Teísmo Aberto: Uma Revisão das Questões

Teísmo Aberto – Uma Revisão das Questões


 Kwabena Donkor é diretor associado do Biblical Research Institute [Instituto de Pesquisas Bíblicas] na Conferência Geral dos Adventistas do Sétimo Dia em Silver Spring, Maryland. Ele é editor de The Church, Culture, and Spirits: Adventism in Africa [A Igreja, Cultura e Espíritos: Adventismo na África], contribuiu para diversos jornais e no livro Reclaiming the Center: Confronting Evangelical Accommodation in Postmodern Times [Reinvindicando O Centro: Confrontando A Acomodação Evangélica nos Tempos Pós-modernos]. Ele e sua esposa Comfort têm dois filhos, já adultos.


Tradução: Hugo Martins

O artigo “Teísmo Aberto — Uma Revisão das Questões” (Original em Inglês: “Open Theism—A Review of the Issues”), por Kwabena Donkor, fora publicado, inicialmente, pelo Adventist Biblical Research Institute.  Usado com permissão.


Uma das controvérsias que tem agitado os círculos teológicos evangélicos nos últimos tempos é o debate sobre o que passou a ser chamado, entre outros, de “teísmo aberto.”1 Observa-se que o termo “teísmo aberto” foi introduzido em 1980 com a publicação do livro Openness of God [Abertura de Deus], do teólogo adventista do sétimo dia Richard Rice. A questão não foi amplamente discutida, contudo, até 1994, quando cinco ensaios foram publicados por cinco estudiosos evangélicos, incluindo Rice, sob o título A Abertura de Deus.2

A complexidade do assunto nos obriga a limitar a nossa apresentação de uma forma concisa, mas útil. Podemos tentar apenas um apanhado geral aqui, e, mesmo assim, esta discussão pretende abordar principalmente as questões-chave em voga na controvérsia.

  1. Do que se Trata?

O que é teísmo aberto? Como o próprio nome indica, o teísmo aberto é uma visão de Deus e de seu relacionamento com a realidade caracterizada pela abertura. O que significa para Deus estar aberto à realidade? A questão crítica é o que implica, neste caso, “aberto” ou “abertura.” Gregory Boyd, um dos principais defensores desta visão, descreve a abertura desta forma: “Teístas da visão aberta acreditam que o futuro existe em parte como realidades (eventos futuros que Deus soberanamente determina realizar) e em parte como possibilidades (aspectos do futuro que Deus permite soberanamente que suas criaturas realizem).3 David Basinger, no entanto, caracteriza mais especificamente a abertura nos seguintes termos: “(1) Deus não apenas criou este mundo ex nihilo, mas pode (e às vezes o faz) intervir unilateralmente nos assuntos terrenos; (2) Deus escolheu nos criar com uma liberdade incompatibilista (libertária), liberdade sobre a qual ele não pode exercer controle total; (3) Deus valoriza tanto a liberdade — a integridade moral das criaturas livres e um mundo eonde tal integridade é possível – que normalmente não ignora tal liberdade, mesmo que veja que ela está a produzir resultados indesejáveis; (4) Deus sempre deseja o nosso bem maior, tanto individual como coletivamente, e, deste modo, é afetado pelo que acontece em nossas vidas; (5) Deus não possui conhecimento exaustivo de como exatamente utilizaremos nossa liberdade, embora ele possa, às vezes, ser capaz de prever com grande precisão as escolhas que faremos livremente.”4 Teísmo aberto representa então uma nova forma de enquadrar abertamente a relação de Deus com a realidade “supostamente” diferente dos dois principais paradigmas existentes: clássico e de processo.5

  1. Por Que Pavimentar Um Novo Caminho?

Olhando para a forma como os teístas abertos enquadram a noção de abertura, detecta-se um esforço, por um lado, para restringir, um pouco, o governo soberano de Deus, e, por outro lado, um desejo de aumentar a liberdade humana. Mas o que motiva este movimento por parte dos teístas abertos? Tendo em mente que a questão central na controvérsia é a interface entre a soberania divina e a liberdade humana, o teísmo aberto chegou à conclusão de que o teísmo tradicional não abre espaço para a verdadeira liberdade humana. Em outras palavras, o teísmo tradicional é considerado incapaz de integrar escolhas humanas reais, abertas e históricas livres. A liberdade humana está no centro desta controvérsia. Para teístas abertos, a verdadeira liberdade é a liberdade libertária, o poder de “escolher realizar a ação A ou optar por não realizar a ação A. Tanto A quanto não A poderiam ocorrer; o que realmente ocorrerá ainda não foi determinado” (ênfase acrescida).6 A liberdade libertária é um conceito poderoso porque significa que quando uma ação é realizada “os próprios agentes são as explicações finais da sua própria atividade livre . . . Portanto, não precisamos presumir que exista também uma razão divina que explique a sua ocorrência.”7 Para teístas abertos, então, “a liberdade libertária é incompatível com a afirmação de que a vontade de Deus é a explicação final para a escolha de alguém como fez.”8

Em suma, teístas abertos abrem um novo caminho porque sentem que a liberdade compatibilista (a visão clássica) não é liberdade genuína. A liberdade compatibilista diz que podemos harmonizar a visão de que Deus é a explicação final de tudo o que acontece, e, ao mesmo tempo, responsabilizar as pessoas pelas suas ações livres. Mas em que se baseia a crítica dos teístas abertos?

  1. Por Que A Visão Clássica da Liberdade é Criticada?

A visão clássica da liberdade humana é contestada como sendo irreal por causa da compreensão da natureza de Deus sustentada pelos teístas clássicos. O Deus do teísmo clássico, de acordo com os teístas abertos, é estático, insensível e indiferente. Uma vez que tal visão de Deus só pode permitir uma “relação Eu-Ele”, significa que Deus não deu aos humanos o “espaço para serem genuínos.”9 A visão clássica de Deus, alegam os teístas abertos, tem sua fonte na filosofia grega, não na Bíblia.10 Richard Rice fornece um resumo da essência do teísmo clássico afirmando que ele “não reflete fielmente o espírito da mensagem bíblica, apesar de apelar a numerosas declarações bíblicas.”11

Resumindo, a visão aberta valoriza muito a liberdade, que tem como premissa uma relação de troca mútua entre a divindade e a realidade. O Deus do teísmo clássico não pode realmente facilitar um relacionamento dinâmico, e, portanto, precisa ser criticado. Isto não ocorre apenas porque o teísmo clássico simplesmente não atende aos requisitos do teísmo aberto, mas, também, principalmente porque, de acordo com os teístas abertos, o teísmo clássico é helenístico e antibíblico.

  1. Por Que Os Teístas Clássicos Estão Preocupados?

Teístas clássicos estão preocupados com o que consideram ser o revisionismo dos teístas abertos por diversas razões. Primeiro, eles contra-argumentam que um teísmo aberto é infiel às Escrituras e dependente de uma filosofia inútil, especificamente o processo pensado por Alfred North Whitehead. Em particular, as seguintes redefinições do teísmo clássico pelo teísmo aberto são consideradas problemáticas: Deus é vulnerável e aberto ao fracasso de algumas das suas intenções; Deus, às vezes, se engana em suas crenças sobre o que acontecerá; Deus não é onipotente no sentido tradicional, e seus esforços, às vezes, são derrotados. Segundo, teístas clássicos estão preocupados com as imensas ramificações teológicas que as revisões de Deus acima terão: (1) na doutrina de Deus: uma vez que Cristo, como Deus encarnado, é a revelação mais completa de Deus, e os atributos de Cristo na terra refletem o caráter final do próprio Deus; (2) na soteriologia: visto que Deus não previu a queda da humanidade, Deus não planejou que Cristo morresse pelos pecados da humanidade; além disso, a cruz não é uma oferta penal; (3) na pneumatologia: uma vez que a obra de Deus é muitas vezes frustrada por agentes livres, e a capacidade de trabalho do Espírito Santo é afetada, etc. Em suma, um Deus finito, como o veem os teístas clássicos, é uma proposta arriscada para a teologia evangélica.121314

