Como Estudar um Texto dos Manuscritos do Mar Morto: Uma Nova Abordagem (Parte 2 de 4)

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Como Estudar um Texto dos Manuscritos do Mar Morto: Uma Nova Abordagem


Lawrence Schiffman

Lawrence H. Schiffman é Professor de Hebraico e de Estudos Judaicos na New York University e Diretor do Global Institute for Advanced Research in Jewish Studies. O Professor Schiffman é especialista em Manuscritos do Mar Morto e fez parte do grupo internacional de estudiosos que prepararam uma ampla publicação dos Manuscritos em 1991. Autor de diversos artigos e livros com destaque para “From Text to Tradition, A History of Judaism in Second Temple and Rabbinic Times”.


Tradução: Hugo Martins.

Tradução do artigo publicada com autorização expressa do autor. O original, em inglês, pode ser acessado no site oficial do autor .


Um dos problemas que muitos de nós sentimos acerca de quem entrou na pesquisa de campo dos manuscritos, após o trabalho dos grandes destaques da primeira geração, é que o trabalho dos eruditos prímevos e pioneiros tem, essencialmente, estagnado, tendo, essencialmente, se deparado com uma barreira metodológica. Isso, a propósito, é porque a pesquisa, de fato, parou. Estamos acostumados a encarar a crise que afetou a pesquisa dos manuscritos como uma cessação do processo de publicação e um cerceamento concomitante do material às pessoas de fora. Cada erudito tem vindo com sua (eu me incluo) própria experiência acadêmica, normalmente uma formação “clássica” em AT, NT ou arqueologia e cada um, simplesmente, derivou as conclusões de seu estudo dos Manuscritos que fluíam de seus conhecimentos intelectuais individuais. Foi nesse contexto que critiquei e cunhei o termo “Cristianização dos Manuscritos”, desde que os eruditos dessa geração não tinham meios de corrigir os preconceitos intelectuais naturais de suas próprias tradições religiosas, em sua maioria, católicos e protestantes. Quando penso acerca deste problema a partir de uma longa retrospectiva, compreendo que os esforços de nossos homólogos em aprender as especialidades de outros pela coorte dos Manuscritos; eruditos de minha geração mantiveram, implicitamente, um criticismo silencioso desse tipo de pesquisa. Então, eruditos judeus tiveram estudos sobre o Novo Testamento, cristãos aprenderam acerca das Tradições Rabínicas e todos começaram a produzir um conjunto de informações, dados e capacitações muito mais amplos, dando um suporte maior, assim, aos materiais que estávamos estudando.

O que torna esta abordagem mais aberta e equilibrada é como instruímos nossos estudantes hoje e como nos relacionamos com uma vertente de grandes realizações no final do século 20 e começo do século 21 no estudo dos manuscritos. Uma das mais importantes realizações do nosso campo pode ter sido a maior importância dada aos termos metodológicos, e deveríamos ter muito orgulho disso. Ensinamos e corrigimos uns aos outros e, a despeito da natureza controversa singular de nosso campo, novatos que se juntam a nós, realmente, sentem o amor que temos (sem ironias) uns pelos a outros. A parte mais gratificante de tudo isso é ver como os novos pesquisadores que buscam se especializar são bem-vindos ao grupo e como eles são encorajados e apoiados coletivamente quando concluem seus graus acadêmicos, compartilham desta pesquisa e começam suas atividades profissionais. Temos que ter muito orgulho disso. Mas, a despeito desta abertura e progresso, ainda não instruímos nossos estudantes, fazemos nossas pesquisas, publicamos nossos livros ou realizamos nossas conferências (até agora) com as disciplinas normalmente consagradas no meio acadêmico em mente.

Não me entenda mal. Não estou, de modo algum, sugerindo que abandonemos este modelo. Mas acho que temos muito mais a ganhar pensando no modo o qual devemos e poderíamos empregar de forma mais útil nas disciplinas básicas, sobre como elas poderiam nos inspirar em nosso trabalho. Permita-me ilustrar em exemplo egrégio desta abordagem. Quão frequentemente usamos o termo “literatura de Qumran?” Não me preocuparei em desconstruir ou criticar o uso do termo “Qumran” aqui –um de nossos termos técnicos. Todos sabemos tratar-se de uma estenografia[1] por ter sido ali encontrada e todos, também, sabemos que o local da descoberta dos manuscritos não santifica um cânone literário em termos históricos. Quero trazer à luz a discussão do uso do termo literatura. Tente imaginar que quando usamos este termo, alguém cogitaria existir um campo específico do estudo literário dos textos religiosos antigos em geral, especialmente dos textos judaicos. Imaginemos como os grandes feitos do estudo da literatura rabínica e bíblica, a partir do ponto de vista literário, tem nos afetado. Imagine a poesia encontrada nos manuscritos sendo tratada como parte da continuidade da poesia hebraica da Bíblia, dos manuscritos de Qumran e dos piyyut[2] na Palestina Bizantina resultando em estudos literários da poesia qumrânica, mas não é o que acontece. Esta é a desvantagem de termos, nós mesmos, um campo independente.

Permita-me dar um exemplo da área de Estudos em Religião aplicado a algo realmente de importância em nosso campo. Muitas pesquisas excelentes têm sido feitas acerca dos textos de purificação encontrados em Qumran. A maioria delas tratando dos aspectos haláquicos e exegéticos desses textos. Estas pesquisas têm sido fenomenais. Ademais, o estudo arqueológico dos mikvaot[3] de Qumran e seus Sitz im Leben[4] no local proveu informações básicas valiosas. Todavia, singularmente, Estudos em Religião levantam questões fundamentais acerca da experiência da purificação que ainda não foram discutidas. Isso, a despeito da presença no corpus de textos de oração de numerosas passagens que iluminam a natureza da experiência de purificação como um ato espiritual. No Judaísmo Rabínico, tem sido feito estudos deste aspecto de pureza e impureza como parte da tendência em direção a estudos de questões relacionadas ao corpo. Mas esses estudos não tratado a respeito da experiência religiosa intrínseca ao processo de purificação -emocional, espiritual e haláquica, todas como se fossem apenas uma. Eu digo isso não para nos castigar, mas, em vez disso, para apontar o valor da aplicação de algumas das questões levantadas pelas abordagens disciplinares que de algum modo foram ignoradas quando permitimos o material em si, exclusivamente, determinar os cânones de sua pesquisa.

[1] [N. do Tradutor] Técnica de escrita por meio de abreviaturas.

[2] [N. do Tradutor] Poesia litúrgica que surgiu na Palestina no Século III.

[3] [N. do Tradutor] Plural de mikvah ou mikveh (em hebraico מִקְוָה) é o nome dado à imersão ritual de purificação em água utilizada no judaísmo.

[4] [N. do Tradutor] Termo alemão (lit. “lugar na vida”) usado em exegese bíblica com o sentido de “contexto vital”, “lugar vivencia”, “situação originante”.

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