A Graça que Educa
Por Liege Leopoldo
Liege Leopoldo é formada em História e em Pedagogia pela Universidade Adventista de São Paulo. Trabalhou, de 2007-2009, como pesquisadora no Centro White e, também, no NIFE (Núcleo de Integração Fé e Ensino), em 2007.
Introdução
Perder peso, realizar exercícios físicos, dormir cedo, realizar o ano bíblico, fazer uma poupança, cuidar da saúde, ler e estudar mais… são os principais itens que figuram em nossa lista de objetivos para o ano que inicia. O curioso é que esses itens parecem repetir-se ano a ano, principalmente os que tratam de iniciativas em prol de nossa saúde física e espiritual. A impressão é que fracassamos ano a ano nessas iniciativas. Nosso ânimo para cumprimento de tais metas parece sucumbir na metade de janeiro.
Alguns cristãos em sua caminhada espiritual desanimam com o tempo, e adquirem a percepção de que nunca conseguirão cumprir os objetivos da vida cristã. Se você já se sentiu ou se sente assim, tenho uma notícia ruim e outra boa a respeito dessa conclusão. A ruim é que por nós mesmos nunca alcançaremos, de fato. Contudo, a boa é que Deus deixou em Sua Palavra orientações infalíveis para vivermos uma vida cristã de sucesso.
Tito e sua lista de deveres
Muitas das metas de início de ano baseiam-se em nossas deficiências. Por exemplo, se não consigo perder peso, possivelmente estou comendo demais ou não praticando exercícios físicos regularmente. É a intemperança, a preguiça que comandam meus movimentos. Isso porque desde que Adão e Eva pecaram, legaram ao restante da humanidade uma natureza caída. Carregamos o DNA do pecado. O efeito desse gene no ser humano pode ser resumido na seguinte frase: “amamos o que deveríamos odiar e odiamos aquilo que deveríamos amar”. O apóstolo Paulo confirma isso ao expressar sua luta contra o pecado quando diz “o que quero não faço e o que faço não quero”.
Ilustração: (em um slide colocar uma foto sua lado a lado com a de Hitler e no próximo slide manter a sua foto e colocar uma ilustração de Jesus ao lado da sua). Muitas pessoas ao assistirem noticiários e se depararem com a crueldade humana presumem que são bons exemplares da espécie humana, por cuidarem bem de sua família, não matarem e não roubarem. Mas o fato é que nossa real comparação de caráter e atitudes deve ser com o de Cristo, e quando o contemplamos percebemos o quanto nos afastamos de um modelo de bondade. Todos pecamos e destituídos estamos da glória de Deus.
Vamos recorrer ao apóstolo Paulo para desvendarmos esse mistério, de como alcançarmos os objetivos da vida cristã. Vamos ler alguns trechos da carta de Paulo ao seu ajudante Tito, e entender como ele orientava tal assunto. Tito era um gentio convertido ao cristianismo que logo tornou-se ajudante do apóstolo que o encarregou de cuidar das igrejas da ilha grega de Creta.
No primeiro capítulo da epístola, há uma lista de responsabilidades e comportamentos que Paulo recomenda que Tito cumpra para que não envergonhe a igreja de Cristo. A lista de objetivos era grande, veja:
Versículo 6 – O presbítero deve ser homem de uma só esposa, os filhos devem ser cristãos e não terem a fama de mal ou desobedientes.
Versículo 7 – Não pode ser culpado de nada. Não deve ser orgulhoso, nem ter mau gênio, não chegado a bebida, não ser ganancioso, nem ser violento.
Versículo 8 – Deve estar disposto a hospedar pessoas em sua casa, deve amar o bem. Ser prudente, justo, dedicado e disciplinado.
Versículo 9 – Entender bem a mensagem bíblica para animar e repreender.
No capítulo 2, Paulo continua sua lista elencando que Tito deveria ensinar a igreja de Creta, ensinar os mais velhos a serem sérios, as mulheres a não serem caluniadoras, as esposas amarem seus maridos e serem boas donas de casa, os homens a serem prudentes, que os escravos obedecessem seus donos e inclui que Tito deve ser exemplo de boa conduta e manejar bem as palavras, falar e se expressar bem. Lista fácil? Uma boa lista básica para iniciar o ano, não acham?
A graça que educa
Eu imagino que Tito ao terminar de ler esta lista de qualidades e deveres que Paulo lhe recomendou deve ter achado lindo e maravilhoso, pensado em como a igreja é um lugar recheado de pessoas maravilhosas. Mas eu também posso ver suas sobrancelhas franzindo e seu olhar se perdendo no horizonte, como quem pergunta da possibilidade real do cumprimento dessa lista.
Para mim algumas dessas tarefas que Paulo instruiu à Tito parecem difíceis de serem mantidas. Soa-me como se um médico pedisse que eu realizasse uma cirurgia em seu lugar, visto que não entendo absolutamente nada de medicina. Com certeza, Tito deve ter relido e refletido que alguns itens estavam bem, mas em outros…
Vamos a mais um exemplo: gostar de receber pessoas em casa é animador para muitas pessoas, especialmente se é alguma ocasião festiva. Eu amo quando há uma festa de casamento em minha família e nossa casa enche com familiares e amigos. Mas você já hospedou um doente? Já precisou entregar parte de seu salário para prover os recursos necessários de seu tratamento? São situações em que nosso cristianismo é fortemente provado.