  1. Existem Dificuldades com Ambas As Posições?

O fenômeno verdadeiramente notável é como tanto o teísmo clássico como o teísmo aberto são capazes de acumular dados bíblicos para reforçar as suas respectivas visões de Deus.15 Este fenômeno nos aponta para a filosofia subjacente em ambas as posições. Geisler está correto ao observar que ambas as visões são baseadas em filosofias diferentes, embora os teístas abertos neguem a sua dependência da filosofia do processo. Seja como for, o problema com ambas as posições parece ser alguma incoerência entre as respectivas visões de Deus e as doutrinas consequentes. É difícil conciliar uma visão platônica de Deus com doutrinas bíblicas como a expiação de Cristo, a liberdade humana e a revelação-inspiração (visão clássica). Por outro lado, não é fácil definir uma doutrina bíblica da liberdade humana e de outras questões de interesse para os teístas abertos sem uma ontologia claramente definida na qual a sua doutrina de Deus se fundamenta.16 É por isso que a acusação de dependência da filosofia do processo parece plausível contra os teístas abertos. Que caminhos iremos tomar?

  1. Qual Deve Ser A Posição dos Adventistas do Sétimo Dia?

Vimos que a questão da liberdade é central na controvérsia analisada acima. Tornou-se bastante claro que a questão da liberdade conduz rapidamente à questão da natureza de Deus. Portanto, a principal questão colocada aqui é qual a posição dos adventistas sobre a natureza da liberdade humana. São os humanos realmente livres? Como isso se relaciona com a natureza de Deus? Adventistas do Sétimo Dia só podem se fundamentar sobre evidências bíblicas; e há evidências substanciais que apontam claramente para um Deus que conhece o passado e o futuro; Aquele que realmente sabe como o futuro irá se desenrolar (Dn 2, 7, 8; Ap 12–14 etc.). O tema do Grande Conflito Adventista cai por terra sem pressupor esse tipo de Deus. Ao mesmo tempo, a Bíblia aponta substantivamente para a responsabilidade humana e para a prestação de contas pelas ações tomadas, o que implica que essas ações foram tomadas em liberdade (At 5:4). Evidentemente existem evidências que parecem apontar na direção do controle estrito de Deus sobre os acontecimentos; mas é importante levar em consideração o quadro completo apresentado nas Escrituras. Caso contrário, o texto bíblico estará sujeito a fatores filosóficos predisponentes.

Adventistas podem creer tanto na providência divina e soberana quanto na genuína liberdade humana (como vemos na Bíblia, por exemplo, em Gênesis 45:5–8) sem contradição. Podemos fazer isso porque não somos obrigados a refratar o Deus bíblico através das lentes de um conceito grego atemporal, em virtude do qual o pensamento e a ação seriam inseparáveis. A presciência divina não precisa excluir a liberdade humana; não se excluirmos a intemporalidade divina. Este é o dilema do teísmo clássico. Ao mesmo tempo, podemos endossar ações humanas genuínas e livres sem sucumbir ao aparente deus finito do pensamento processual. O Deus bíblico não precisa estar em processo para ser dinâmico, sensível e responsivo. Ele aparece na Bíblia como transcendente e imanente.

Então, Como Adventistas Devem se Posicionar? Nas questões entre o teísmo clássico e o teísmo aberto, tal como em todas as outras questões, deveríamos permanecer no fundamento bíblico, sem quaisquer conjecturas filosóficas.


Notas

1 Durante a convenção anual de Novembro de 2002 da Sociedade Teológica Evangélica (Toronto, Canadá), um membro fundador da sociedade desafiou o estatuto de membro dos Drs. Clark Pinnock e John Sanders com base em suas visões teístas abertas. Outros rótulos para esta proposta teológica incluem : “visão aberta de Deus”, “abertura de Deus”, “neoteísmo”, “teísmo do livre-arbítrio”, “teísmo do amor criativo”, “teísmo relacional” e “arminianismo consistente”.

2 Ver “Open Theism” Wikipedia, The Free Encyclopedia at http://en.wikipedia.org/wiki/Open_theism.

3 Citado do site de Boyd em Glenn R. Wittig, “Open Theism: A Selective and Annotated Bibliography,” Criswell Theological Review 1/2 (2004):215. Outros notáveis ​​proponentes importantes do teísmo aberto incluem David Basinger, William Hasker, Clark Pinnock, Richard Rice e John Sanders; ver ibid., 216.

