Ponderações sobre A Republicação de Questões Sobre Doutrina
Herbert E. Douglass (1927–2014) foi um destacado teólogo, administrador e prolífico autor adventista. O Pastor Douglass serviu como presidente do Atlantic Union College (1967–1970), Diretor Associado da Review & Herald Magazine [atual Adventist Review] (1970–1976), Editor Associado e Vice-Presidente para Desenvolvimento Editorial na Pacific Press (1979–1985) e outras diversas funções. De suas obras, podemos destacar “A Mensageira do Senhor” e ter escrito comentários para cinco livros bíblicos no Comentário Bíblico Adventista. O Pastor Douglass destacou-se, também, como um dos grande opositores as interpretações de Questões Sobre Doutrina.
Tradução: Hugo Martins
O artigo “Ponderações sobre A Republicação de Questões Sobre Doutrina” (Original em Inglês: “Thoughts on the republished Questions on Doctrine”), por Herbert E. Douglas, fora publicado, inicialmente, em agosto de 2004 na revista Ministry,® International Journal for Pastors, www.MinistryMagazine.org. Usado com permissão.
Nota do Tradutor: o propósito da tradução deste artigo, de Herbert E. Douglass, não é promover a compreensão da natureza humana de Cristo do autor, mas fornecer um material para os estudiosos do assunto, que não dominam a língua inglesa, terem conhecimento básico do que tais proponentes como Douglass, Wood, Andreasen e outros defenderam na história do adventismo.
Nota do editor: na última edição da Ministry de Agosto, foi publicado um artigo por Woodrow Whidden anunciando e comentando sobre a republicação pela Andrews University Press do livro Questões Sobre Doutrina. Na mesma edição, a Ministry se posicionou em um dos lados do aspecto mais divisivo do livro quando, no editorial, afirmamos a “natureza humana sem pecado” de Jesus e anexamos um reimpresso de um encarte que a Ministry publicara em 1970. Ademais, como parte de nossas séries doutrinárias contínuas, expressando a fé adventista do sétimo dia em termos cristocêntricos, publicamos o artigo de Roy Naden em nossa edição de junho de 2003.
Como parte do tratamento da Ministry desses tópicos, ficamos gratos em publicar a visão adventista alternativa ascendente sobre a natureza de Cristo. Herbert Douglas, alguém que esteve intimamente envolvido nas divergências nos anos 1950 e 1960 acerca de Questões Sobre Doutrina, concordou em expressar esta perspectiva alternativa. Para um estudo mais aprofundado do assunto, recomendamos aos nossos leitores acessar biblicalresearch.gc.adventist.org, clicar em “Documents”, e clicar em “What human nature did Jesus take? Fallen [Qual natureza humana Jesus tomou? Caída]” e “What human nature did Jesus take? Unfallen [Qual natureza humana Jesus tomou? Não caída].” No mais, não percam os comentários recentemente apresentados pelo BRI na republicação de Questões Sobre Doutrina que se encontra nesta edição.
No final de 2003, Questões Sobre Doutrina (QSD) fora republicado pela Andrew University Press com notas históricas e com uma introdução teológica de George R. Knight. Originalmente publicado em 1957, este livro, como Knight observa: “qualifica-se, facilmente, como o livro mais divisivo na história adventista do sétimo dia. Um livro publicado com o propósito de apaziguar adventistas e protestantes conservadores, sua publicação trouxe alienação prolongada e separatismo às facções adventistas que cresceram em volta dele.”1
Questões Históricas
A introdução de Knight provê o contexto para primeiras conversações entre porta-vozes adventistas e o Dr. Donald Grey Barnhouse, Walter Martin e outros da ala calvinista do evangelicalismo. Alguns a chamariam de a ala fundamentalista.
O mistério para muito de nós em Washington durante os anos 1950 foi a carta de T. E. Unruh (presidente da Associação Pensilvânia Leste) a Barnhouse em que ele elogiou o programa de rádio de Barnhouse sobre a “justificação pela fé.” A carta iniciou a estranha cadeia de eventos que culminou com a publicação de QSD.
Walter Martin, um jovem especialista em cultos cristãos, visitou Washington, em março de 1955, para ouvir dos líderes adventistas exatamente o que eles acreditavam em relação a certas doutrinas que Martin dizia ser cúlticas.
