Os Pobres, Sempre Os Tende Convosco

“OS POBRES, SEMPRE OS TENDE CONVOSCO”

Uma Análise de Marcos 14:3-9


Por Hugo Martins

Hugo Martins Miniatura

Hugo Martins  é Bacharel em Teologia pela Universidade Adventista de São Paulo, colaborador na Comunidade Judaico-Adventista de Campinas e estudante do Período do Judaísmo  do Segundo Templo.


Introdução

A perícope de Mc 14:3-9 e suas correlatas, Mt 26:6-13 e Jo 12:1-8, em que Jesus dissera: “Os pobres sempre tereis convosco” tem sido, constantemente, mal interpretada ao longo do tempo tanto por críticos quanto por defensores da Bíblia.

Diversos críticos usam esta perícope sugerindo que Jesus fora egoísta. Outros dizem que Ele tinha alertado para uma “eterna luta de classes”. Pesquisando o texto vê-se um número extensos de interpretações desta passagem.

Mas, afinal, qual o real significado deste texto?

Marcos 14:3-9

Estando ele em Betânia, reclinado à mesa, em casa de Simão, o leproso, veio uma mulher trazendo um vaso de alabastro com preciosíssimo perfume de nardo puro; e, quebrando o alabastro, derramou o bálsamo sobre a cabeça de Jesus. Indignaram-se alguns entre si e diziam: Para que este desperdício de bálsamo? Porque este perfume poderia ser vendido por mais de trezentos denários e dar-se aos pobres. E murmuravam contra ela. Mas Jesus disse: Deixai-a; por que a molestais? Ela praticou boa ação para comigo. Porque os pobres, sempre os tendes convosco e, quando quiserdes, podeis fazer-lhes bem, mas a mim nem sempre me tendes. Ela fez o que pôde: antecipou-se a ungir-me para a sepultura. Em verdade vos digo: onde for pregado em todo o mundo o evangelho, será também contado o que ela fez, para memória sua. (Mc 14:3-9)

Cenário

Jesus estava, em uma festa, na casa de “Simão, o leproso”, um fariseu (Lc 7:36-40) que anteriormente fora curado da lepra por Jesus (DTN, pg. 557), a quem induzira Maria ao pecado (DTN pg. 566), sendo ele seu próprio tio (Daughters of God, pg. 239).

A festa fora promovida por Simão, em gratidão a Jesus por curá-lo (DTN, pg. 557), e encontravam-se presentes Lázaro, que Jesus ressuscitara dos mortos, o que atraíra a atenção de muitos, Marta e Maria.

Questões Levantadas

“Para que este desperdício de bálsamo? Porque este perfume poderia ser vendido por mais de trezentos denários e dar-se aos pobres.” Em um primeiro momento aparenta ser uma crítica justa e fundamentada. Afinal, cuidar dos pobres faz parte da vida daquele que se diz seguidor de Jesus. Sendo o denário equivalente ao salário diário de um trabalhador de base da época, afere-se que com tal dinheiro poder-se-ia assistir aos pobres de diversas maneiras.

Jesus, em contrapartida, afirmou a eles que “ela praticou boa ação” e que “os pobres, sempre os tendes convosco e, quando quiserdes, podeis fazer-lhes bem, mas a mim nem sempre me tendes.”

Estas afirmações levam muitos a crer que Jesus fora egoísta ou que profetizara uma eterna “luta de classes” como dizem alguns defensores da Teologia da Libertação. [1]

Qual seria, então, uma resposta adequada para tais questionamento?

Para compreender o texto em questão, é fundamental estudar uma importante mitsvah para os judeus: Kevod Ha’met (Respeito os Mortos). [2]

Kevod Ha’met

Sepultar adequadamente é uma preocupação remota. Abraão, o patriarca, comprara a Caverna de Macpela, que ficava no extremo do território dos Heteus, para enterrar adequadamente a Sara, sua esposa (Gn 23). Também foram enterrados em Macpela o próprio Abraão (Gn 25: 7-11), Isaque (Gn 35:27-29) e Jacó (Gn 50:12-14).

Quando não é possível sepultar em um terreno ou cemitério próprio para Judeus, colocam-se pedras no local da sepultara para marcar que ali fora enterrado um judeu na esperança de posteriormente alguém enterrar em um lugar própria. Na sepultara de Raquel fora erigida uma coluna de pedras com esse propósito (Gn 35:19-20).

Tanto Jacó (Gn 47:27-31) quanto José (Gn 50:22-26) fizeram seus parentes jurarem que eles não seriam sepultados no Egito. Juramentos estes cumpridos.

Kavod Ha’met “é uma das mais importantes mitsvot que um Judeu pode cumprir,” pois um morto não tem como retribuir, sendo este um sinal de grande bondade.

Uma das etapas do sepultamento judaico é a Taharah (Purificação) onde o corpo é lavado e “perfumado”.

Decifrando A Perícope

Compreendendo a Mitsvah Kavod Ha’met e a Taharah esclarece-se, com precisão, os possíveis equívocos que uma leitura superficial venha a trazer.

Quando Jesus dissera que “Ela praticou boa ação para comigo”, ele referiu-se a Kavod Ha’met, considerada uma das mistvah mais importantes que um judeu pode cumprir; pois os pobres podem agradecer, talvez até mudarem a sua condição, mas o morto não.
Em relação à Taharah disse Jesus: “Ela fez o que pôde: antecipou-se a ungir-me para a sepultura.”

Conclusões

A análise da perícope de Marcos 14:3-9 não apoia qualquer interpretação que trate a Jesus como egoísta, imprudente ou sem compaixão para com os pobres.

Maria compreendera que Jesus em breve haveria de morrer e não sabendo se teria a oportunidade de cumprir a Kavod Ha’met logo após a mortede Jesus “antecipou a ungi-lO para a sepultura.”

O questionamento levantado por Judas e os outros que ali se desperdiçara uma oportunidade de fazer o bem aos pobres é uma distorção, consciente ou não, dos princípios bíblicos e da tradição judaica do rito funerário.

Em resposta as distorções levantadas, Jesus afirmou que Maria fizera uma boa obra e que “onde for pregado em todo o mundo o evangelho, será também contado o que ela fez, para memória sua.”

[1] Teologia da Libertação é uma leitura marxista das Escrituras. Para uma crítica adventista da Teologia da Libertação, ler “Liberation Theologies and the Church,” artigo de Amin Rodor publicado no Adventist Biblical Research.

[2] Kavod Ha-Meit: Honoring the Dead at Clover Hill Park Cemetery. A Rabbinic Statement on Cremain Burial and the Creation of an Interfaith Section Rabbis Joseph H. Krakoff and Eric S. Yanoff; February 29, 2008.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *