A Nova Perspectiva Sobre Paulo: Um Aliado Objetivo ou Um Real Desafio Para A Compreensão das Declarações Paulinas sobre A Lei? Algumas Considerações Gerais com Implicações para Expectativas Escatológicas e Hermenêutica Adventista

A Nova Perspectiva Sobre Paulo: Um Aliado Objetivo ou Um Real Desafio Para A Compreensão das Declarações Paulinas sobre A Lei? Algumas Considerações Gerais com Implicações para Expectativas Escatológicas e Hermenêutica Adventista


Gabriel Golea, PhD, natural da Romênia, atualmente é o presidente da Associação Norte-Francesa. Este possui uma vasta experiência tanto na academia quando na obra pastoral, sendo convidado a pregar e lecionar classes em diversas partes do mundo.


Tradução: Hugo Martins

O artigo “A Nova Perspectiva Sobre Paulo: Um Aliado Objetivo ou Um Real Desafio Para A Compreensão das Declarações Paulinas sobre A Lei? Algumas Considerações Gerais com Implicações para Expectativas Escatológicas e Hermenêutica Adventista” (Original em Inglês: THE NEW PERSPECTIVE ON PAUL: AN OBJECTIVE ALLY OR A REAL CHALLENGE FOR UNDERSTANDING THE PAULINE STATEMENTS ON THE LAW? SOME GENERAL  CONSIDERATIONS WITH IMPLICATIONS FOR ESCHATOLOGICAL EXPECTATIONS AND ADVENTIST HERMENEUTIC) foi apresentado primeiramente em um seminário no Instituto Teológico da Romênia em 2011.  Usado com permissão.


INTRODUÇÃO

Os estudos paulinos durante a segunda metade do último século se focaram em uma compreensão mais profunda da relação do judaísmo rabínico com o pensamento de Paulo. Por conseguinte, várias leituras distintas no estudo moderno do Novo Testamento puderam ser identificadas:

  1. Fora do círculo cristão: Paulo é analisado principalmente como líder e fundador da Igreja (leituras psicológicas, sociais, etc.).
  1. Filósofos incrédulos como Giorgio Agamben, Alain Badiou, Didier Franck, Jean-François Lyotard veem Paulo como um pensador político, um filósofo do tempo, ou alguém que pensa sobre a condição humana.
  1. Pensadores judeus sobre Paulo de Tarso.1 Para eles, Paulo deve ser lido no decorrer, e em harmonia, com seu ambiente judaico. Eles pensam que o itinerário de Paulo traça de forma emblemática uma distância crescente entre a lei judaica e os pagãos convertidos à fé cristã, mesmo que se deva buscar o “erro de Paulo” que levou à separação entre o judaísmo e o cristianismo.2
  1. Estudos Paulinos sob a bandeira do “novo paradigma” resultando no resgate das raízes judaicas: Paulo está rompendo com a leitura protestante e agostiniana de Paulo.

A última interpretação, a NPP, também chamada de Novo Perspectivismo, é vista como um sistema de pensamento nos estudos neotestamentários que busca reinterpretar o apóstolo Paulo e suas cartas. Resumindo, a NPP é uma reação à perspectiva da Reforma sobre Paulo considerada como a interpretação tradicional do apóstolo, e que entendeu que Paulo estava argumentando contra uma cultura judaica legalista que busca ganhar a salvação por meio das obras. No entanto, os defensores da NPP argumentam que Paulo foi mal interpretado; daí a exigência de ler Paulo no contexto do judaísmo de seu tempo.

CAPÍTULO UM: HISTÓRIA DOS ESTUDOS ANTES DA NPP

Para entender a relação entre Paulo e a lei, em primeiro lugar, far-se-á uma breve descrição do problema, particularmente sobre como o judaísmo tem sido visto em sua função com conceitos como: lei, obediência, salvação, escatologia, etc. O pesquisador pode identificar facilmente várias etapas no desenvolvimento da pesquisa.

A Concepção Clássica

O primeiro estágio do desenvolvimento da pesquisa diz respeito à interpretação do judaísmo em geral. Pode ser chamada de “concepção clássica” (Ferdinand Weber, Emil Schurer, Wilhelm Bousset e Paul Billerbeck, e ninguém menos que Rudolf Bultmann). Essa concepção afirma que o judaísmo é uma religião de obras: legalismo. Em contrapartida, o cristianismo seria definido como uma religião da graça. Os escritos paulinos são lidos com esse espírito.

Consequentemente, a escatologia também é elaborada por essa visão baseada em um judaísmo “legalista”.

A Reação

Durante a primeira metade do século 20, e depois, estudiosos judeus desafiaram as suposições de que a religião judaica é a religião legalista que muitos protestantes supunham que fosse. Foi apenas na segunda metade do último quarto do século 20 que a maioria dos estudiosos cristãos começou a dar alguma credibilidade às afirmações da academia judaica neste tópico. Assim, a concepção clássica foi rapidamente seguida por uma reação (Claude G. Montefiore, George Foot Moore e Albert Schweitzer): o judaísmo palestino do primeiro século não era essencialmente legalista.

Claude Goldsmith Montefiore (1858–1938)

Claude G. Montefiore é um dos primeiros intérpretes de Paulo a basear suas conclusões em uma reconstrução histórica do judaísmo do primeiro século. Ele explica a visão de Paulo sobre a lei apelando para a natureza diversificada do judaísmo antigo.3

A lei é representada na literatura rabínica (300–500 E.C.) não como um fardo, mas como uma bênção, uma dádiva graciosa e alegre de um Deus pessoal ao seu povo. Se alguém considera as declarações de Paulo em relação à lei como ininteligíveis, a solução deve ser encontrada apenas quando alguém entende essas declarações à luz do pessimismo proposto do judaísmo helênico. Na opinião de Montefiore, Paulo não parece estar familiarizado com o judaísmo rabínico, mas com o judaísmo helênico. Contudo; Paulo estava se revoltando não contra o judaísmo em geral, mas contra um tipo particular de judaísmo. Na verdade, Montefiore quer propor uma distinção nítida entre o judaísmo rabínico (palestino) e o judaísmo da diáspora (helênico) como a crux interpretum para compreender Paulo.4

George Foot Moore (1851–1931)

Ao longo da história do cristianismo (com Justino Mártir, Tertuliano), autores cristãos (incluindo Martinho Lutero) foram motivados mais pelo desejo de demonstrar a inferioridade do judaísmo em relação ao cristianismo do que pela necessidade de descrever corretamente o judaísmo e suas crenças. De maneira geral, George Foot Moore leva em consideração a tese de Montefiore. 5 Ele afirma que as críticas acusando o judaísmo de essencialmente legalista derivam de uma temática apologética inerente à mensagem de Paulo, e ao cristianismo primitivo, que buscava diferenciar o cristianismo do judaísmo. A salvação vem exclusivamente de Cristo.6

Albert Schweitzer (1875–1965)

Mesmo o ensino de Paulo dominado pela visão da escatologia judaica, Schweitzer apresentou uma compreensão distintamente apocalíptica do pensamento paulino.7 Ele afirmou que o ponto principal na teologia de Paulo não deve ser encontrado nem no judaísmo helênico nem na “justificação pela fé,” 8 mas apenas na escatologia judaica (em termos da comunhão mística dos crentes com o Cristo ressuscitado).

A perspectiva de Schweitzer está intimamente ligada à sua noção de uma mudança na validade da lei na Era Messiânica: o judaísmo sustentava que a lei não seria válida na Era Messiânica (apesar do fato de ser eterna!), e, desde que Paulo acreditava na Era Messiânica chegou para aqueles “em Cristo”, a estes a lei era inválida.9

Schweitzer interpreta a atitude de Paulo em relação à lei como um status quo que significa que os judeus continuam a viver como judeus e os gentios como gentios (1 Co 7:17,20).10

O Início de Uma “Revolução”

A separação estrita de Schweitzer entre o judaísmo apocalíptico e o judaísmo helênico é rejeitada por estudos mais recentes. Estudiosos como WD Davies, E. Käsemann e K. Stendhal demonstraram de forma convincente que a distinção entre o judaísmo semítico e o judaísmo helênico não era tão clara quanto o pensamento de Schweitzer, e que a teologia de Paulo foi significativamente formada por ideias rabínicas que vão além do apocalipticismo judeu.

Em estudos do Novo Testamento, os primeiros passos na avaliação do Judaísmo e da Torá nas cartas paulinas (William David Davies, Krister Stendahl, Ernst Käsemann) serão decisivos para pesquisas futuras.

William David Davies (1911–2001)

O estudioso enfatizou uma continuidade maior entre o judaísmo do primeiro século e o cristianismo. Paulo era tão completamente judeu em sua mente que sua compreensão do cristianismo era controlada por uma visão rabínica. “O evangelho para Paulo não era a anulação do judaísmo, mas a sua plenitude, e, como tal, tem em si o cerne essencial do judaísmo.” 11 Nesse caso, por meio das categorias rabínicas tradicionais, Paulo é visto como o pregador de um novo Êxodo, uma nova Torá sob uma nova aliança para um novo Israel.

Davies endossou a tão falada “teoria do status quo”, formulada anteriormente por Schweitzer.

Krister Stendahl (1921–2008)

Krister Stendahl enfatizou fortemente o conflito entre a abordagem luterana tradicional de Paulo e a abordagem histórica iniciada por Ferdinand Christian Baur (1792–1860). Stendahl começa seu conhecido artigo, “Paul and the Introspective Conscience of the West” ([Paulo e A Consciência Introspectiva do Ocidente] 1963) contrastando o elemento introspectivo no protestantismo, tipificado pelas lutas de Lutero com sua consciência, com a consciência “robusta” exibida por Paulo. Em sua opinião, o apóstolo estava preocupado com a questão das implicações da vinda do Messias para o status da lei (e para o relacionamento entre judeus e gentios), enquanto o reformador estava preocupado em como alguém pode encontrar um Deus misericordioso.

A experiência de Martinho Lutero (enraizada na tradição teológica agostiniana) foi decisiva na sua leitura dos escritos de Paulo e na transformação da Epístola aos Romanos em narrativa autobiográfica. Para Stendahl, o dilema (como pode ser expresso em termos hermenêuticos) seria: as interpretações da Reforma sobre Paulo estão enraizadas na analogia. Caso contrário, as declarações sobre fé e obras paulinas, a lei e o Evangelho, os judeus e as nações são lidas no contexto da piedade medieval. A Torá com seus requisitos específicos (relacionados à circuncisão, restrições alimentares) se torna um princípio geral de “legalismo” em questões de religião. Enquanto Paulo se preocupava com a possibilidade de incluir gentios na comunidade messiânica, suas declarações costumam ser interpretadas como respostas em busca de um corretor de seguros em geral, sem maiores complicações.12

CAPÍTULO DOIS: A “NOVA PERSPECTIVA SOBRE PAULO”

Descrição

A nova perspectiva sobre Paulo é uma perspectiva histórica recente sobre o significado da polêmica de Paulo contra os judaizantes, uma controvérsia que ocupa um lugar relativamente importante nos escritos paulinos: se a interpretação “clássica” sobre Paulo e a lei exigia que Paulo, um apóstolo da graça, deve ser lido contra um judaísmo legalista que tentou obter a salvação obedecendo à lei, a NPP, em contrapartida, avalia Paulo, a lei, e por fim, o judaísmo.

Em geral, a “nova perspectiva sobre Paulo” tem sido estimada em alguns grupos exegéticos como uma abordagem revolucionária que mudaria completamente o desenvolvimento dos estudos de pesquisa sobre os escritos do Novo Testamento, especialmente a compreensão dos textos paulinos, e tornar o diálogo judaico-cristão mais adequado às demandas modernas da sociedade.

Representantes e Ideias

Para os intérpretes cristãos dos anos 1970, Paulo foi rejudaizado, “arrancado” da leitura luterana, sendo tal virada preparada por autores judeus como Hans Joachim Schoeps e Joseph Klausner. Os anos 1980 e 1990 viram uma geração de pensadores judeus que tratam Paulo como um problema interno ao judaísmo, para definir sua identidade judaica em um caldeirão, um pluralismo cultural e religioso.

Os defensores de primeira linha da NPP (Ed Parish Sanders, James DG Dunn, Nicholas Thomas Wright, Heikki Räisänen) e os pesquisadores da próxima geração (Lloyd Gaston, Mark D. Nanos, Peter J. Tomson, Alan F. Segal, Daniel Boyarin, Frank Thielman etc.) pretendem promover uma melhor compreensão de Paulo e do movimento dos seguidores de Jesus de Nazaré no judaísmo na época do primeiro século. Mesmo que, às vezes, as formulações sejam radicais, e, em alguns aspectos, totalmente diferentes,13 devemos manter o desejo declarado de compreender Paulo no contexto do judaísmo contemporâneo e não como parte da Reforma.

Na verdade, esses defensores argumentam também que Martinho Lutero interpretou mal o ensino de Paulo sobre este ponto. Portanto, todo o ensino protestante sobre a justificação deve ser revisto porque é considerado, pelo menos, inadequado. A obra de Stendahl, Davies, Sanders e Räisänen é sintomática de um sentimento generalizado de insatisfação com a abordagem luterana de Paulo. Isso se evidencia também no trabalho de estudiosos como M. Barth, G. Howard, J. D. G. Dunn, N. T. Wright e Ulrich Wilckens.

O processo de “desluteranização de Paulo” já está em andamento.14

A “nova perspectiva” lançada por Sanders, e elaborada por Dunn (e mais tarde por muitos outros), certamente fez com que os estudiosos reconsiderassem a teologia de Paulo sobre a lei.

