O Centro da Aqedah

O CENTRO DA AQEDAH

UM ESTUDO DA  ESTRUTURA LITERÁRIA DE GÊNESIS 22:1-19[1]


Por Jacques Doukhan

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Jacques Doukhan é Professor de Hebraico, Professor de Exegese do Antigo Testamento e Diretor do Instituto de Estudos Judaicos-Cristãos na Andrews University. Autor de diversos livros como “The Mystery of Israel,” “On the Way to Emmaus”, “Israel and the Church;” escreveu, também, a Lição da Escola Sabatina de Provérbios do 1º Trimestre de 2015.


Tradução: Hugo Martins.

Tradução do artigo publicada com autorização expressa do autor. O original, em inglês, pode ser acessado no site do repositório da Andrews University.


A história da interpretação da Aqedah (Gn 22:1-19)[2] revela, como Claus Westermann coloca, “uma antítese, que continua até os dias de hoje, a qual deve ser considerada.”[3] Há duas principais linhas de pensamento concernentes ao clímax e ao significado desta passagem do Antigo Testamento.

A abordagem religiosa (como exemplificada no Talmude, nos rabinos medievais,[4] nos pais da igreja, nos reformadores e nos críticos modernos[5]) tem, tradicionalmente, enfatizado o fim da estória. Nesta abordagem, o sacrifício de Isaque é importante em testemunhar a salvação de Deus, ou, para aqueles que leem a estória como uma saga etiológica, a importância é que, supostamente, explica a origem dos sacrifícios de animais ou o local para o templo.[6] Neste caso, a ênfase é posta sobre o elemento religioso da estória.

Em contraste, a abordagem poética ou filosófica (como representada nos poetas clássicos, místicos medievais e em filósofos como Immanuel Kant, Søren Kierkegaard, Pierre Emmanuel e E. L. Fackenheim[7]) tendem a enfatizar o início da estória, trazendo-a, então, para o patamar humano. Nesta abordagem, o sacrifício de Isaque é importante em testemunhar a condição humana com suas questões angustiantes surgidas em meio a um vazio existencial. Como R. Couffignal nota, o que está, aqui, enfatizado é “o drama do coração humano em vez do propósito [iteração] de Deus.”[8]

Estas divergências de interpretações – divergências que têm graus variados de discordâncias – requerem um novo esforço exegético com o propósito de encontrar, no próprio texto, a localização de seu clímax.

Se o significado da Aqedah, primordialmente, depende sobre onde a ênfase é posta, é importante analisar a estrutura do texto com a finalidade de determinar o clímax e a orientação que é, assim, trazida à luz. Cerca de trinta anos atrás, Y. T. Radday observou que Gn 22:1-19 está estruturado em forma de quiasmo.[9] O essencial sobre este quiasmo pode ser apresentado de forma abreviada, do seguinte modo:

A1  vv. 1-2. A palavra de Elohim (“eis-me aqui,” “teu único filho,” “oferece-o em holocausto”)

B1  vv. 3-6. Ações (“tomou,” “rachou lenha,” “o lugar que Deus lhe havia indicado,” “e a colocou,” “o cutelo”)

C vv. 7-8. Diálogo

B2  vv. 9-10. Ações (“tomou,” “rachou lenha,” “o lugar que Deus lhe havia indicado,” “e a colocou,” “o cutelo”)

A2  vv. pp. 11-19. A palavra de YHWH (“eis-me aqui,” “teu único filho,” “e o ofereceu em holocausto”)

Radday sugere que o clímax do quiasmo se encontra nos vv. 7-8, a seção do texto designada como C. O restante tem como paralelo ou seções correspondentes A1 com A2 e B1 com B2. A proposta de Radday aparenta ser fundamentalmente válida. Sua demonstração, entretanto, figura-se deficiente. Os limites do e dentro do quiasmo, que justificam o modelo das cinco seções, não têm, ainda, sido tão bem fundamentados.  Em adição, Radday justificou o quiasmo baseando-se apenas em ecos de termos e expressões, muitos dos quais sua tabela sobrepõe outras seções. Por exemplo, os termos “montes,” “rapaz,” “voltaremos” e as frases “levantou-se, e foi [ACF]” e “levantou … os seus olhos, e viu” são encontradas tanto em B1 como em A2.

Juntamente com as linhas gerais indicadas por Radday, este estudo provê uma análise mais aprofundada do texto. Sendo assim, segue a narrativa em sua forma final[10] em preferência a explorar a história das fontes e as tradições por detrás dela.[11] Minha intenção é determinar a organização e os limites do texto representados no quiasmo por outras evidências em adição aos ecos dos termos e expressões. Ao investigar potenciais paralelos entre as seções correspondentes A1/A2, B1/B2 (e até mesmo dentro de C [a1/a2 e b1/b2]), serei atencioso para com as características estilísticas do texto, tais como a regularidade do movimento e a repetição de ideias. Desta análise “sincrônica”, sugerirei implicações em relação a não apenas a interpretação do texto,[12] mas, também, ao mecanismo “diacrônico” de sua estrutura complexa.[13]

  1. O Diálogo entre Deus e Abraão (A1//A2)

O diálogo entre Deus e Abraão nos vv. 1-2 (A1) e nos vv. 11-19 (A2) usa quatro temas comuns de forma paralela e em uma linguagem em que cada um ecoa ao outro:

  1. O Chamado de Deus
  2. A resposta de Abraão, hinnēnî
  3. Ordem concernente ao filho
  4. Ordem concernente a Abraão

Estes quatro temas comportam-se da seguinte maneira:

  1. O chamado de Deus é descrito em A1 e A2 nos termos em comum wayyō’mer

 ’ēlāyw: ’aḇrāhām. Entretanto, assim como em A1 é ’Elōhîm quem fala, em A2 é o anjo de YHWH que se dirige a Abraão, com um grito, wayyiqrāʾ e um duplo chamado, ’aḇrāhām ’aḇrāhām.

  1. A resposta de Abraão é a mesma em A1 como em A2: wayyō’mer hinnēnî.
  1. A ordem concernente ao filho está, também, descrita com uma linguagem

similar, mas, aqui, é a linguagem que traz um contraste.  Tanto em A1 e A2 a ordem está relacionada ao sacrifício e contém dois passos. Em A1 a ordem dada é tomar e sacrificar e em A2 é para não pôr a mão sobre o sacrifício estipulado (Isaque) e não fazer nada. Assim, enquanto em A1 a ordem é positiva, em A2 a ordem é negativa. Além do mais, tanto em A1 e A2 a vítima é designada como “teu único filho”; contudo, enquanto em A1 a vítima é especificamente chamada de “Isaque, a quem amas,” em A2 a vítima é identificada apenas como “o rapaz” (hanna‘ar). Indo mais além, tanto em A1 como em A2 o lugar do sacrifício é descrito como uma montanha (har); mas, desde que em A1 ainda não estava a vista e nem mesmo é chamada pelo nome (’ahad heḥarîm ’ªšer ’ōmar ’ēlêḵā, v. 2.), em A2 a montanha é vista (wayyar’, v. 13) e, também, é chamada pelo nome (yē’āmēr, v. 14).

  1. Na ordem concernente a Abraão, o contraste é também, evidente. Em A1 o leḵ leḵā é trágico: Abraão recebe a ordem para ir e sua partida carrega em si um sacrifício de suas esperanças, expectativa e perspectivas para o futuro, porquanto resultaria (até onde ele podia entender no momento) na morte de seu único herdeiro, Isaque.[14] Em A2 por outro lado, a parte correspondente do leḵ leḵā revertera-se em uma bênção que é ouvida como uma promessa de um futuro glorioso. Portanto, o leḵ leḵā em A1 é posto em paralelo com a segunda declaração feita pelo Anjo de YHWH e que diz respeito a bênção de Abraão. A razão para esta conexão não é, de pronto, óbvia, desde que é indireta. Depende, de fato, de uma alusão comum a bênção proferida em Gn 12:1-3, e, merece, portanto, um tratamento diferenciado.

