Resposta a “Decreto de Ciro ou Decreto de Artaxerxes? Questões na Datação da Profecia das 70 semanas”
Roy Gane, Ph.D., é Professor de Hebraico Bíblico, Línguas do Antigo Oriente Médio e Diretor do Curso de Doutorado em Religião no Seminário Teológico Adventista da Andrews University em Berrien Springs, Michigan. Autor de diversos artigo e livros como “In the Shadow of the Shekinah: God’s Journey with Us” e “God’s faulty heroes”.
Tradução: Hugo Martins
O artigo Resposta a “Decreto de Ciro ou Decreto de Artaxerxes? Questões na Datação da Profecia das 70 semanas” (Original em Inglês: Response to “Cyrus’ or Artaxerxes’ Decree? Issues in Dating the 70-Week Prophecy”), por Roy Gane, fora publicado, inicialmente, pela revista independente Adventist Today. Usado com permissão.
Resposta a “Decreto de Ciro ou Decreto de Artaxerxes? Questões na Datação da Profecia das 70 semanas”
O artigo de André Reis, em outubro de 2019, na Adventist Today, levanta algumas objeções à interpretação adventista do sétimo dia de Daniel 9:25, que especifica o evento que inicia as “setenta semanas” profetizadas nos versos 24–27. A visão adventistas do sétimo dia da “setenta semanas” como o primeiro segmento (70 x 7 = 490 anos) que é cortado“cortado” (v. 24) das “2300 tardes e manhãs” de Daniel 8:14. Logo, se os adventistas estiverem errados sobre o ponto inicial das “setenta semanas,” estão errados tanto em ver esta profecia como uma predição exata do tempo quando Cristo viera, e, também, quanto o término das “2300 tardes e manhãs” (2300 anos) em 1844 E.C.
Os argumentos de Reis que o decreto persa de Ciro, em vez do posterior decreto de Artaxerxes I fora promulgado em 457 A.E.C., iniciara as “setenta semanas” não estão fundamentados em evidências, como mostrado pelas seguintes respostas aos pontos que ele tem feito:
1. Quem decretou que Jerusalém será reconstruída de acordo com Isaías 44:28?
Para Reis, diversas traduções em inglês indicam ser Ciro que diz que Jerusalém será (re)construída. No entanto, essas interpretações não refletem com precisão o discurso hebraico, pois é Deus que diz essas palavras, seguindo uma série de particípios com ele como o sujeito nos versos 24–28. O verso 28 começa com um outro particípio: “quem diz”. O Senhor ainda está falando, desta vez de Ciro. A segunda metade do verso começa: “e [conjunção hebraica vav] dizendo [infinitivo] a respeito de Jerusalém: ‘Será edificada’ . . .” Isto simplesmente estende a ação proferida expressada pelo particípio no início do verso, onde é o Senhor quem fala. É Deus quem diz sobre Jerusalém: “Será edificada.”
Isaías não prediz um decreto de Ciro que restaurará e reconstruirá Jerusalém em cumprimento a Daniel 9:25. Ciro não desempenhou um papel importante no plano de Deus, pois Isaías 45:13 profetizou sem mencionar um decreto de Ciro. O processo de edificação começou com Ciro (Esdras 1:1–4; 6:3–5), continuou com Dario I (6:6–12), e culminou com o decreto de Artaxerxes, como indicado por Esdras 6:14.
2. É o termo davar, “ordem,” em Daniel 9:23 o mesmo davar, “ordem,” no verso 25?
Reis argumenta que a “ordem” (decreto) de Ciro já houvera sido dada, e, portanto, cumprira a profecia de Daniel 9:25:
Gabriel vem e explica que Deus ouvira a oração de Daniel e que um “davar” (9:23), literalmente “ordem” houvera sido dada. É-lhe dito, então, considerar esta “ordem,” novamente repetida em 9:25: “Saiba e entenda isto: desde que foi dada a ordem [davar] para restaurar e para edificar Jerusalém . . .,” indicando que este “davar” é provavelmente o mesmo.
Todavia, uma simples análise do discurso mostra que no verso 23, o “davar” que foi dado é a mensagem nos versos 24–27 que Gabriel trouxera a Daniel no primeiro ano de Dario o Medo (v.1, não Ciro na Babilônia; ver 6:28) e lhe fora dito considerar. Incluído nesta mensagem geral está o futuro “dando” (substantivo motsa’; não um verbo no pretérito para “dada”) de uma uma outra “palavra”: o decreto para restaurar e reconstruir Jerusalém (v. 25).