Ed Parish Sanders e Seu Impacto

Quase todos os estudiosos concordam que Martinho Lutero traçou um forte paralelo entre a religião do catolicismo medieval e a religião do judaísmo do primeiro século, contra a qual seu herói, Paulo, lutou. Lutero afirma que ambos ensinavam que a salvação era conquistada por obras de mérito.

Sanders desafia a visão de Lutero sobre o judaísmo em sua memorável obra “Paul and Palestinian Judaism” ([Paulo e Judaísmo Palestino] 1977). O judaísmo não era, em princípio, uma religião em que a salvação era obtida pela obediência à lei: era uma religião baseada na eleição e graça de Deus. O debate iniciado por Sanders continua resultando em uma enxurrada de artigos e monografias.15

Em seu primeiro livro de destaque,16 Sanders afirma que a interpretação protestante moderna de Paulo faz uso de uma visão bastante errônea do judaísmo derivada dos livros falaciosos de Weber e Bousset (na opinião desses estudiosos, de acordo com o judaísmo, o homem deve ganhar a salvação apenas por seus próprios esforços). Sanders criticou também outros estudiosos: Strack-Billerbeck (a seleção do material frequentemente distorce o significado dos textos) e Bultmann (não tendo um acesso independente substancial à literatura do judaísmo tardio, fontes rabínicas). No julgamento de Sanders, o apoio de Bultmann à visão Weber-Bousset garantiu sua perpetuação na obra de Braun, Rössler, Annie Jaubert, Black, Fuller, Hans Conzelmann e Thyen. Esta visão é baseada em “uma perversão massiva e incompreensão do material,”17 causada pela “retrojeção do debate protestante-católico na história antiga, com o judaísmo assumindo o papel do catolicismo e o cristianismo o papel do luteranismo.”18

Sanders começa sua segunda obra de destaque listando quatro interpretações possíveis da exclusão de Paulo das “obras da lei”: a primeira e a segunda, que ele descreve como as visões “quantitativa” e “qualitativa”. Ele procura mostrar que tanto a visão “quantitativa” (ou seja, a visão de que as obras estão erradas porque é impossível cumprir a lei em sua totalidade) e a visão “qualitativa” (ou seja, a visão que tentar cumprir a lei leva a o pecado de se gabar das próprias realizações) são falsas. Paulo rejeita a lei não porque tenha algum defeito inerente, mas simplesmente porque é algo diferente de Cristo.19 A terceira interpretação é a “soteriologia exclusivista” de Paulo, e a quarta visão enfatiza o cenário da controvérsia na missão aos gentios.

O “Nomismo da Aliança”: Descrição e Implicações

Comparada à opinião “clássica”, a mudança inaugurada por Ed Parish Sanders é muito radical.20 Antes, a ideia dominante era a antítese entre judaísmo e cristianismo, “obras” e graça, e assim por diante. Ao contrário, o trabalho de Ed Parish Sanders pretendia demonstrar que todo o peso da literatura rabínica indicava que a salvação não era por obras meritórias, mas por pertencer ao Povo da Aliança de Deus. Sanders, portanto, argumenta que o “nomismo da aliança” poderia ser o modelo capaz de explicar melhor o que acontece: alguém está entrando (“sendo enxertado”) pela graça de Deus e está ficando lá (“fazendo parte”) pela obediência (com o recurso ao perdão através do sistema sacrificial).21

Portanto, surge a pergunta: se Paulo não mostra nenhuma observação crítica na direção do legalismo, neste caso, como harmonizar suas afirmações sobre a lei e a justificação? Ed P. Sanders acredita que a solução seria encontrada no pensamento de Paulo; esse resultado é descrito como uma mudança da solução para o problema.

Isso pode ser realizado de forma eficaz, demonstrando que “o pensamento de Paulo não correu da situação para a solução,” como os ortodoxos protestantes que seguiram Lutero argumentaram, “mas sim da solução para a situação.” 22 Esta é uma reversão fundamental da maneira pela qual os protestantes ortodoxos historicamente enquadraram a discussão da justificação.23

James D. G. Dunn, A “Insígnia da Aliança” e As Etapas Seguintes

Após Sanders, outros teólogos se posicionaram como defensores da NPP. Um dos mais importantes é James D. G. Dunn, que se baseia no paradigma de Sanders. Ele acredita que o “nomismo da aliança” é um reflexo perfeito do judaísmo e do cristianismo. Nuance: ele argumentará que Sanders perdeu a oportunidade de produzir uma imagem coerente sobre Paulo e seu conflito com seus oponentes judaizantes. Isso se explica pela subestimação, por parte de Sanders, da função social da lei na vida de Israel. A solução proposta por Dunn diz respeito ao orgulho do povo expresso em seus marcadores identitários (ou marcos fronteiriços): a culpa de Israel não consiste em sua justificativa ou legalismo, mas sim em exclusividade. Paulo não rompeu completamente com o judaísmo, ou com a lei, mas com a estreiteza nacionalista e racial daqueles que mantinham a necessidade de adotar a “insígnia da aliança” de Israel.