A expressão leḵ leḵā em A1 aponta para Gn 12:1, não apenas porque este é o único outro texto bíblico que usa a mesma expressão,[15] mas, também, em ambas as passagens a expressão introduz uma sequência temática em três partes paralelas[16]: (1) a ordem para deixar o lugar (o termo em comum é ’eres), seguida pela (2) instrução de ir até o lugar indicado por Deus (os termos em comum são ’el’ªser) e pela (3) ordem de sacrificar o herdeiro da família (“teu filho” em Gn 22, “casa de teu pai” em Gn 12).

Semelhantemente, a bênção de A2 ecoa ao texto de Gn 12:1-3 pela mesma associação de três temas em comum: (1) a promessa de fazer de Abraão um grande povo (rbh, “grande,” em Gen 22; gdl, “grande,” em Gn 12; zera’, “descendência,” em Gn 22; goy, “povo,” em Gen 12; também, em ambas as passagens, o mesmo sufixo pronominal ḵā referindo-se a Abraão), seguida pela (2) bênção de Abraão (o termo em comum é ’ªḇāreḵkā, te abençoarei) e (3) e a bênção de todos os povos por meio dele (um termo em comum é brḵ [Nifal em Gn 12 e Hitpael em Gn 22]; a mesma fórmula kol + b + ḵā refere-se a Abraão e há, também, expressões correlacionadas gôyê hā’āreṣ [povos da terra] em Gn 22 e miṣpḥōt hā’ªḏāmāh [famílias da terra] em Gn 12).

  1. A Caminhada de Abraão (B1//B2)

Tanto em B1 (vv. 3-6) como em B2  (vv. 9-10) do quiasmo na Aqedah, a caminhada de Abraão é descrita em termos similares e segue uma progressão em quatro seções idênticas. Uma vez mais, todavia, encontramos um contraste entre os dois cenários. As quatro seções em sequência são as seguintes: (1) mover-se para o lugar indicado por Deus (em B1 há a partida, em B2 há a chegada), (2) conexão entre a lenha e Isaque (em B1 a lenha é colocada sobre Isaque, em B2 Isaque é colocado sobre a lenha), (3) o cutelo segurado na mão (em B1 há fogo, em B2 não há fogo) e (4) o refrão “caminhavam ambos juntos” (em B1 ocorre na seção da Conclusão, em B2 aparece na seção da Introdução).

  1. O Diálogo entre Abraão e Isaque (C)

O diálogo entre Abraão e Isaque, como contido nos vv. 7-8, constitui o ponto central da seção C no quiasmo. O diálogo está inserido entre as expressões estilísticas wayyēleḵû šenêhem yaḥdāw (e caminhavam ambos juntos) e está articulado em conexão com as cinco ocorrências de ’mr. Essas ocorrências, além disso, moldam-se em uma estrutura do tipo quiástico que pode ser designada como a1 b1 c b2 a2. Esta estrutura está demonstrada logo abaixo:

a1 Isaque disse a Abraão, seu pai

b1 Meu pai!

c Respondeu Abraão: Eis-me aqui, meu filho!

b2 Perguntou-lhe Isaque: Eis o fogo e a lenha, mas onde está o cordeiro para o holocausto?

a2 Respondeu Abraão: Deus proverá para si, meu filho, o cordeiro para o holocausto.

As correspondências podem ser sumarizadas como a seguir: Tanto em a1 como em a2, ocorre um silêncio. No primeiro ’mr de Isaque a fala é, então, interrompida. O texto diz wayyō’mer e nada acontece. Há um silencia estarrecedor. O último ’mr de Abraão pode, também, ser visto como um silêncio, desde que tem este tipo de efeito em relação a questão específica perguntada por Isaque, “Eis (hinnēh) o fogo e a lenha, mas onde está o cordeiro para o holocausto?”[17] Supõe-se que na resposta de Abraão houvesse um eco a pergunta de Isaque pelo uso de um outro hinnēh (aqui), que introduziria a vítima a ser sacrificada. Além do mais, para todas as questões que estão direcionadas a Abraão, se vindas da parte de Deus (vv. 1, 11), ou da parte de Isaque (v. 7), Abraão sempre responde hinnēh, exceto neste caso. Aqui, em vez de hinnēh, Abrão coloca ’Elōhîm (v. 8).