3. O que “para restaurar e para edificar Jerusalém,” em Daniel 9:25, significa?
Como um leitor moderno de uma tradução em inglês, Reis assume que a restauração de uma cidade refere-se à reconstrução de casas e de outras edificações, que começou em Jerusalém sob Ciro. Contudo, o verbo traduzido como “restaurar” é hifil (causativo) de shuv. Quando este verbo emprega uma cidade como seu objeto direto, como em Daniel 9:25, refere-se à restauração de sua propriedade a uma entidade política que anteriormente a possuía (1 Rs 20:34; 2 Rs 14:22).
Fora o decreto de Artaxerxes I (Ed 7:11–26) no sétimo ano do seu reinado (vv. 7–8), em 458/457 A.E.C., que devolvera a posse de Jerusalém para os judeus, conferindo-lhes controle civil autônomo da cidade (durante o Império Persa), para que eles governassem sob as suas próprias leis, e com o seu sistema judicial próprio (vv. 25–26).1 Devolvendo Jerusalém ao controle judeu, Artaxerxes implicitamente lhes dera permissão para reconstruir os muros da cidade a fim de torná-la uma cidade de fato (Ed 4:12), em vez de um mero acampamento.
4. O Messias (“Ungido”) vem após 7 semanas ou 69 semanas?
Reis afirma:
Como elucidado por modernas traduções da Bíblia, Daniel 9:25, na verdade, não revela que “o Messias, o Príncipe”, i.e., “Jesus,” vem após as 69 semanas, mas após as 7 semanas . . . NRSV: “Desde o momento em que a ordem saiu para restaurar e reconstruir Jerusalém, até o tempo de um ungido, o príncipe, haverá sete semanas; e por sessenta e duas semanas será construída de novo, com ruas e muralha, mas em um momento difícil . . .”
A questão aqui é a interpretação da pontuação massorética, particularmente o athnakh, que representa uma pausa importante, ou a divisão do verso. Uma tradução literal do hebraico de Daniel 9:25 se lê da seguinte maneira, sem qualquer pontuação interpretativa em português:2
. . . da saída [de uma] ordem para restaurar e para construir Jerusalém até um messias um príncipe [haverá] sete semanas (athnakh) e sessenta e duas semanas será restaurada e construída rua e muralha mas em tempos de angústia
Os termos hebraicos para “e sessenta e duas semanas” seguem imediatamente os termos “sete semanas.” Esses dois períodos de tempo sequenciais seguem os termos “da . . . até . . .,” que exigem uma indicação de tempo que termina com a vinda de “um ungido, um líder.” Isso se correlaciona com o verso 26, onde “um/o ungido” é “cortado” após as 62 semanas, não após as sete semanas.
A ausência do artigo definido (“o”) em mashiakh (“um ungido”) no verso 26, não prova de forma nenhuma ser um “ungido” diferente do verso 25. Zdravko Stefanovic destaca no que diz respeito ao mashiakh nagid (“um ungido, um príncipe”) no verso 25:
“Nenhum desses dois substantivos tem o artigo definido, mas podem ser considerados como definidos em razão da passagem ser poética, e da maioria dos substantivos nos versos 24–27 estarem indefinidos.”3
Continuando, os termos “será restaurada e construída rua e muralha . . .” descrevem a condição de Jerusalém durante pelo menos parte do tempo entre “da saída [de uma] ordem para restaurar e para construir Jerusalém“ e “um ungido.” De acordo com a pontuação massorética, essa condição da cidade seria durante o segundo segmento: “sessenta e duas semanas.” Isto não significa que “um ungido” viria após as “sete semanas,” mas que o tempo até “um ungido” seria sete semanas mais sessenta e duas semanas durante as quais Jerusalém em uma condição de tendo sido restaurada e (re)construída com rua e muralha, mas em tempos de angústia.
5. Quem “fará firme aliança com muitos, por uma semana,” em Daniel 9:27?
Reis continua:
Lemos, então, no v. 27: “Ele fará firme aliança com muitos, por uma semana. Na metade da semana, fará cessar o sacrifício e a oferta de cereais. Sobre a asa das abominações virá aquele que causa desolação, até que a destruição, que está determinada, seja derramada sobre ele” (Dn 9:27). O pronome inicial “ele” se refere ao príncipe que virá e destruirá a cidade e o santuário, e fará uma aliança com muitos por uma semana, não ao “ungido” que já está morto, e “não terá nada”! ”Este príncipe maligno que faz tal aliança por uma semana é o mesmo “chifre pequeno” que suprime o sacrifício diário, e em seu lugar coloca a “transgressão desoladora” no santuário em Daniel 8:13.