A advertência de Paulo é a tendência de manter uma distinção diferente de Cristo. Consequentemente, Paulo argumentou contra as tentativas judaicas de manter sua distinção de aliança de outras nações, e contra as tentativas de judeus cristãos de forçar os gentios a adotarem a mesma distinção.24

Outras etapas da pesquisa paulina trarão ideias diversas e específicas que apresentamos brevemente:

  1. Para Paulo, o Evangelho cria a Igreja enquanto a justificação a define (Nicholas Thomas Wright).
  1. Os judeus do período do Segundo Templo não acreditavam que a lei era uma condição para a salvação escatológica (Frank Thielman).
  1. O verdadeiro problema entre Paulo e seus oponentes judeus: o particularismo e o nacionalismo (James D. G. Dunn: Paulo queria que os gentios fossem incluídos na Igreja).
  1. Paulo afirma que existem duas maneiras de ser declarado justo, uma para os judeus e outros para os gentios (igual aos judeus): os judeus continuavam a obedecer à Torá como um meio de torná-los justos, enquanto os gentios eram declarados justos sem os lei, pela fé (Lloyd Gaston).

Algumas Observações Críticas Sobre O “Nomismo da Aliança”

Muitas dúvidas foram expressas sobre as suposições feitas pela “nova perspectiva sobre Paulo”, especialmente no que se refere a seu pilar principal, a suposição de que o judaísmo primeiro século pode receber o rótulo de “nomismo da aliança”. Na verdade, um estudo cuidadoso da literatura intertestamentária não respalda tal generalização.

É verdade que escritos como o livro de Judite e Tobias colocam grande ênfase no valor pessoal e nos méritos da justiça. Da mesma forma, 2 Enoque e 4 Esdras destacam um apego especial à noção de méritos pessoais. Só para exemplificar: o livro de 2 Baruque menciona a graça de Deus também (concedida a quem a merece). A armadilha de como Ed. P. Sanders lê os escritos judaicos é presumir que havia, dentro da literatura judaica, mais uniformidade do que existe na realidade.

Com relação à normalização de Sanders de toda a literatura do Segundo Templo, o renomado estudioso judeu Jacob Neusner acusa Sanders de fabricar seu próprio “equivalente judaico de uma ‘harmonia dos Evangelhos’,”25 acrescentando: “Pelo que eu sei, Sanders deve ser o primeiro estudioso nos últimos tempos a imaginar que todas as fontes produzidas por judeus, em qualquer lugar, a qualquer ocasião, por qualquer tipo de pessoa ou grupo, igualmente nos falam sobre o mesmo judaísmo.”26 Em outro lugar, o mesmo autor faz críticas severas contra Sanders: “Ele [Sanders] tem um vasto leque de informações no livro. Mas em razão de fabricar a partir dele um judaísmo simples e unitário, sem nunca nos dizer como ele harmoniza todas essas fontes conflitantes, no final, seu judaísmo é ininteligível.” 27 Tal imaginário sugere a uniformidade do judaísmo, um reducionismo.

Mais, colocando o “nomismo da aliança” como uma alternativa à teologia dos méritos, Sanders pode deixar como secundário o que os teólogos consideram ser o aspecto principal da teologia de Paulo, a saber, a verdadeira antítese da teologia dos méritos não é a “nomismo da aliança”, mas a salvação pela graça. Para os defensores “clássicos” da interpretação da lei em Paulo, a doutrina central da teologia paulina é a justificação pela fé. É central porque atende às necessidades humanas mais profundas. Examinando as posições de William Wrede, J. Gresham Machen disse:

“A verdadeira razão pela qual Paulo foi devotado à doutrina da justificação pela fé não foi que ela tornou possível a missão aos gentios, mas por ser verdadeira. Paulo não era devotado à doutrina da justificação pela fé por causa da missão aos gentios; ele era dedicado à missão aos gentios por causa da doutrina da justificação pela fé.”28

Outras Questões nas Declarações da NPP

Entre muitos tópicos e questões levantadas pelos defensores do NPP, alguns assuntos merecem ser mencionados em nosso estudo. São muito importantes para exegese e, por conseguinte, para suas implicações teológicas e práticas.