A construção sintática desta frase, ademais, fundamenta esta observação. O sujeito ’Elōhîm vem antes do verbo yir’eh, contrário à tendência geral que coloca sujeito após o verbo, especialmente se o verbo está na forma imperfeita.[18] A razão para esta irregularidade é, naturalmente, a intenção de enfatizar ’Elōhîm, mas evidencia, também, um interesse estilístico ao relacionar a resposta de Abraão em a2 com a pergunta de Isaque em b2:

– “Perguntou-lhe Isaque” (b2) corresponde a “Respondeu Abraão” (a2).

– “Eis o fogo e a lenha” (b2) corresponde a “’Elōhîm” (a2)

– “Onde está o cordeiro para o holocausto?” (b2) corresponde a “Deus proverá para si, meu filho, o cordeiro para o holocausto” (a2).

Há correspondência entre b1 e b2, em que ambas são perguntas feitas por Isaque. A questão em b1 está implícita no termo āḇî (pai). Não é apenas um clamor ao pai e um lembrete da relação entre pai e filho, mas, também, é, essencialmente, uma pergunta que ainda não foi respondida e nem pode ser tratada facilmente. A pergunta em b2, por outro lado, é explícita: “onde está o cordeiro … ?” Finalmente, c contém a única resposta de Abraão, que é, de fato, uma resposta: hinnennî.

  1. O Movimento Literário no Quiasmo

Dois aspectos do movimento literário no quiasmo de Gn 22:1-19 merecem atenção aqui. Estes estão relacionados com o diálogo na estória e com um refrão repetido por três vezes.

Movimento Literário do Diálogo

É na seção central deste quiasmo (seção C, vv. 7-8) que o diálogo alcança sua intensidade máxima. Das dezessete ocorrências do verbo ’mr que articulam o diálogo, cinco são encontradas aqui. O restante está igualmente distribuído, seis vezes antes dos vv. 7-8 e seis vezes após os vv. 7-8. Esta distribuição de ’mr é significante e reforça a conclusão a que já temos chegado, por outras vias, ao resultado que o diálogo na seção C, de fato, representa o clímax da narrativa. Como tal, esses diálogos ganham uma significância adicional, identificando, portanto, o clímax e a mensagem central da Aqedah.

O Movimento Literário do Refrão

É significante, também, que os limites desta seção central estão claramente definidos pelo uso da expressão estilística wayyēleḵû šenêhem yaḥdāw em Gn 22:6 e 22:8. A primeira dessas ocorrências molda a conclusão para a seção B1 e a segunda é a declaração introdutória para a seção B2. Portanto, a expressão delimita a seção C em uma estrutura de invólucro ou inclusio.

A porção essencial da expressão também ocorre no v.19, sendo que as três ocorrências constituem um refrão exibindo um ritmo bem marcado. No v. 19, a expressão šenêhem (ambos juntos) não é mais usada, mas esta omissão não é, como muitos têm sugerido, uma indicação da ausência de Isaque.[19] Em vez disso, serve para indicar que Abraão, agora, tinha se juntado aos seus servos (havia, agora, mais do que duas pessoas). Esta terceira partida de Abraão é a última da narrativa e implica na presença dos servos novamente.

Esse movimento de retorno está, também, sugerido por alguns outros ecos. Um deles é wayyāšoḇ ’el-ne‘ārāyw do v. 19, ecoando wenāšûḇāh alêḵem do v. 5 (o verbo šûḇ não é mencionado em nenhum outro lugar do texto). Semelhantemente, o wayyāqumû do v. 19, que descreve os movimentos dos servos para levantarem e irem para junto de Abraão (ou Abraão e Isaque), está correlacionado a ordem de Abraão para ficarem še ḇû-lāḵem pō (quando ele e Isaque estavam indo um pouco mais longe).

A expressão no v. 19 wayyēleḵû yaḥdāw é, então, uma réplica das duas outras expressões comparáveis nos vv. 6c e 8. Mas enquanto no v. 19 este refrão marca apenas o fim da seção, nos vv. 6c e 8 a expressão marca o fim de uma seção e o início de uma outra, sugerindo a progressão em três passos.

