Questões sobre Doutrina: Passado e Presente
Woodrow Whidden, Ph.D., serviu por muitos anos como professor de Teologia Histórica e Teologia Sistemática no AIIA [Adventist International Institute for Advanced Studies]. Anteriormente, ele ensinava no Departamento de Religião na Andrews University (1990 -2006). Ele tem doutorado em Teologia Histórica pela Drew University. Seus livros incluem Ellen White e A Salvação e Ellen White e A Humanidade de Cristo.
Tradução: Hugo Martins
O artigo “Questões Sobre Doutrina: Passado e Presente” (Original em Inglês: “Questions on Doctrine: Then and now”), por Woodrow Whidden, fora publicado, inicialmente, em agosto de 2013 na revista Ministry,® International Journal for Pastors, www.MinistryMagazine.org. Usado com permissão.
A Casa Publicadora Brasileira lançou, recentemente, uma nova edição do livro revolucionário de 1957: Questões sobre Doutrina.1 Enquanto o original tornou-se um fator divisor de águas quando surgiu em meio ao diálogo evangélico/adventismo do sétimo dia, veio a ser, também, um dos eventos de publicação mais controversos na história do adventismo.
Antes de descrever os eventos e as controvérsia que envolveram a publicação original de QSD (Questões sobre Doutrina), e avaliar o impacto contínuo da publicação, os prováveis leitores interessar-se-ão em diversos aparatos úteis incluídos na nova edição.
Aparatos na Nova Edição
Primeiro o texto original continua o mesmo. Entretanto, o livro tem sido editorialmente suplementado com uma introdução, notas de rodapé anotadas e uma bibliografia atualizada pelo bem conhecido escritor e historiador adventista George R. Knight.
Trazendo a pesquisa mais recente sobre o QSD, a introdução e as notas de rodapé fornecem uma recapitulação nas questões teológicas centrais, conferências chaves e reações enérgicas provocadas pelo livro tanto nas comunidades adventistas quando nas comunidades evangélicas.
Segundo, Knight procurou, honesta e cordialmente, rever as acusações controversas e reações contrárias que o livro gerou entre os colaboradores adventistas proeminentes do QSD e aqueles que discordaram completamente de suas “respostas” (especialmente sobre a expiação e a humanidade de Cristo).
Os críticos tradicionais do QSD ficarão felizes em saber que Knight não poupou palavras, especialmente quando se trata de expor o modo como L. E. Froom e seus congêneres foram “muito pouco claros” sobre o consenso denominacional de longa data (desde os anos 1890) sobre a humanidade de Cristo “pós-Queda”. Ademais, é interessante destacar que Knight sugere, também, que Froom e seu congêneres deram uma impressão falsa quando eles desenvolveram o notório “Apêndice B,” intitulado “A Natureza de Cristo durante A Encarnação,” que consiste das declarações de Ellen White.
Knight afirma que o tópico controverso, que diz que Cristo “Tomou A Natureza Humana Não Pecaminosa,” fora problemático no ponto em que esta era a posição de Ellen White quando, de fato, ela era bastante enfática afirmando repetidamente que Cristo tomou ‘nossa natureza pecaminosa’ e ‘Ele tomou sobre Si a natureza humana afligida, caída, degradada e manchada pelo pecado’.”2
Questões e Personalidades Fundamentais
A publicação do QSD em 1957 foi o ápice de uma série de diálogos realizados entre evangélicos conservadores e líderes adventistas do sétimo dia de março de 1955 a 1956. Os evangélicos principais foram Donald Grey Barnhouse, pregador radialista e editor da Eternity, e Walter Martin, um jovem pesquisador. Os participantes adventistas incluíram Leroy Edwin Froom, destacado teólogo historiador, W. E. Read, um Secretário de Campo da Associação Geral, e Roy Allan Anderson, um evangelista proeminente e editor da Ministry.