O “Centro” do Pensamento Paulino

Um assunto de controvérsia nos estudos paulinos é encontrar o “centro” do pensamento do apóstolo. Várias hipóteses foram propostas. Para Stendahl, o centro da teologia de Paulo não é a justificação pela fé, mas a história da salvação (conforme descrito especialmente em Romanos 9–11). Ernst Käsemann se manifestou contra a antropologia de Bultmann, mas acredita que a doutrina da justificação de Paulo se aplica ao indivíduo. Para ele, portanto, a justificação pela fé é central para o pensamento de Paulo.

Para William David Davies (ao contrário da maioria dos teólogos do Novo Testamento), o centro da teologia paulina não é encontrado na justificação pela fé, mas ele vê o significado de Jesus de Nazaré como o Messias ao invés de um Senhor universal como o ponto focal do pensamento de Paulo. Ele reconhece a ideia do “estar em Cristo” como um conceito soteriológico central.

Outras Posições Levadas Em Consideração

Para J. Christiaan Beker, por exemplo, o importante no pensamento de Paulo é “o evento-Cristo em seu significado apocalíptico,” uma afirmação que ele pode reformular (a interpretação cristológica do apocalíptico), mas ele argumentará que o centro real do pensamento de Paulo é “o triunfo de Deus.” De acordo com Schweitzer, o centro da teologia de Paulo não é a justificação pela fé, mas a doutrina mística da redenção. William Wrede acreditava que a doutrina da justificação pela fé é uma doutrina secundária para Paulo.

De qualquer forma, o pensamento de Paulo atraiu muitas dificuldades de interpretação. Várias propostas foram feitas ao longo dos anos nas críticas. Ou a opinião rabínica sobre o judaísmo do primeiro século é materialista, sem entusiasmo, ou ler Paulo é algo inteligível, até errado (Solomon Schechter). Paulo conheceu (e debateu contra!) outros judaísmos além do judaísmo da Palestina (Montefiore). Para Moore, a posição de Paulo é inexplicável de uma perspectiva judaica.

Por sua vez, Hans Joachim Schoeps acredita que no que diz respeito à escatologia, cristologia, teologia, Paulo alterou as opiniões judaicas correntes por meio de categorias helenísticas, e devido ao seu gênio, enquanto a fonte de seu pensamento se encontrava na literatura rabínica.

Paul é um rabino que ensina que o Messias chegou (William David Davies). A religião de Paulo é antitética ao judaísmo palestino (opinião compartilhada pela maioria dos críticos, apesar de algumas divergências em detalhes). Para Samuel Sandmel, Paulo tem pouca relação com o judaísmo palestino de uma forma ou de outra.29

Lembramos aqui que, para Martinho Lutero (e para os críticos mais modernos como Rudolf Bultmann e seu aluno Ernest Käsemann), o que era visto como o princípio fundamental do Evangelho era a “justificação pela fé”. O texto-chave para a apropriação teológica neo-luterana de Paulo é o capítulo 2 de Romanos. Como sabemos, esta opinião tem exercido uma influência dominante no estudo de Paulo, e sua relação com a Torá, concepção que continua a ser reavaliada pela “nova perspectiva sobre Paulo”.

Resumo do Paradigma: Os Dez Pilares da NPP

A “Nova Perspectiva” sobre Paulo nem sempre é homogênea, esta pesquisa não pode ser reduzida a uma perspectiva única e homogênea.30

No entanto, as principais ideias expressas pelos defensores da NPP podem ser resumidas em dez afirmações ou “pilares”:31