Há uma outra diferença no modo em que esta frase está situada no verso. Enquanto estas primeiras duas ocorrências de wayyēleḵû šenêhem yaḥdāw estão, ainda, contidas nos verbos em que elas concluem e estão separadas por um Atnakh, a terceira ocorrência de wayyēleḵû yaḥdāw, no v. 19, é percebida na cantilena do texto massorético logo após o Tevir como uma retomada do início do v. 19, wayyāšoḇi ’āḇrāhām, isto é, como a introdução do último verso. Em outras palavras, os primeiros dois refrãos marcam a conclusão dos respectivos últimos versos, enquanto o terceiro refrão marca a introdução do verso final da Aqedah. Essas diferenças de função e posição podem ser explicadas pelo fato que o último refrão marca não apenas o fim de uma seção, como fazem os outros dois, mas, também, conclui o texto inteiro. A caminhada de Abraão os levam até Berseba, o mesmo lugar que ele tinha começado a sua jornada para Moriá (ver Gn 21:32-34, os versos logo antes do início do nosso texto). [20]

Deveríamos, também notar, novamente, que esta expressão, literalmente, molda, em forma de inclusio, o diálogo dos vv. 7-8.[21] Portanto, confirma, mais uma vez, que esta passagem é, de fato, o coração do nosso texto.

Tabela Sintética da Estrutura Literária

 Gn 21:31 – 22:1, Prelúdio: Berseba, tema do retorno (šûḇ).

“Depois dessas coisas” (wayehî ’aḥar haddeḇārîm hā’ēlleh)

A1 vv. 1-2. Diálogo: Deus (Elōhîm) e Abraão

a. O Chamado de Deus

b. A resposta de Abraão, hinnēnî

c. Ordem / Abraão

d. Ordem / o filho, a montanha a ser mostrada

6 ’mr

B1 vv. 3-6. A Caminhada de Abraão

a. Partida

b. A lenha sobre Isaque

c. Levava nas mãos o fogo e o cutelo

d. “Caminhavam ambos juntos.”

wayyēleḵû šenehêm yaḥdāw

C vv. 7-8. Diálogo: Abraão e Isaque

a1.  Silêncio

b1. Pergunta

c. Resposta, hinnēnî                                                                                                 5 ’mr

b2. Pergunta

a2.  Silêncio

                     wayyēleḵû šenehêm yaḥdāw

B2 vv. 9-10. A Caminhada de Abraão

d. “Caminhavam ambos juntos.”

a. Chegada

b. Isaque sobre a lenha

c. Estendendo a mão, tomou o cutelo

6 ’mr

A2 vv. 11-19. Diálogo: Deus (O Anjo de YHWH) e Abraão

a. O Chamado de Deus

b. A resposta de Abraão, hinnēnî

d. Ordem / o filho, montanha designada

c. Benção

wayyēleḵû šenehêm yaḥdāw

 Gn 22:19-20, Poslúdio: Berseba, tema de retorno (šûḇ),

“Depois dessas coisas” (wayehî ’aḥar haddeḇārîm hā’ēllh)

  1. Conclusão e Implicações

A análise literária acima referida do texto da Aqedah leva a conclusão que o cerne do texto, a seção C, está localizado nos vv. 7-8. Isto está, então, demonstrado pela (1) estrutura quiástica A1 B1 C B2 A2 a qual os versos vv. 7-8 serve como o centro da narrativa; (2) a concentração ’mr destes versos; e (3) a modelagem dos vv. 7-8 pela frase estilística wayyēleḵû šenehêm yaḥdāw na forma de uma “estrutura em invólucro” ou na forma de um inclusio.