Sabendo que Martin estava no processo de preparar um outro livro intitulado “The Rise of the Cults [A Origem dos Cultos]”, Leroy E. Froom, W. E. Read e R. A. Anderson imaginaram o melhor para evitar uma perspectiva negativa respondendo com uma postura irênica; uma meta eminente para qualquer líder!2
Naturalmente, haviam muitos tópicos que Martin e Barnhouse reconheciam como interessantes e diferentes, mas não necessariamente cúlticos. As quatro pautas finalmente deixadas sobre a mesa e em discussão foram: (1) a expiação de Cristo não estava completa na cruz; (2) a salvação é o resultado da graça mais as obras da lei; (3) o Senhor Jesus era um ser criado, não desde toda a eternidade; e (4) que ele tomou da natureza humana pecaminosa caída na Encarnação.3
Os editores associados do Comentário Bíblico Adventista do Sétimo Dia tiveram o privilégio de observar QSD sendo processado, editado, reescrito e nova reescrito. O escritório do Comentário ficava no mesmo andar de Merwin Thurber, o experiente editor de livros da Review and Herald Publishing Association. Quando quer que ele tivesse um problema teológico de qualquer natureza, ele vinha ao nosso escritório para conselhos. Semana após semana, esta seria a rotina de Thurber conforme tentava editar o manuscrito do QSD.
O Pastor Froom, finalmente, disse: “sem mais edições. Vamos com o que temos.” Naquela altura, o manuscrito tinha sido significativamente reduzido. Os autores reconheciam, naturalmente, que “nenhuma declaração de crença adventista do sétimo dia pode ser considerada oficial a menos que seja adotada pela Conferência Geral em sessão quadrienal.” Mas nem tudo sai como esperado. Você pode imaginar nossa apreensão quando começamos a ver as prensas produzindo o livro que viria com comentários tais como os das páginas 8 e 9: “As respostas foram preparadas por um grupo de líderes reconhecidos em colaboração com professores de Bíblia, editores e administradores. . . . Estas respostas apresentam a posição de nossa denominação na área da doutrina da igreja e da interpretação da igreja. . . . Portanto, este volume pode ser visto como verdadeiramente representativo da fé e das crenças da Igreja Adventista do Sétimo Dia.”
Mas o quanto nós, como alguns outros, ficamos preocupados; essas declarações não representavam a realidade que cercou a produção de QOD. Muitos ficaram abalados com a direção que o livro tomava e disseram aos seus autores.
Milton L. Andreasen, “o mais influente escritor e teólogo da denominação no fim dos anos 1930 e durante os anos 1940, foi deixado de lado do processo tanto na formulação das respostas quanto nas críticas a elas, ainda que ele era geralmente visto como uma autoridade em vários dos pontos em disputa.”4
Esta omissão não ficou evidente até QSD ser publicado. Seja como for, o que nós esperávamos era o crescimento de artigos editoriais da Ministry e encontros de obreiros pala América do Norte de 1957 em diante. O novo presidente da Associação Geral, R. R. Figuhr, ficara impressionado com o fato que Walter Martin tivera, novamente, se resguardado de incluir os adventistas em seu próximo livro sobre cultos nos Estados Unidos.
Quando pareceu a Andreasen que os autores de QSD, mais o presidente da Associação Geral, não estavam interessados em considerar seus questionamentos, ele escreveu cartas abertas a membros da igreja.
Questões Teológicas
Andreasen estava preocupado principalmente com as questões problemáticas da “expiação” e da “natureza humana de Cristo.”5 Ao investigar estas questões teológicas, precisamos olhar mais atentamente ao problema o qual L. E. Froom e R. A. Anderson se depararam.
Froom fez uma enquete com líderes adventistas e descobriu que “quase todos eles” achavam que Cristo tinha nossa natureza pecaminosa.6 Ademais, o recém jubilado presidente da Associação Geral, W. H. Branson, escreveu na edição de 1950 de seu Drama of the Ages [Drama das Eras] que Cristo, em sua encarnação, tomou “sobre si a carne pecaminosa.”7
Mas Froom e Anderson afirmaram, não obstante, no que pareceu a George Knight não ser “nem um pouco transparente” que a “a maioria da denominação ter sempre afirmado” a humanidade de Cristo “ser sem pecado, santa e perfeita,” apesar do fato de certos escritores terem, ocasionalmente, publicado visões contrárias. Infelizmente, isso é o que eles disseram a Walter Martin.