Um dos resultados positivos do diálogo fora que Barnhouse e Martin declararam os adventistas do sétimo dia serem cristãos sérios que não deveriam ser considerados como sectários. Essa reapreciação afirmativa do adventismo viera após esses líderes tornarem-se satisfeitos com as respostas adventistas dadas a questões que se remetiam a quatro interpretações chaves do ensinamento adventista:
1. Que os adventistas não acreditavam que a expiação fora completa na cruz;
2. Que a salvação é obtida pela fé mediante a graça, mais as obras da lei.
3. Que Jesus era um ser criado e não coexistia com o Pai desde os primórdios da eternidade;
4. E que Cristo tomou a natureza caída, pecaminosa, na Encarnação.
As respostas francas dadas pelas conferências adventistas sobre a Trindade e a Salvação foram alguns dos pontos mais positivos do diálogo. Entretanto, as respostas do QSD, especialmente aquelas em relação à natureza humana de Cristo e a expiação, provara-se seriamente perturbadoras para muitos adventistas do sétimo dia.
A Divergência Adventista e M. L. Andreasen
As razões para as reações acaloradas dentro da Igreja Adventista do Sétimo Dia são muito complexas, mas uma é muito clara: a principal voz divergente pertenceu a M. L. Andreasen, uma dos mais respeitados escritores e professores teólogos do adventismo nos anos 1930 e 1940. Suas interpretações distintivas sobre a expiação e a humanidade de Cristo pareciam representar um certo consenso dentro do pensamento adventista, quando a igreja mobilizou-se no diálogo com os evangélicos. Embora os ensinamentos de Andreasen sobre essas questões (expiação e a natureza humana de Cristo) nunca se tornaram oficiais, muitos consideravam suas interpretações como sendo a sólido ortodoxia adventista.
O centro da teologia de Andreasen é a expiação envolvendo três fases essenciais.
A primeira consistia da vida sem pecado de Cristo de obediência perfeita a lei de Deus; A segunda era que em Sua morte na cruz “Cristo terminou Sua obra como vítima e sacrifício.”3
Enquanto essas duas fases expiatórias eram, certamente, fundamentais no ensinamento de Andreasen sobre a expiação, era a terceira que continha o foco essencial de sua teologia e Andreasen colocou de forma clara e inequívoca: “Na terceira fase, Cristo demonstra que o homem pode fazer o que Ele fez, com a mesma ajuda que Ele teve. Esta fase inclui Seu lugar à destra de Deus, Seu ministério sumo sacerdotal e a exposição final dos Seus santos na última batalha com Satanás e a gloriosa vitória deles.”
Sobre esta terceira fase, Andreasen disse que ocorre, agora, progressivamente tanto no santuário celeste quanto na igreja na terra. Cristo acabou com o poder do pecado em Sua vida terrena. Ele destruiu o pecado e Satanás mediante Sua morte. Ele está agora eliminando e destruindo o pecado em Seus santos na terra. Esta é uma parte da purificação do verdadeiro santuário.4
O princípio teológico chave que fundamentava a fase no Santíssimo da expiação era a cristologia de Andreasen. Ele sustentava, firmemente, que Cristo tomou uma natureza humana pecaminosa, como a de Adão após a Queda (em outras palavras, uma natureza pecaminosa com tendências para o pecado). Portanto, com a capacitação de Cristo como um exemplo aos Seus seguidores da última geração, a expiação final poderia ser efetivada do santuário celestial quando orquestrada mediante os caracteres perfeitos sem pecado do santos que guerreiam na terra. Esta expiação final, a teologia da última geração, foi mais claramente descrita no capítulo “A Última Geração” no muito bem conhecido livro de Andreasen: O Ritual do Santuário.5
Neste capítulo, Andreasen declarou que Satanás não estava, definitiva e conclusivamente, derrotado na Cruz. A derrota final de Satanás seria efetivada mediante as histórias perfeitas e sem pecado da geração final. Andreasen foi ligeiro em afirmar que tal vitória final seria possível apenas mediante a graça que seria posta sobre os santos do Grande Exemplar no Santo dos Santos do santuário celestial.