Esta análise estrutural do texto de Gn 22:1-19 indica, de fato, que a ideia central da estória concerne o diálogo trágico entre Abraão e Isaque. Agora, se o “apogeu do quiasmo” é a mensagem central e contém, como Robert Alden coloca, uma “sinopse capsular,” é possível que tenha sido composta de centro pra fora de acordo com o processo concêntrico.[22] Este tema seria, então, “o tema primário” pelo qual Roland de Vaux estava em busca, aquele do qual outros tema derivam-se.[23] O mecanismo diacrônico por este meio sugerida, na medida em que pôde haver tal processo aqui, indica que o significado é para ser inferido a posteriori, do evento principal[24] (que ainda não tem qualquer significado) e não o reverso, como é ensinado na interpretação religiosa tradicional e nas interpretações filosóficas e críticas? Contrariamente a estas interpretações,[25] que tendem a colocar a ênfase sobre o patamar da resposta final, a estrutura do texto sugere que a ênfase, aqui, está primariamente sobre as questões humanas e o silêncio no centro.[26] Mais importante do que a resposta ou a solução, neste caso, seria a questão sem resposta e o silêncio aberto do ser humano vivenciando o evento.


Notas de Fim

[1] Está é uma versão revisada de um documento lido no Encontro Internacional da Sociedade de Literatura em Viena, Áustria, em julho de 1990.

[2]O termo “Aqedah” (amarra) da raiz ‘qd (amarrar) é uma designação judaica tardia que carrega alusões aos sacrifícios levíticos (em Gn 22:19 aparece apenas o verbo); tornou-se uma expressão técnica para referir-se ao texto de Gn 22:1-19 e para a estória do sacrifício de Isaque. Sobre o uso deste termo, ver S. Spiegel, The Last Trial, trad. J. Goldin (New York: Pantheon Books, 1967), xix-xx; P. R. Davies e B. D. Chilton, “The Aqedah: A Revised Tradition History,” CBQ 40 (1978): p. 514. Para um estudo da história da interpretação, ver S. Kreuzer, “Das Opfer des Vaters –die Gefährdung des Sohnes– Genesis 22,” Amt und Gemeinde 37 (July-August 1986): pp. 62-70.

[3] Claus Westermann, Genesis 12-36: A Commentary, trad. John J. Scullion (Minneapolis, MN: Augsburg, 1985), pp. 353-354.

[4] See Y. Ta‘anit, 2:4 (65d); cp. Aharon Agus, The Binding of Isaac and Messiah [New York: State University of New York, 1983), p. 60; Miqra’ot Gedolot, ad loc.

[5] Robert Martin-Achard, Actualité d’ Abraham (Neuchâtel: Delachaux et Niestlé, 1969), p. 80.

[6] Ver, e.g., A. George, “Le sacrifice d’ Abraham,” Etudes de critique et d’histoire religieuse 2 (1948): pp. 99-110, e H. Gunkel, Genesis, Handkommentar zum Alten Testament (Göttingen: Ruprecht, 1969), ad loc

[7] Ver, e.g., Robert Couffignal, L’épreuve d’Abraham; le récit de la Genese et sa fortune littéraire (Toulouse: Association des Publications de l’Université de Toulouse, 1976), pp. 35-55; Immanuel Kant, Religion within the Limits of Reason Alone, trad. T. M. Greene e H. H. Hudson (New York: Harper, 1960), p. 175; Søren Kierkegaard, Fear and Trembling: A Dialectical Lyric, trad. com introdução e notas por Walter Lowrie (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1941); Pierre Emmanuel, Jacob, 2ª ed. (Paris: Le Seuil, 1970) e Emil L. Fackenheim, Encounters between Judaism and Modern Phi1osophy: A Preface to Future Jewish Thought (New York: Basic Books, 1973). Sobre poesia hebraica moderna, ver Glenda Abramson, “The Reinterpretation of the Akedah in Modem Hebrew Poetry,” Journal of Jewish Studies 41 (Spring 1990): pp. 101- 114 e Michael Brown, “Biblical Myth and Contemporary Experience: The Akedah in Modem Jewish Literature,” Judaism 31 (Winter 1982): pp. 99-111.

[8] Couffignal, 55.

[9] Yehuda T. Radday, “On the Chiasm in the Biblical Story estória” (in Hebrew), Beth Mikra 20-21 (1964): p. 66.

[10] Cp. Erich Auerbach, Mimesis: The Representation of Reality in Western Literature, trad. Willard Trask (Garden City, NY: Doubleday, 1953), p. 20.