4 David Basinger, “Practical Implications,” em The Openness of God: A Biblical Challenge to the Traditional Understanding of God, edited by Clark Pinnock et al. (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1994), p. 156.

5 Teístas abertos negam que a visão de Deus que apresentam seja moldada pelos princípios da filosofia do processo. Contudo, na medida em que a teologia do processo, derivada da filosofia do processo, é amplamente utilizada para descrever qualquer teologia que enfatize uma relação ativa, contínua e dinâmica entre “Deus” e a criação, mas limita Deus de uma forma ou de outra, a diferença entre teologia do processo e teísmo aberto parece confusa. Tecnicamente, porém, a filosofia do processo, iniciada por Alfred North Whitehead, emprega uma metodologia empírica, isto é, naturalista. Desta perspectiva, a teologia do processo pode ser distinguida do teísmo aberto. Teísmo aberto afirma descobrir a relação de Deus com toda a realidade a partir da Bíblia, em vez de a partir da filosofia.

6 David Basinger, “Middle Knowledge and Classical Christian Thought,” Religious Studies 22 (1986), p. 416.

7 Gregory Boyd, Satan and the Problem of Evil: Constructing a Trinitarian Warfare Theodicy (Downers Grove, Il: InterVarsity Press, 2001), p. 19.

8 Mark R. Talbot, “True Freedom: The Liberty that Scripture Portrays as Worth Having,” em Beyond Bounds, editado por John Piper, Justin Taylor e Paul K. Helseth (Wheaton, IL: Crossway Books, 2003), p. 80.

9 Ibid., p. 81.

10 Para uma reflexão concisa sobre a crítica do teísmo aberto, ver Chad O. Brand, “Genetic Defects or Accidental Similarities? Orthodoxy and Open Theism and Their Connections to Western Philosophical Traditions, em Beyond Bounds, editado por John Piper, Justin Taylor e Paul K. Helseth (Wheaton, IL: Crossway Books, 2003), pp. 43–73.

11 Richard Rice, “Biblical Support for a New Perspective,” em The Openness of God: A Biblical Challenge to the Traditional Understanding of God, editado por Clark Pinnock et al. (Downers Grove, IL: InterVarsity Press, 1994), p. 15. A essência do teísmo clássico delineado por Rice inclui: a vontade de Deus é a explicação final para tudo o que acontece; sua vontade soberana é irresistível; nada pode frustrar ou impedir o cumprimento de seus propósitos; sua relação com o mundo é de domínio e controle; a imutabilidade é uma de suas características centrais; ele é atemporal e totalmente imutável em sua natureza, planos e intenções; e o passado, o presente e o futuro aparecem diante dele. Ibid., pp. 12–15.

12 Norman L. Geisler, Thomas Aquinas: An Evangelical Appraisal (Grand Rapids: Baker, 1991), pp. 21–22, observa que “Tomás de Aquino pode fornecer uma resposta filosófica à crescente influência do deus finito da teologia do processo. Não existe melhor sistema filosófico capaz de responder à ameaça levantada pela teologia do processo e defender a visão teísta e bíblica tradicional de Deus como um ser eterno, imutável e absolutamente perfeito.”

13 Robert E. Picirilli, “An Arminian Response to John Sanders’ The God Who Risks,” JETS 44 (2000):483.

14 Ver A. Boyd Luter e Emily H. McGowin, “From Bad to Worse,” Criswell Theological Review 1/2 (2004):150–166.

15 Para textos de apoio ao teísmo aberto, ver Rice, pp. 12–15; para textos a favor do teísmo clássico, ver Norman Geisler, Creating God in the Image of Man? The new “Open” View of God—Neotheism’s Dangerous Drift (Minneapolis: Bethany, 1997), pp. 75–91.

16 Ver Fernando Canale, “Evangelical Theology and Open Theism,” Journal of Adventist Theological Society 12/2 (2001): 27–30.

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