  1. A NPP tem como ponto de partida a afirmação de que o judaísmo do primeiro século não era uma religião legalista a qual a aceitação de Deus se baseava em suas próprias obras meritórias, mas, sim, uma religião da graça, caracterizada pelo que Sanders chamou de “nomismo da aliança”. O erro de muitos estudiosos cristãos, de acordo com Sanders, foi a separação ou abstração da lei da aliança com a resultante, concluindo, de forma equivocada, que tal judaísmo era legalista. A obediência à lei é vista como aquilo que deve ser realizado em resposta à obra graciosa e redentora de Deus, não como um jugo de opressão.
  1. Ao contrário da posição da Reforma, a justificação pela fé não é o centro da teologia de Paulo. Em vez disso, alega-se que esta doutrina surgiu mais como um argumento tático da parte de Paulo para promover sua missão aos gentios.
  1. A teologia de Paulo tem sido muito mal compreendida nos últimos cinco séculos porque tem sido continuamente lida através das “lentes” de Lutero e da Reforma em sua luta contra o catolicismo. Lutero e os outros reformadores fizeram uma mudança hermenêutica inadequada ao ler os princípios do catolicismo do século 16 como se fosse o judaísmo do primeiro século. Ou seja, os reformadores viam o judaísmo antigo simplesmente como o romanismo do século 16 em trajes diferentes.32
  1. O que Paulo experimentou na estrada de Damasco não foi tanto a conversão a uma nova religião, mas um chamado e comissão para levar o Evangelho aos gentios. Consequentemente, enquanto a missão aos gentios se torna prioritária em Paulo, ele permanece totalmente fiel à sua herança judaica.33
  1. A teologia de Paulo em relação à lei fluiu diretamente de sua própria experiência na estrada de Damasco. Ou seja, tendo experimentado o Cristo ressuscitado (solução), o pensamento de Paulo retrocedeu até a situação humana que essa solução exigia. A necessidade se tornou evidente retrospectivamente, uma vez que a solução foi experimentada por meio da vinda de Cristo.
  1. A principal preocupação de Paulo era o problema judeu-gentio, isto é, como defender o direito dos gentios de se tornarem parte do povo de Deus sem primeiro se tornarem judeus e obedecer à Torá. Muitos dentro da NPP argumentam que a salvação judaica continuou a ser caracterizada pelo “nomismo da aliança”, enquanto a salvação dos gentios era agora através da fé em Cristo. Para um judeu, “permanecer” ainda dependia da obediência à Torá.
  1. A vinda de Cristo é avaliada como significativa tanto para gentios quanto para judeus. Por exemplo, Sanders afirma que Paulo não rejeita a lei porque ninguém poderia obedecê-la perfeitamente, ou mesmo porque ela levou ao legalismo. Em vez disso, a rejeição da lei por Paulo foi baseada em sua convicção fundamental de que a salvação ou justiça agora vem para judeus e gentios exclusivamente por meio da participação na morte de Cristo. Como resultado, a salvação por qualquer outro meio, inclusive por meio da lei, está necessariamente excluída. Nas palavras frequentemente citadas do próprio Sanders: “Em suma, isso é o que Paulo acha errado no judaísmo: não cristianismo.”34
  1. A principal preocupação de Paulo é a chamada “separação dos caminhos” (James D. G. Dunn) entre a sinagoga (judeus) e a igreja (cristãos): esta “separação” tem mais a ver com o nacionalismo judaico do que com a soteriologia. O problema de Paulo, de acordo com Dunn, não era tanto com a lei em si, mas com os “marcadores de identidade” judaicos, como circuncisão e leis alimentares.
  1. Os judeus dos dias de Paulo viam a lei como um sinal único de que Deus graciosamente escolheu sua nação como sua possessão especial e fizera uma aliança eterna com eles. Como tal, a lei passou a ser vista como uma “insígnia” do relacionamento especial de Israel com Deus e como um “marco fronteiriço” (James D. G. Dunn) entre eles e os outros (levando ao exclusivismo judaico).35 De acordo com Dunn, o que o apóstolo Paulo questiona é o uso da lei como uma barreira racial para excluir os gentios de fazer parte do povo de Deus.36
  1. Para um renomado estudioso da NPP, N. T. Wright, os judeus do período do Segundo Templo estavam convencidos de que, devido ao fracasso da nação em guardar a lei, eles ainda viviam no exílio. Ou seja, o exílio judeu não terminou com os eventos registrados em Esdras e Neemias, mas continuou até o tempo de Cristo. De acordo com essa visão, Paulo viu o significado da vinda de Cristo mais relacionado à fidelidade de Deus à sua aliança com Israel do que com o envio de um Salvador para os indivíduos que precisam da redenção de seus pecados.37 A justificação, para Wright, é entendida como a inclusão na aliança de todos aqueles que têm fé em Jesus, tanto judeus como gentios. Como resultado, a justificação para Wright, embora tenha uma dimensão individual e pessoal, é amplamente corporativa, lidando não principalmente com “perdão de pecados”, mas com a eleição de Deus para a aliança e o fim do exílio.

CAPÍTULO TRÊS: OPONENTES E OBSERVAÇÕES

A “Nova Perspectiva” sobre Paulo provocou muitas reações nos estudos paulinos. Entre as críticas mais importantes, destacamos as seguintes observações.

O Judaísmo do Primeiro Século: Suposições e Realidade

Os oponentes da NPP notam uma diferença real entre os textos e a prática de diferentes grupos religiosos quando alguém analisa seus escritos. Veja, por exemplo, o caso da comunidade de Qumran: por um lado vemos nesta literatura a preocupação com a gratuidade da salvação (a graça da aliança); por outro, podemos ver seus requisitos para os neófitos, bem como para os membros do grupo na vida cotidiana (salvação pelos esforços humanos). Da mesma forma, ao ler o Novo Testamento, pode-se ver aqui e ali algumas preocupações “legalistas” vindas dos contemporâneos do Rabino de Nazaré (Mc 10:17, etc.) ou de Paulo (Rm 3:20, etc.).