Froom e Anderson mantinham o novo presidente da Associação Geral bem informado. Froom, em uma de suas cartas, reconhecia que em QSD “algumas das declarações são um pouco diferentes do que se poderia esperar.”8 Ele continuava a sugerir que suas abordagens eram necessárias em vista dos contextos e das atitudes dos evangélicos.
O Tratamento de QSD sobre A Expiação
Uma das principais queixas de Andreasen era a falta de lucidez quando os autores tentavam adequar suas respostas aos questionamentos de Martin com uma linguagem a qual ele pudesse aceitar. Ele escreveu cartas privadas ao presidente da Associação Geral, implorando-lhe a encarar o panorama geral.
Por muitos anos, os adventistas acreditaram que (1) “As condições para a expiação haviam sido cumpridas” na cruz (O Desejado de Todas As Nações, p. 819) e que (2) “A intercessão de Cristo no santuário celestial, em prol do homem, é tão essencial ao plano da redenção, como o foi Sua morte sobre a cruz. Pela Sua morte iniciou essa obra, para cuja terminação ascendeu ao Céu, depois de ressurgir. Pela fé devemos penetrar até o interior do véu, onde nosso Precursor entrou por nós” (O Grande Conflito, p. 489).
Andreasen estava preocupado acerca do evangelho calvinista limitado onde o foco do ministério expiatório de Cristo está na cruz; ele temia que os dois focos adventistas do ministério expiatório de Cristo, a cruz e o santuário celestial estivessem sendo mudados. Muitos sentiram que se Andreasen, com sua experiência teológica inquestionável, tivesse sido convidado a participar em formular as respostas às questões de Martin, o equilíbrio teológico teria prevalecido.
O Tratado de QSD sobre A Encarnação
Aqui, novamente, devemos reconhecer as pressuposições calvinistas de Barnhouse, Martin e outros congêneres. Para ele, o Jesus humano era “impecável”, isto é, incapaz de pecar. Bavinck, um de seus gigantes da teologia, escreveu que a possibilidade de Jesus “pecar e cair é uma ideia nefasta. . . . Pois o próprio Deus, então, deveria ter sido capaz de pecar—o que é uma blasfêmia imaginar.”9
Froom admitia que alguns adventistas tinham publicado essas “ideias nefastas,” mas tais eram esses oriundos de uma “parte lunática” adventista! Relembrando, Froom e Anderson estavam tentando encontrar pontos em comum com seus amigos calvinistas! Eles usaram palavras tais como “isento de paixões e contaminações herdadas que corromperam os descendentes naturais de Adão.”10 E “tudo o que Jesus tomou, tudo o que Ele suportou, se o peso ou a culpa de nossas iniquidades, se as doenças e as fraquezas de nossa natureza humana—tudo foi tomado e nascido vicariosamente.”11
Como podemos resumir o que Knight chamou de uma defesa “nem um pouco transparente”12 do pensamento adventista convencional sobre a humanidade de Jesus?
As declarações de Ellen White incluídas em QSD criaram “uma impressão falsa sobre a natureza humana de Cristo.”13
Os autores colocaram em negrito um subtítulo: “Tomou A Natureza Humana Sem Pecado.” Conforme Knight escreveu: “essa intitulação é problemática pois implica que era a ideia de Ellen White quando ela era, de fato, bastante enfática em declarar repetidamente que Cristo tomou nossa ‘natureza pecaminosa’.”14
Traços curiosos de intimidação se tornaram evidentes quando os autores disseram (após falarem de sua interpretação das declarações de Ellen White) que “é neste sentido que todos deveriam entender os escritos de Ellen G. White quando ela se refere, ocasionalmente, à natureza humana pecaminosa, caída e deteriorada.” Ademais, “todas elas são declarações muito convincentes, mas, certamente, ninguém, intencionalmente, daria a ela um significado que vai na direção contrária do que a própria escritora tem dado em outras partes de suas obras.”15 E a resposta implícita para ambas as afirmações parece ser “naturalmente não!”
