paulo: Recriar, 2020 [2020b]. p. 74).

16 CONE, 2020b, p. 74.

17 CONE, 1997, p. 16.

18 CONE, 2020b, p. 87.

19 CONE, 2020b, p. 89.

20 CONE, 2020b, p. 59.

21 WHITE, Ellen G. O grande conflito. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2001.

22 CONE, 1997, p. 32.

23 CONE, 1997, p. 74-75.

24 PEW RESEARCH CENTER. A Religious Portrait of African-Americans. Disponível em: <https://pewrsr.ch/3041PSj>. Acesso em 23 set. 2020.

25 ANYABWILE, Thabiti. The Decline of African American Theology: From Biblical Faith to Cultural Captivity. Downers Grove: IVP Academic, 2007. p. 17-18.

26 ANYABWILE, 2007, p. 37. A chamada “Igreja Negra” foi fruto da inserção das igrejas livres (especialmente de linha batista e metodista) na comunidade negra, o que fomentou o surgimento de igrejas negras independentes, a partir do final do século 18, que lhes conferiam identidade religiosa e social (GIBELLINI, 2012, p. 387-389.).

27 Em outro lugar, Cone afirma que “a teologia negra também não é novidade” (CONE, 2020b, p. 85). Ele cita como exemplos dessa antiga teologia negra a African Methodist Episcopal Church, a African Methodist Episcopal Zion Church, a Christian Methodist Church e outras igrejas negras históricas. No entanto, essas igrejas, em geral, eram e ainda são conservadoras em sua teologia, e dificilmente concordariam com todas as pressuposições da teologia negra de Cone.

28 CONE, James H. For my people. Maryknoll: Orbis Books, 1984. p. 17.

29 CONE, 1984, p. 81.

30 CONE, 2020b, p. 91.

31 É inegável a correlação de pressupostos teológicos do “cristianismo positivo” nazista com o protestantismo liberal. O discurso teológico liberal, surgido num contexto antissemita, foi útil ao revisionismo teológico dos nazistas, possibilitando a releitura nazista da Bíblia e a cristologia ariana. Sobre isso, ver STEIGMANN-GALL, Richard. O Santo Reich: concepções nazistas do cristianismo, 1919-1945. Rio de Janeiro: Imago, 2004. Apesar de Steigmann-Gall descrever as ênfases teológicas liberais do cristianismo positivo nazista a partir de fontes primárias, o nazismo era essencialmente pagão, não cristão – vendo no cristianismo apenas um instrumento descartável. Um importante adendo à obra de Steigmann-Gall é feito por Ferreira: “Hitler e os demais adeptos do ‘cristianismo positivo’ no partido desprezavam a fé cristã histórica, pois a percebiam como incompatível com a ideologia nazista” (FERREIRA, Franklin. A Igreja Confessional alemã e a “Disputa pela Igreja” (1933-1937). Fides Reformata, XV, n. 1, 2010, p. 13. Disponível em: <https://bit.ly/2PB3JrO>. Acesso em 28 jan. 2021).

32 DAVIDSON, Richard M. Interpretação bíblica. In: DEDEREN, Raoul (ed.). Tratado de teologia Adventista do Sétimo Dia. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2011. (p. 67-119) p. 108.

33 DEDEREN, Raoul. Cristo: pessoa e obra. In: DEDEREN, 2011 (2011a), (p. 180-230) p. 184.

34 BEMMELEN, Peter M. van. Revelação e inspiração. In: DEDEREN, 2011, (p. 26-66) p. 26.

35 BEMMELEN, 2011, p. 36.

36 DEDEREN, 2011a, p. 185.

37 BEMMELEN, 2011, p. 49.

38 GRELLMANN, Hélio L. (trad.). Nisto Cremos [livro eletrônico]: as 28 crenças fundamentais da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2017. p. 24-25.