Em outras palavras, este remanescente fiel desenvolveria caracteres que replicariam a vida perfeita sem pecado que Cristo viveu na mesma natureza humana pecaminosa caída. É esta natureza que a geração final venceria. Desse modo, Cristo, por meio da vitória do remanescente, derrotará Satanás, vindicará a demanda de Deus por obediência perfeita e esta vindicação de Deus fará, finalmente, Cristo vir.6
O que fazer com esta interpretação da expiação em relação às respostas dadas pelos correspondentes adventistas do sétimo dia no QSD?
Onde, Então, Fomos Parar?
Quando a poeira baixar, podemos, claramente, fazer a seguinte afirmação: nem os autores de QSD nem Andreasen divergiam, realmente, nas fases um e dois. Houve, entretanto, duas divergências sobre a fase três:
A primeira divergência tinha mais a ver com terminologia do que com conteúdo; o termo “expiação completa” que o QSD era perfeitamente consistente com Andreasen no seguinte sentido: a obra expiatória de Cristo na cruz foi completa no sentido que a plena provisão fora feita ali a fim de salvar a todos. Mas não foi completa no sentido que o “ato completo de expiação na cruz é sem valor para qualquer alma a menos, e até, que seja aplicada por Cristo nosso Sumo Sacerdote no, e apropriado pelo, indivíduo favorecido.”7
Fica, então, claro que Froom e Roy Allan Anderson não estavam reinterpretando a fase do Santo dos Santos da expiação. Eles usavam, consistentemente, terminologia de “expiação provida“ na Cruz e “expiação aplicada” no ministério celestial de Cristo durante os antítipos dias da expiação no Santo dos Santos.
Todavia, a segunda discordância sobre a fase três era muito mais substantiva e significativa: os correspondentes do QSD não eram entusiastas da interpretação de Andreasen do povo da “geração final” sendo os agentes mediante os quais Cristo efetivaria a expiação final. Enquanto parece que eles não atacaram diretamente a expiação da geração final de Andreasen, eles discordaram com a cristologia que resultava dela.
Portanto, é seguro dizer que as duas maiores heranças contínuas e controversas do QSD são que acenderam novas discussões do que os adventistas querem dizer por:
1. As expressões “expiação final,” e
2. A “natureza humana pecaminosa, caída, de Cristo.”
Mesmo não sendo o propósito deste artigo entrar em um debate sobre essas questões controversas, gostaria de encerrar com algumas perspectivas e sugestões para estudos posteriores.
Perspectivas para Estudos Posteriores.
“Expiação Final.” Enquanto ainda há aqueles que defendem a versão da última geração de Andreasen da “expiação final” (mediante a perfeição sem pecado do remanescente), gostaria de levantar as seguintes questões:
Onde nas Escrituras ou nos escritos de Ellen White encontramos esta teologia explicitamente desenvolvida?
As Escrituras e Ellen White ensinam, claramente, que Deus tem feito o sucesso final da obra expiatória de Cristo dependente da experiência perfeccionista do “remanescente”?
Não há evidência sólida na Bíblia e em Ellen White para o clamor que Cristo tem, completamente, vindicado a demanda de Deus por obediência perfeita por Sua própria vida e obra?
Não seria mais apropriado sugerir que Cristo vindica Seu Pai na fase do Santo dos Santos do “grande conflito“ por demonstrar que a Trindade tem, completamente, estado consistente com sua natureza de infinito amor na disposição dos casos de cada ser humano?8
Ademais, poderia ser que estamos todos discutindo uma questão mais fundamental:
Qual é o papel do esforço e dos feitos humanos no grande plano da salvação? Quão dependente é Deus dos sucessos de Seus professos seguidores para Sua própria vindicação?
Na análise final, os efeitos mais controversos dos debates sobre o QSD surgem das questões que cercam a “Humanidade de Cristo.”9 Sem a interpretação “pós-queda” da natureza humana de Cristo sustentada por Andreasen, a versão da perfeição da geração final e seu papel na vindicação de Deus de Andreasen é posta em causa. Aqui está, também, o legado mais importante do QSD.