Não somente as citações contradizem seus contextos, elas parecem, também, ter sido organizadas para induzir uma pressuposição particular. Como um exemplo de deturpação do contexto, citemos um texto que tem sido usado diversas vezes desde 1957: “Ninguém que olhasse para o [Seu] semblante pueril, brilhando com vigor, poderia dizer que Cristo era como outras crianças. Ele era Deus em carne humana.” Algumas sentenças antes, White tinha, também, escrito: “Ele não era como todas as crianças. Muitas crianças são mal orientadas e mal educadas. Mas José, e especialmente Maria, mantinham diante deles a lembrança da filiação divina de seu filho. Jesus foi instruído de acordo com o caráter sagrado de Sua missão. . . . Eles eram um exemplo do que todas as crianças podem se esforçar em ser se os pais, sinceramente, buscarem ao Senhor e se os filhos cooperarem com seus pais. Em Suas palavras e ações, Ele manifestava tenra simpatia para com todos.”16 Chega-se a um panorama mais amplo do que White estava descrevendo quando observamos o artigo inteiro.
Na lista de razões para Cristo vir a terra, parece que os autores de QSD omitiram duas das razões mais essenciais: Ele veio salvar o Seu povo dos seus pecados (Mt 1:21); ele veio para ser o nosso Exemplo: (1 Pd 2:21). Teria sido mais do que útil, se eles tivessem listado as razões adicionais as quais Ellen White nos deu.
Consequências Drásticas
Como Knight diz, QSD “qualifica-se, facilmente, como o livro mais divisivo na história adventista do sétimo dia.” Documentar esta divisividade é fácil, mas doloroso. A maioria, se não todos, dos tão falados grupos “dissidentes” ou “independentes” dos últimos 45 anos são resultados diretos das posições explícitas e implícitas adotadas por QSD sobre a Expiação e a Encarnação. Nos dois tópicos a reação foi imediata. A maioria, se não todos, desses “dissidentes” não existiriam hoje, se QSD não tivesse sido publicado.
Pairando sobre a neblina teológica que QSD gerou, estava o imprimátur “oficial” que o livro estava recebendo no mundo adventista. Embora os autores tentaram dizer que QSD não era uma declaração “oficial” das crenças adventistas do sétimo dia, a descrição de seus esforços não poderia ficar escondida.17
Em 1975, um grupo representativo nosso, se reuniu em Washington, em resposta ao convite da Review and Herald Publishing House para a comissão a tratar da republicação de QSD. A liderança da Associação Geral estava, de modo geral, em oposição à sua reimpressão. Quanto mais o livro era examinado, mais firme a negação para sua reimpressão se tornava.
Questões Teológicas que Precisam de Uma Nova Discussão
1. Criando um boneco de palha. Adventistas nunca defenderam que Jesus alguma vez pecou, ou herdou o mal, as “paixões e contaminações” corrompidas. Argumentar assim, cria um boneco de palha! A posição adventista por um século estava solidamente baseada em declarações bíblicas, tais como Hebreus 2:14-18; 4:14-16; 5:7-9; Romanos 1:1-3; 8:3–4; 2 Pedro 2:21; Apocalipse 3:21.
Esta fundamentação bíblica se remete ao cerne da compreensão de Ellen White da humanidade de Cristo. Por exemplo: “Teria sido uma quase infinita humilhação para o Filho de Deus, revestir-Se da natureza humana mesmo quando Adão permanecia em seu estado de inocência, no Éden. Mas Jesus aceitou a humanidade quando a raça havia sido enfraquecida por quatro mil anos de pecado. Como qualquer filho de Adão, aceitou os resultados da operação da grande lei da hereditariedade. O que estes resultados foram, manifesta-se na história de Seus ancestrais terrestres. Veio com essa hereditariedade para partilhar de nossas dores e tentações, e dar-nos o exemplo de uma vida impecável.
“Satanás aborrecera a Cristo no Céu, por causa de Sua posição nas cortes de Deus. Mais O aborreceu ainda quando se sentiu ele próprio destronado. Odiou Aquele que Se empenhou em redimir uma raça de pecadores. Não obstante, ao mundo em que Satanás pretendia domínio, permitiu Deus que viesse Seu Filho, impotente criancinha, sujeito à fraqueza da humanidade. Permitiu que enfrentasse os perigos da vida em comum com toda a alma humana, combatesse o combate como qualquer filho da humanidade o tem de fazer, com risco de fracasso e ruína eterna.”18
No Desejado de Todas As Nações de White, muitas destas declarações ajudam a esclarecer esta última.
2. Hermenêutica. Um dos principais princípios de interpretação é permitir o autor interpretar a si mesmo. Ademais, o autor pode melhor declarar a sua posição em um livro idealizado para esclarecer todos os aspectos do pensamento do autor.