39 BEMMELEN, 2011, p. 60.

40 SALES, Ranieri (trad.). Manual da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2016. p. 166.

41 GRELLMANN, 2017, p. 25.

42 WHITE, Ellen G. Testemunhos para a igreja, v. 5. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2004. p. 711.

43 CONE, 1990, p. 110-128.

44 CONE, 1990, p. 123.

45 CONE, 1990, p. 120.

46 CONE, 1990, p. 111.

47 CONE, 1990, p. 85-86.

48 CONE, 2020b, p. 58 (ênfase no original).

49 CONE, 1990, p. 63.

50 CONE, 1990, p. 55-81.

51 GIBELLINI, 2012, p. 398.

52 GIBELLINI, 2012, p. 399.

53 CONE, 2020a, p. 30.

54 CONE, 2020a, p. 30.

55 DEDEREN, 2011a, p. 221.

56 DEDEREN, 2011a, p. 221.

57 CONE, 1997, p. xiv.

58 CONE, 2000a, p. 27.

59 JOHNSON, Sylvester. The African American Christian Tradition. In: CANNON; PINN, 2014, (p. 68-84) p. 71.

60 CONE, 1984, p. 32.

61 CONE, 1990, p. 56.

62 CONE, 1990, p. 8.

63 CONE, 1990, p. 8

64 CONE, 1990, p. 61-62.

65 CONE, 2020a, p. 317.

66 CONE, 2020a, p. 317.

67 CONE, 2020a, p. 318.

68 CONE, 2020a, p. 318.

69 CONE, 2020a, p. 318.

70 CONE, 2020a, p. 318.

71 LILLA, Mark. The Once and Future Liberal: After Identity Politics. London: Hurst Publishers, 2018. A ligação entre a teologia negra e as políticas identitárias é uma ideia do teólogo Guilherme de Carvalho (CARVALHO, Guilherme de. A cruz e as políticas de identidade. Youtube. Disponível em: https://youtu.be/5B6mRZx-J9g. Acesso em 26 set. 2020).

72 O Coletivo Combahee River foi uma organização feminista negra e lésbica ativa em Boston, entre 1974 e 1980.

73 PEREIRA, Stefania; GOMES, Letícia Simões (trads.). Manifesto do Coletivo Combahee River. PLURAL, Revista do Programa de Pós Graduação em Sociologia da USP, São Paulo, v. 26.1, 2019, (p. 197-207) p. 200.

74 CONE, 1990, p. 102.

75 CONE, 2020a, p. 322.

76 JONES, Major J. Black Awareness: A Theology of Hope. Nashville: Abingdon Press, 1971.

77 ROBERTS, James Deotis. Liberation and Reconciliation. Philadelphia: Westminster John Knox Press, 1971.

78 BURROW, Rufus. James H. Cone: Father Of Contemporary Black Theology. The Asbury Theological Journal, v. 48, n. 2, 1993, (p. 59-76) p. 60. Disponível em: https://core.ac.uk/download/pdf/155818991.pdf. Acesso em 25 set. 2020.

79 GIBELLINI, 2012, p. 406.

80 CONE, 1990, p. 62-63.

81 MELLO, Patrícia Campos. Esquerda deve tirar foco da pauta identitária para ser eleita, diz Mark Lilla. Folha de São Paulo. 12 ago. 2017. Disponível em: https://bit.ly/2HozorP. Acesso em 23 set. 2020.

82 MELLO, 2017.

83 MELLO, 2017.

84 DEDEREN, Raoul. A igreja. In: DEDEREN, 2011 (2011b), (p.598-645) p. 612.

85 LARONDELLE, Hans K. O Remanescente e as Três Mensagens Angélicas. In: DEDEREN, 2011, (p. 949-987) p. 958.

86 WHITE, Ellen G. Mensagens escolhidas, v.2. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2008. p. 486

87 WHITE, Ellen G. Testemunhos para a igreja, v.7. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2005. p. 223

88 Para uma exposição mais detalhada a respeito da compreensão adventista desse tópico, ver LARONDELLE, 2011, p. 955-959.

89 WHITE, Ellen G. Testemunhos para a igreja, v. 1. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 1999. p. 358.

90 WHITE, 2005, p. 225.

91 WHITE, Ellen G. Serviço cristão. Tatuí: Casa Publicadora Brasileira, 2001. p. 167.

92 WHITE, 2008, p. 486.

93 WHITE, 2008, p. 486.

94 CONE, 1990, p. 108

95 CONE, 1990, p. 106.

96 CONE, 1990, p. 51.

97 FOWLER, John M. Pecado. In: DEDEREN, 2011, p. 262-304.

98 GRELLMANN, 2017, p. 112-113.

99 SALES, 2016, p. 168.

100 FOWLER, 2011, p. 267.

101 FOWLER, 2011, p. 285.

102 WHITE, 1999, p. 359.

103 WHITE, Ellen G. Carta 80a, 1895.

104 CONE, 1990, p. 11.

105 CONE, 1990, p. 27.

106 CONE, 1990, p. 51.

107 CONE, 1990, p. 70.

108 CONE, 1990, p. 15.

109 CONE, 2020b, p. 67.

110 CONE, 1990, p. 25.

111 Nat Turner (1800-1831) foi um escravo americano que liderou uma revolta de escravos em 1831, que executou entre 55 e 65 pessoas (pelo menos 51 delas eram brancos). Esse foi o maior número de mortes de brancos durante uma rebelião, antes da deflagração da Guerra Civil, no sul dos Estados Unidos.