Enquanto, dificilmente, exista alguém hoje que concordaria com versão particular da Cristologia “pré-Queda” que os autores do QSD colocaram (que Cristo não tomou uma “natureza pecaminosa, caída,”mas tinha, tão somente, “imputada” a Ele), eles provocaram uma reflexão que tem gerado duas interpretações claramente articuladas do que se quer dizer pela expressão “natureza humana pecaminosa de Cristo.”
Essas posições são:
1. A posição “pós-Queda” de Andreasen; e
2. A “Cristologia alternativa“ que tornou-se, posteriormente, pioneira por Edward Heppenstall e desenvolvida por seus sucessores no Seminário Teológico Adventistas do Sétimo Dia até os dias de hoje.
A “Cristologia alternativa” reconhece as declarações “pós-Queda” de Ellen White, mas sugere que essas não se referem a qualquer “infecção” do pecado na humanidade de Cristo, apenas o modo como esse pecado “afetou” Ele.
Que caminhos iremos tomar?
Esperançosamente, a publicação desta nova edição do QSD contribuirá, ainda mais, para o esclarecimento dessas questões importantes.
Notas
[1] Questões Sobre Doutrina (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira); referida-se, doravante, como QSD.
[2] As expressões na citações são tiradas de Knight de sua “Introdução” na nova edição do QSD.
[3] M. L Andreasen, The Book of Hebrews (Washington. Review and Herald Pub. Assn.. 1948), p. 53.
[4] Ibid., pp. 59–60.
[5] Andreasen, O Ritual do Santuário (Santo André, SP: Casa Publicadora Brasileira, 1948).
[6] Ibid., pp. 299–301.
[7] L. E. Froom, “The Priestly Application of the Atoning Act,” Ministry, fevereiro de 1957, 10; cp. QSD, pp. 349-355.
[8] As seguintes publicações são exposições “pró” e “contra”. Do lado “pró”, ver Herbert Douglass, The End: Unique Voices of Adventists about the Return of Jesus (Mountain View, Calif: Pacific Press Pub Assn, 1979) e Why Jesus Waits: How the Sanctuary Doctrine Explains the Mission of the Seventh-day Adventist Church (Washington, D.C.. Review and Herald Pub. Assn., 1976). Do lado “contra”, ver Eric C. Webster, Crosscurrents in Adventist Christology (New York; Peter Lang, 1984; Republished, Bernen Springs, Mich Andrews University Press, 1992), 396-428; e Woodrow W. Whidden, “The Vindication of God and the Harvest Principle,” Ministry, outubro de 1994, pp. 44-47.
[9] Para uma excelente revisão do debate adventista sobre a humanidade de Cristo e uma defesa clássica da interpretação tradicional “pós-Queda”, ver J. R. Zurcher, Touched With Our Feelings (Hageistown, Md.. Review and Herald Pub. Assn., 1999). Para um defesa da posição “alternativa” ou da posição “pré-Queda”, ver Nisto Cremos. A Biblical Exposition of 27 Fundamental Doctrines (Hagerstown, Md : Review and Herald Pub. Assn., 1988), 45-52; e Woodrow Whidden, Ellen White e A Humanidade de Cristo (Tatuí, SP: Casa Publicadora Brasileira).
Concordo q a natureza humana de JC o torna vulnerável e mortal e neste ponto o afeta, pois Ele não foi um semi-deus vivendo entre nós. Mas graças a Deus, Ele não pecou e isto o eleva a esse patamar de graça!!!
Ele não foi um “semi-deus”Ele sempre foi Deus,mesmo quando estava na terra.
Ele não foi elevado a nenhum “patamar de graça”.Ele é o doador da graça.A graça e a verdade vieram por Jesus Cristo-Joao 1:17.Não se pode comparar nossa condição humana com Cristo.