Quando uma autora tem escrito por mais de 70 anos sobre um assunto, não deveria ser surpresa encontrar declarações extraídas de cartas, diários e manuscritos em geral que podem parecer contraditórias. Mas quando o estudante tem um entendimento da intenção de uma carta, e tem acesso ao diário ou manuscrito inteiro, aquelas aparentes discrepâncias desaparecem como lanche em piquenique de verão.
Em outras palavras, O Desejado de Todas As Nações deveria ser um teste ácido da cristologia de Ellen White pelo qual todas as outras declarações deveriam ser julgadas.
3. Modus operandi. Em temas como “Os Dez Mandamentos”, “O Sábado e A Lei Moral”, “Precedentes Acadêmicos para 1844”, “O Significado de Azazel”, “O Juízo Investigativo”, “Condição do Homem na Morte” e “Defensores da Imortalidade Condicional”, os autores de QSD usaram um punhado de escritores não adventistas para suprir e enfatizar suas posições doutrinárias.
Igualmente, um outro punhado de escritores não adventistas poderia ter sido selecionado, que não fossem escritores calvinistas, para substanciar a posição adventista histórica sobre o que se quer dizer por “natureza humana caída, pecaminosa, de Cristo”. Por que não foram feitas referências aos livros escritos por Harry Johnson, Karl Earth, T. F. Torrance, Nels Ferre, C. E. Cranfield, Harold Roberts, Lesslie Newbigin, Anders Nygren, C. K. Barret e Oscar Cullmann desde o começo?
Tais estudiosos defenderam, claramente, a posição do Novo Testamento de que Jesus que era “verdadeiramente Homem,” tornou-se o tipo de pessoa que Ele viera redimir, não apenas em Sua morte, mas durante a sua vida a qual Ele herdou a natureza pecaminosa caída que torna o pecado muito provável, mas que Ele não cedeu a essa tendência (Jo 5:17–18; Mc 4:36; etc.).
Em outras palavras, os escritores bíblicos e Ellen White viam o que geralmente se chama de “pecado original” como a tendência universal na natureza humana que busca por interesses egoístas. Jesus partilhou deste ponto em comum com a humanidade—mas Ele permaneceu o Exemplo incorrupto por todos nós (Ap 3:21)—Ele permaneceu sem pecado.
4. Distinção entre “propensões de pecado” e “propensões ao pecado”; entre “paixões herdadas” e “paixões corruptas, malignas”; entre “natureza inferior” e “natureza superior”. Deveríamos deixar Ellen White nos dizer o que ela quis dizer com suas palavras. Jesus tinha todas as paixões naturais de uma criança, ou um adolescente, ou um adulto—instinto de sobrevivência, busca por conforto físico razoável, por apreciação do sexo oposto, ser apreciado por Seus amigos. Mas Ele nunca permitiu que essas paixões dadas por Deus, naturais, se tornarem “paixões corruptas, malignas”. Ele nunca permitiu Seu desejo ceder a quaisquer dessas paixões naturais, para que elas não viessem contradizer a vontade de Seu Pai celestial (Lc 22:42).19
Jesus tomou nossas tendências para o mal herdadas, mas não nossas tendências cultivadas do mal—Ele não escolheu pecar, ser corruptível.
A natureza superior de Cristo, como a nossa, inclui escolha e vontade, e, portanto, caráter. Sua natureza inferior tomou as paixões humanas normais que buscam fins egoístas, indulgentes. A diferença entre Jesus e nós é que Ele sempre escolheu não se profanar. Ele foi incorruptível.
5. Áreas de interesse que possam, ainda, requerer discussão aberta encontram-se nas notas extensas nas páginas 516–529 da nova edição republicada de QSD. O autor das notas em cinza está correto: “A lógica vinda dessa crença era que se Cristo fosse como nós, mesmo tendo uma vida sem pecado, deve, então, haver outros seres humanos—especialmente os da última geração. . . . [Este ensino] tornou-se a crença da maioria dos adventistas do sétimo dia na primeira metade do século vinte. Este ensino foi tão amplamente aceito que nem mais precisava ser explicado na literatura adventista. Era aceito como um fato. Foi baseado nesse ensino que M. L. Andreasen construiu sua teologia da última geração.”20
A sugestão de que a compreensão de Ellen White da humanidade de Cristo era derivada de sua leitura de Henry Melville é interessante, mas fora da realidade. Esta conexão não ocorre com aqueles que passaram alguns momentos observando como a própria White usava o termos propensões, paixões, enfermidades, etc.