112 CONE, James H. Black Theology and Black Power. San Francisco: Harper & Row, 1989. p. 114.

113 CONE, 1989, p. 109.

114 CONE, 2020b, p. 81.

115 GIBELLINI, 2012, p. 398.

116 KLEINER, Mark. Three Phases in the Writings of James Cone: Resistance, Affirmation, and Dialectics. Consensus, v. 33, n. 2, 2011 (p. 1-10). Disponível em: https://bit.ly/3mQ3uok. Acesso em 24 set. 2020.

117 CONE, 1984, p. 202.

118 CONE, 1984, p. 203.

119 CONE, 1984, p. 119.

120 CONE, 1984, p. 159.

121 CONE, 2011, p. 132.

122 THE SOUTHERN BAPTIST THEOLOGICAL SEMINARY. Report on Slavery and Racism in the History of the Southern Baptist Theological Seminary. 2018. Disponível em: https://bit.ly/3411xNe. Acesso em 24 set. 2020.

123 As declarações podem ser encontradas aqui: https://www.sbc.net/?s=lynching.

124 CONE, 2020b, p. 68.

125 CARVALHO, José Murilo de. Pontos e bordados: escritos de história e política. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998. p. 36.

126 CONE, 2020b, p. 73.

127 IASD. One Humanity: A Human relations Statement Addressing Racism, Casteism, Tribalism, and Ethnocentrism. 15 set. 2020. Disponível em: https://addventist.org/one-humanity-a-human-relations-statement-addressing-racism-casteism-tribalism-and-ethnocentrism/ . Acesso em 25 set. 2020.

128 IASD, 2020.

129 CONE, 1990, p. 127.

130 CONE, 1990, p. 128

131 CONE, 1997, p. xv.

132 CONE, James H. The Cross and the Lynching Tree. Maryknoll: Orbis Books, 2011. p. 119.

133 CONE, 2011, p. 150.

134 CONE, 2020a, p. 28-29.

135 CONE, 2020a, p. 29.

136 CONE, 2020a, p. 29.

137 CONE, 2020a, p. 29.

138 CONE, 2020a, p. 29.

139 PACHECO, Ronilso. Não há poder no sangue: onde Igreja e pastorais podem ajudar a quebrar a espiral da violência. Portal das CEBS. 07 mar. 2018. Disponível em: https://bit.ly/2FVm9hS. Acesso em 24 set. 2020.

140 James Cone publicou um livro avaliando os spirituals. Ver CONE, James H. The Spirituals and the Blues: An Interpretation. Maryknoll: Orbis Books, 1991. Para uma análise sociológica e teológica dos spirituals, ver WASHINGTON, Joseph. The Politics of God: the Future of the Black Churches. Boston: Beacon Press, 1967. p. 153-177.

141 CONE, 2020a, p. 31.

142 “Pare de sofrer” é o lema da Igreja Universal do Reino de Deus. Ver CIPER. Pare de sofrer: os segredos da Igreja Universal no Chile. 19 jan. 2016. Disponível em: <https://bit.ly/382QzqX>. Acesso em 12 jan. 2020.

143 GREENE-MCCREIGHT, Kathryn. Feminist reconstructions of Christian doctrine; narrative analysis and appraisal. Oxford: Oxford University Press, 2000. p. 75.

144 CONE, 2020a, p. 137.

145 CONE, 2020a, p. 136 (ênfase no original.

146 CONE, 1984, p. 32.

147 CONE, James H. Black Theology and the Black Church: Where Do We Go From Here? CrossCurrents, v. 27, n. 2, (p. 147-156), 1977. p. 148.

148 CONE, 1997, p. 57.

149 CONE, 1997, p. 59.

150 CONE, 1990, p. 40-54.

151 CONE, 2020a, p.102-103 (ênfase no original).

152 CONE, 2020a, p. 95.

153 CONE, 1997, p. 38; CONE, 2020a, p. 89-95.

154 CONE, 1997, p. 186-187.

155 CONE, 1997, p. 39.

156 CONE, 1997, p. 41.

157 CONE, 2020a, p. 89.

158 CONE, 2020a, p. 90.

159 CONE, Cecil. The Identity Crisis in Back Theology. Nashville: AMEC Publishing, 1975. p. 141.

160 CONE, James; WILMORE, G. Black Theology: a Documentary History, 1966-1979. Maryknoll: Orbis Books, 1979. p. 340-344.

161 CONE, James H. The Black Church and Marxism: What Do They Have to Say to Each Other? New York: Institute for Democratic Socialism, 1980.