Mas calma, a recomendação inspirada não parou nessa lista. Paulo forneceu a chave para prosseguirmos sem desanimar em nossa caminhada cristã (Ler Tito 2: 11-13).
Duas palavras destacam-se nessa narrativa graça e educação.
Paulo prescreve de forma resumida aquilo que explanou sobre a vida prática cristã: que reneguemos a impiedade e as paixões mundanas e que vivamos de forma sensata, justa e piedosamente. Mas a Bíblia não pede que o façamos sozinhos, contamos com a graça salvadora que nos educa.
No original grego (paideous), implica um ensino com disciplina. No português (na versão Almeida), recebemos a feliz tradução do verbo educar, em um processo contínuo “educando-nos”. A palavra educação vem do latim (ex ducere) e significa “levar para fora”. Algumas correntes pedagógicas apregoam que o ser humano nasce bom e por isso os professores devem trabalhar para que o estudante traga para fora suas qualidades. Mas essa é uma grande mentira. Nós sabemos que o que há dentro de nós é de fato uma constituição alterada pelo pecado, nossa natureza pecaminosa. Então, o papel da graça é levar para fora a podridão do mal e deixar que Cristo reine em nosso ser, transformando nossos pensamentos, atitudes, gostos e hábitos.
Mas o que é essa graça que educa? Eu tinha sérias dificuldades de entender como a graça funciona. Embora tenha nascido em um lar cristão, eu confesso que algumas pregações ou observações me deixavam aterrorizada. Eu possuía dificuldades de consumir frutas e legumes, como é o caso de muitas crianças. Quando chegavam os retiros de verão ou acampamentos de desbravadores eu tinha vontade de esconder porque irmãos bem-intencionados me diziam que se eu não comesse frutas e verduras eu não poderia estar no céu, porque essa era a comida de lá. O resultado é que eu sentia que não seria salva aos oito anos de idade!
Mas eu compreendi que a graça de fato educa, e educou muito do meu paladar. E educou não com terrorismo religioso, mas abrindo minha mente e meu deu razões para compreender que o que Deus quer para mim é o melhor que eu posso almejar.
O que é graça?
- A graça é a boa vontade de Deus, a predisposição positiva de Deus, o desejo de abençoar, a intenção constante de fazer o bem e agir com bondade em relação ao universo criado e a humanidade. (Êxodo 33:19, Salmos 100:5, 2 Crônicas 16:9, Jeremias 29:11, 33:3 e Hebreus 4:16);
- A graça é a interpelação, o apelo, o chamamento, o convite, a insistente convocação de Deus para que a humanidade se renda à sua bondade (Hebreus 1: 1 e 2, 3:7-8, 4:7, Atos 14: 16-17, 26:14);
- A graça de Deus é o fluxo constante de amor e vida que sustenta o universo e a humanidade (Isaías 18:4, Atos 17:28, Romanos 11:33-36, Hebreus 1:3);
- A graça de Deus é a força ativa, o poder abençoador, o impulso, o empurrão que Deus imprime no universo e na humanidade para existência da possibilidade do bem e do bom (I Cor. 15:10, Filipenses 2: 13-14, Colossenses 1:29).
Que ajuda extraordinária! Com essa disposição divina agindo em nosso favor não fica infinitamente mais fácil alcançar os objetivos da vida cristã? Sim, mas somente com nossa resposta a ela, e o nome dessa resposta chama-se fé. E fé não é um sentimento somente, ela é ação.
“Onde existe não só a crença na Palavra de Deus, mas também uma submissão à Sua vontade; onde o coração se lhe acha rendido e as afeições nele concentradas, aí existe fé – a fé que opera por amor e purifica a alma. Por esta fé o coração é renovado à imagem de Deus. E o coração que em seu estado não-regenerado não era sujeito à lei de Deus, agora se deleita em Seus santos preceitos, exclamando com o salmista: “Oh! Quanto amo a Tua lei! É a minha meditação em todo o dia” Salmos 119:97. E cumpre-se a justiça da lei em nós, os que não andamos “segundo a carne, mas segundo o espírito”. Romanos 8:1. EGW, Caminho a Cristo, p. 63.
A graça nos alcança e educa, transformando nossas vontades, afeições, desejos, hábitos, sentimentos, impulsos. Ela opera em nós o querer e o efetuar.
Apelo
Deus nos convida a responder com fé seu convite de salvação. Através de sua graça redentora, Seu Espírito Santo nos educa no viver cristão e nos convence de que por nós mesmos nada podemos. Mas com Ele, tudo podemos.
Ao pensar em sua caminhada cristã e atingir os frutos recompensadores do Espírito lembre-se que o trabalho da graça é diário, minuto a minuto.