A sugestão que desde os anos de 1890 haviam “duas interpretações adventistas distintas sobre a natureza humana de Cristo no adventismo” (adâmica pré-queda versus adâmica pós-queda) necessita de fundamentação. Sugerir que todos os outros escritores, exceto Ellen White, estavam em ambas as posições e Ellen White em uma terceira, o campo “invisível”, parece ser uma observação estranha. Os exemplos imediatos dessa “posição” seguem, exatamente, o modelo do mau uso de QSD de 1957 dos escritos de Ellen White.
O conceito de “última geração” (aquela que espera ansiosamente pelo retorno de Cristo, cooperando com Ele para ser-lhes confiado Seu selamento—Apocalipse 7) parece ser a descrição distintiva da escatologia de Ellen White.
6. O segundo tópico que tem grandemente dividido a Igreja Adventista desde o fim dos anos 1950 é a questão da justificação pela fé. A mídia evangélica observou que, nos anos 1970, a igreja estava dividida entre “adventistas tradicionalistas”—aqueles que defendiam posições que eram “fatos aceitos” antes de QSD—e “adventistas evangélicos” que enfatizavam a compreensão reformada da justificação pela fé.21
Implícita nessa compreensão “evangélica” estava (1) a rejeição da interpretação distintiva adventista de um juízo pré-advento e (2) a conexão entre a purificação do santuário celestial e a purificação dos hábitos e das escolhas culminando com a provação final.
Ao minimizar os aspectos “essenciais” da expiação que estão inseridas na doutrina do santuário celestial, a luz do foco mudou para a Cruz. Quando este duplo foco é perdido, o conceito bíblico de justificação pela fé é grandemente prejudicado. Cada ponto está conectado, também, a cada outro ponto na genuína estrutura lógica evangélica; quando um aspecto da verdade evangélica fica comprometido, muitas outras doutrinas são afetadas!
7. Parte das consequências trágicas desde 1957 é o tratamento desdenhoso do ministério de Ellen White. Tal visão do ministério da Sra. White tornou-se o modus operandi para muitos pastores e professores que pareciam ter a impressão de que ela tinha um “nariz de cera”. Em anos recentes, Ellen White tem sido vista por alguns como uma escritora devocional, em vez de uma orientadora teológica.
A Lição mais Profunda A Ser Aprendida
O que parece ser um problema mais profundo e não tratado em QSD é o que restou a se dizer.
Martin e Barnhouse eram estudiosos reconhecidos, embora vindos de uma perspectiva diferente. Mas eles podiam pensar teologicamente. Que oportunidade perfeita teria sido para adventistas usar mentes igualmente treinadas para mostrar o porquê adventistas têm uma compreensão distintiva da soteriologia, da cristologia e da escatologia.
Notas
[1] Questions on Doctrine (Andrew U. edition), xiii.
[2] Ibid., xiv.
[3] Ibid., xiv.
[4] Ibid., xviii.
[5] Ibid., xv.
[6] QOD (Andrews), xv.
[7] Ibid. Em 1953, Branson mudou sutilmente seu enunciado de “carne pecaminosa” para manter a paz, sabendo, entretanto, que Ellen White usava esta frase muitas vezes.
[8] Ibid.
[9] G. C. Berkouwer, The Person of Christ (Grand Rapids, Mictv. Wm. B. Eerdmans Publishing Co., 1954), p. 259.
[10] QOD, p. 383 (1957).
[11] Ibid., pp. 61, 62, 69.
[12] Ibid., xvi (Andrews University edition).
[13] Ibid., xxx.
[14] Ibid., xvi.
[15] QOD, p. 60 (1957).
[16] QOD (1957), p. 650; Youth’s Instructor, 8 de setembro de 1898.
[17] QOD (1957), p. 8.
[18] O Desejado de Todas As Nações, p. 49.
[19] Ver Manuscripts 16:182–183 para uma clara distinção entre “propensões corruptíveis” e “caída, mas não corruptível.”
[20] QOD (Andrews edition), pp. 518–519.
[21] Kenneth R. Samples, “From Controversy to Crisis: An Updated Assessment of Adventismo do sétimo dia,” Christian Research journal, Summer, 1988, 9.