[11] Sobre este assunto, ver Jean-L. Duhaime, “Le sacrifice d’Isaac (Gn 22, 1-19): l’héritage de Gunkel,” Science et Esprit 2 (1981): pp. 139-156; Sean E. McEvenue, “The Elohist at Work,” ZAW 96 (1984): pp. 315-332 e Hans-Christoph Schmitt, “Die Erzãhlung von der Versuchung Abrahams Gen 22, 1-19 und das Problem einer Theologie der elohistischen Pentateuchtexte,” Biblische Notizen 34 (1986): 82-109.

[12] Cp. Phyllis Trible, “The Phenomenon of Repetition Is Important for Understanding the Structure, Content and Meaning of Hebrew Narratives,” em Genesis 22: The Sacrifice of Sarah, Gross Memorial Lecture 1989 (Valparaiso, IN: Valparaiso University, 1990), p. 17.

[13] Sobre a metodologia de “sincrônica” para “diacrônica,” ver, especialmente, Gérald Antoine, Exegesis: Problems of Method and Exercises in Reading (Genesis 22 and Luke 15), ee. François Bovon and Grégoire Rouiller, trad. Donald G. Miller (Pittsburgh: Pickwick Press, 1978).

[14] Ver Hershel Shanks, “Illuminations: Abraham Cut Off from His Past and Future by the Awkward Divine Command ‘Go You!”‘ BREV 3 (1987): pp. 8-9.

[15] Cp. R. Rendtorff, Das Überlieferungsgeschichtliche Problem des Pentateuch, BZAW 147 (Berlin: Walter de Gruyter, 1977), p. 59.

[16] Para uma discussão da correlação entre estas duas passagens, ver Jonathan Magonet, “Abraham and God,” Judaism 33 (Spring 1984): pp. 160-170; cp. Radday, p. 67 e Gerhard von Rad, Genesis: A Commentary, vol. 1, rev. ed., trad. John H. Marks (Philadelphia: Westminster Press, 1961), p. 239.

[17] Cp. Trible, 6: “Dizer que Deus proverá, para si, o cordeiro, foge do padrão, ao menos por uma vez.”

[18] Ver Bruce K. Waltke and M. O’Connor, An Introduction to Biblical Hebrezu Syntax (Winona Lake, IN: Eisenbrauns, 1990), p. 129.

[19] Ver, e.g., Norman J. Cohen, “Heeding the Angel’s Cry: A Modern Midrashic Reading of Abraham’s Life,” Journal of Reform Judaism 30 (Summer 1983): pp. 1-15; James Crenshaw, “Journey into Oblivion: A Structural Analysis of Gen 22:1-19,” Soundings 58 (Summer 1975): pp. 243-256.

[20] Ver Westermann, p. 364.

[21] Ver ibid., p. 359; também, Trible, p. 5.

[22] R. L. Alden, “Is the High Point of a Psalm’s Chiasmus the Point of the Psalm?” Um documento lido no Encontro Anual da Sociedade de Literatura Bíblica, Chicago, IL, November 1988.

[23] Roland de Vaux, Histoire ancienne d’Israël (Paris: Gabalda, 1971), p. 270.

[24] A respeito desta ênfase no evento principal e a ação em Gn 21-19, ver Auerbach, p. 19.

[25]Uma outra implicação desta estrutura literária é que mostra paralelos significativos entre as respectivas seções A1 B1 e A2 B2, sugerindo, assim, uma concisa unidade literária do texto.   Cp. Westermann, p. 355: “Esta é a razão pela qual não acho que seja possível separar o texto em dois estratos … Cp., também, John Van Seters, Abraham in History and Tradition (New Haven, CT: Yale University Press, 1975).

[26] Sobre a importância do silêncio na Aqedah, ver O. Rodenberg, “Der Opfergang. Gen.22:1-14,” Theologische Beitrage 9 (1978): pp. 138-143; cp. Trible, 22, “Silence Speaks … Silence Shouts,” p. 56 e Bovon, p. 423, “A convocação de Abraão e seu filho está compreendida sobre os alicerces da esterilidade, da so solidão e do silêncio.”  Cp. E. A. Speiserque chama esta passagem no centro do texto de “o silêncio mais comovente e eloquente do toda a literatura” (Genesis, AB [Garden City, NY: Doubleday, 1978], p. 165).

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