162 GIBELLINI, 2012, p. 412-413.

163 CONE, 2020a, p. 91.

164 CONE, 2020b, p. 56.

165 ZILCH, Evlyn Louise (trad.). Camilo Torres, “uma figura incômoda para a direita e a esquerda”. IHU Unisinos, 21 jan. 2016. Disponível em: <https://bit.ly/3nss8w9>. Acesso em: 14 fev. 2021.

166 CONE, 1984, p. 80.

167 CONE, 1984, p. 34.

168 CONE, 2020a, p. 97.

169 LEWIS, C. S. Cartas de um diabo a seu aprendiz. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2017. p. 18.

170 LEWIS, 2017, p. 128.

171 CONE, 2020a, p. 90.

172 CONE, 2020a, p. 320.

173 CONE, 2020a, p. 90.

174 É curioso observar como muitos proponentes de uma teologia política como a teologia negra pretendem denunciar o envolvimento de pastores e igrejas com a política conservadora e economicamente liberal. Me parece que o problema não é a atuação política de líderes religiosos, mas o envolvimento com o “outro lado” do espectro ideológico. Em poucas palavras: o problema desses líderes religiosos criticados é estar do lado errado.

175 Apesar de não ser exatamente um marxista, é inegável a forte presença de elementos marxistas no pensamento de Paulo Freire. Como ele mesmo disse em entrevista: “eu fiquei com Marx na mundanidade, mas a procura de Cristo na transcendentalidade” (Disponível em: <https://bit.ly/3teweZP>. Acesso em 28 abr. 2021).

176 VIEIRA, João. Teologia negra resgata conceito de igreja, fé e família entre evangélicos. 21 set. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3mUWoil.Acesso em 27 set. 2020.

177 CONE, 2020a, p. 94.

178 CONE, 2020a, p. 94.

179 CONE, 2020a, p. 94.

180 CONE, 2020a, p. 100.

181 CONE, 2020b, p. 68.

182 CONE, 2011, p. 21.

183 CONE, 2011, p. 21.

184 Para uma abordagem cristã à questão racial, que inclui reflexões sobre arrependimento, racismo sistêmico, reparação histórica e fim do pensamento etnocêntrico, ver PIPER, John. O racismo, a cruz e o cristão: a nova linhagem em Cristo. São Paulo: Vida Nova, 2012.

185 CONE, 1997, p. xi.

186 CONE, 1977, p. 148.

187 CONE, 1977, p. 149.

188 PACHECO, Ronilso. A igreja branca tem que acabar. Folha de São Paulo. 09 jan. 2020. Disponível em: https://bit.ly/341tmVV. Acesso em 26 set. 2020.

189 PACHECO, Ronilso. A Teologia Negra no Brasil é decolonial e marginal. CrossCurrents, v. 67, n. 1, (p. 233-242) 2017. p. 234.

190 Como, por exemplo, OLIVEIRA, 2015 e PIPER, 2012.

191 GUIMARÃES, André. Jesus: exemplo de resistência e esperança para promoção de direitos e vida do povo negro. PACHECO, Ronilso; MOURA, João Luiz (orgs.). Jesus e os direitos humanos: porque o reino de Deus é justiça, paz e alegria. Rio de Janeiro: Vlado, 2018. (p. 59-72) p. 66-67.

192 ROMANO, Giovanna. Datafolha: Mulheres e negros compõem maioria de evangélicos e católicos. Veja. 13 jan. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3czy00X. Acesso em 26 set. 2020.

193 OLIVEIRA, Marco Davi de. A religião mais negra do Brasil: por que os negros fazem opção pelo pentecostalismo? Viçosa: Ultimato, 2015.

194 Ouvi essa expressão em uma palestra do dr. Voddie Baucham a respeito do racismo, disponível em: https://youtu.be/Ip3nV6S_fYU. Acesso em 25 set 2020.

195 BRADLEY, Anthony B. Liberating Black Theology: The Bible and the Black Experience in America. Wheaton: Crossway, 2010. p. 119.

196 CONE, 1990, p. 127.

197 Essa ideia do peregrino que se apaixona pela estrada e se esquece do horizonte eu ouvi do teólogo Igor Miguel. Infelizmente não pude encontrar uma fonte para referenciar.

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