Que sentido faria para este príncipe da destruição (não confundir com “um ungido, um príncipe” no verso 25) fortalecer uma aliança (pré-existente) para (o benefício de) muitos por uma semana (de acordo com o significado hebraico)? O contexto indica que o antecedente real de “ele” é outra pessoa.
As “setenta semanas,” i.e., semanas de anos,4 concernentes ao povo judeu em Daniel 9:24–27, tratam da aliança deles com o Senhor (ver v. 4). Não obstante, os eventos do verso 26 parecem devastar a aliança, pois “após as sessenta e duas semanas,” i.e., durante a “uma semana” (v. 27), a septuagésima das “setenta semanas”, que o “ungido” seria “morto” (literalmente “cortado”) e “não terá nada” (v. 26a). Subsequentemente, Jerusalém com o seu templo seria destruída pelo “povo de um príncipe que há de vir” (v. 26b).
Ainda assim, havia esperança porque “ele” (quem será?) fortaleceria (hifil de gbr), i.e., confirmaria, uma “aliança com muitos” (v. 27a). Confirmar uma aliança indica que ela já existe; ele não estabeleceria uma nova aliança, que seria expressa com um verbo diferente (krt; e.g., Gn 15:18, 21:17; Êx 24:8).)
Que aliança existente pode estar em voga aqui? Em Daniel 9, é a aliança entre Deus e seu povo.5 Por conseguinte, o antecedente lógico de “ele” no início de Daniel 9:27 é o “ungido,” não o destruidor.
Desmond Ford, logicamente, concluiu a respeito de Daniel 9:24-27:
É o Cristo verdadeiro, o grande centro desta profecia incrível. As benção do verso 24 são o resultado de Sua obra. Ele é Aquele que vem no verso 25 e é “cortado” no verso 26. Da mesma forma, Ele é Aquele que fortalece, i.e., “confirma”, a aliança no verso 27. A única referência até então ao príncipe opositor é um enfatizando o povo dele, em vez del, e fazer do anticristo o principiador da aliança é desconsiderar o sentido da passagem . . .
Ademais, o Novo Testamento interpreta esta passagem. Em Marcos 14:24, lemos sobre Aquele que na septuagésima semana de anos ratificou a aliança com muitos.6
Conclusão
A interpretação mais natural do texto hebraico de Daniel 9:24-27 identifica o momento em que o Messias viria: 69 (7 + 62 semanas de anos = 483 anos após 457 A.E.C. Com nenhum zero entre A.E.C. e E.C., os 483 anos vão até 27 E.C. Naquele tempo, Jesus se tornou o “ungido”/Messias, quando ele foi “ungido” pelo Espírito Santo em seu batismo7 e começou o seu ministério “no décimo quinto ano do reinado de Tibério César” (Lc 3:1).8 Identificando Jesus como o Messias, Daniel e outras passagens messiânicas do Antigo Testamento, incluindo Salmo 22 e Isaías 52:13–53:12, proclamam o Evangelho com antecedência.
Notas
[1] Ver Roy Gane, Who’s Afraid of the Judgment? The Good News About Christ’s Work in the Heavenly Sanctuary [Nampa, ID: Pacific Press, 2006], pp. 73-74; ver, também, 59–86, e https://spectrummagazine.org/2020/contamination-purification no tocante ao início do juízo pré-advento de Deus em 1844, e as respostas às objeções quanto a esta interpretação, incluindo a má identificação do “chifre pequeno” como Antíoco IV Epifânio.
[2] Minha tradução, com termos necessários acrescidos em chaves para o português.
[3] Zdravko Stefanovic, Daniel: Wisdom to the Wise: Commentary on the Book of Daniel [Nampa, ID: Pacific Press, 2007], p. 355; ver, também, Paul Joüon, S.J. e T. Muraoka, A Grammar of Biblical Hebrew [Rome: Editrice Pontificio Instituto Biblico, 2006], p. 11 [§3º].
[4] The Hebrew and Aramaic Lexicon of the Old Testament, 4:1384.
[5] Ver, também, Dn 11:22: “o príncipe da aliança;” vv. 28 e 30: “santa aliança.”
[6] Daniel, [Nashville, TN: Southern Publishing Association, 1978], 233–23.4
vii Lc 3:21–22; ver, também, 4:18; Atos 10:37–38.
[8] Ver The Seventh-day Adventist Bible Commentary, 5:243-247
Bem técnico não ? Pra poucos 😃mas elucida muito
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