As “Obras da Lei” nas Cartas de Paulo

As “obras da lei” são definidas na NPP da seguinte forma:

“‘Obras da lei’ não são entendidas em nenhum lugar aqui, seja por seus interlocutores judeus ou pelo próprio Paulo, como obras que ganham o favor de Deus, como observâncias acumuladoras de mérito. Elas são vistas como insígnias: simplesmente o que envolve a participação no povo da aliança, o que caracteriza os judeus como povo de Deus.”38

O problema levantado por Paulo ainda não estava no fato de que essas “obras” promoviam o legalismo, mas sim um nacionalismo judeu (ver as opiniões de Dunn expostas anteriormente). Mas os críticos da “nova perspectiva” dizem que, se Paulo critica as “obras da Lei”, não é porque são νόμου (“da lei”), mas porque são ἔργα (“obras”). Mais: o argumento de Paulo em Gálatas 3:10–12 (como a alusão ao texto do Sl 143:2 em Gl 2:16 e Rm 3:20) indica que as “obras da lei” sempre foram uma forma inadequada de buscar a justiça de Deus.

Uma Leitura Incompleta

Seja para a compreensão da teologia de Martinho Lutero e sua leitura de Paulo, ou para outras questões sobre o judaísmo, a NPP propõe algumas interpretações originais e incomuns. No entanto, essas opiniões comprovam seus limites.

Embora possamos admitir que a leitura praticada por Martinho Lutero na Idade Média sobre o judaísmo do primeiro século foi influenciada pelo catolicismo de sua época, admitimos também que, graças às várias leituras de Paulo hoje (incluindo a “nova perspectiva”), o exegeta moderno está ciente da diversidade existente no judaísmo, das múltiplas maneiras de interpretar a Torá. De fato, através dos vários escritos do judaísmo (Bíblia Hebraica, Novo Testamento, literatura extrabíblica, textos qumrânicos, escritos da tradição rabínica etc.) fica claro que uma diversidade de percepção pode ser justificada na questão do judaísmo e da Torá em geral, e sobre a lei nas cartas de Paulo em particular.

Outro exemplo dos limites da NPP: a noção de que os judeus do Segundo Templo estavam convencidos de que, devido ao fracasso da nação em observar a lei, eles ainda viviam no exílio (Nicholas Thomas Wright) também é objeto de fortes críticas e é formalmente descrito como reducionista.

CAPÍTULO QUATRO: A LEI E A ESCATOLOGIA DE UMA PERSPECTIVA ADVENTISTA

A LEI

O ponto de partida para esta seção é uma observação crítica: os adventistas fazem diferença entre a “lei moral” e a “lei cerimonial” (a chamada “teoria das duas leis”). Dentre muitas críticas, podemos citar o próximo comentário bastante virulento:

“Os adventistas usam esses dois termos tão livremente como se a Bíblia estivesse cheia deles; não obstante, é estranho dizer que as Escrituras não fazem tais distinções, e nunca lemos sobre a lei ‘moral’ e a lei ‘cerimonial’ na Bíblia. O lugar para encontrar esses termos está na literatura adventista. Na Bíblia, o Antigo Testamento é simplesmente chamado de ‘a lei’. Se os cristãos primitivos estivessem no ambiente adventista, quando Paulo e Cristo pregavam sobre ‘a lei’, eles teriam sido frequentemente interrompidos por ‘Que lei?’ ‘Que lei?’ ‘Cerimonial ou moral?’ Mas tais perguntas nunca foram feitas, pois todos conheciam apenas uma lei: o Pentateuco . . . Se houvesse duas leis distintas dadas a Israel, tão diferentes em sua natureza, é estranho que não haja nenhum registro disso, nenhuma referência a isso na Bíblia.” 39

Acreditamos que tais críticas são severas e imprecisas. Severas porque a cobrança não leva em consideração uma metodologia equilibrada; imprecisas porque identificar e nomear nos textos termos como: lei moral/leis cerimoniais/leis civis e leis políticas não é uma “invenção” adventista. Essa diferenciação remonta ao pensamento rabínico (veja a Conferência sobre Orobio Judaico com Limborch), e é aplicada pela maioria dos comentários não-adventistas.

Óbvio que nos escritos de Paulo, a palavra “lei” não é usada da mesma maneira, mas descreve diferentes categorias. Existem dois tipos de textos: quando Paulo fala sobre a desvantagem da lei, ele ouve a lei cerimonial, civil e política; em outros textos, o apóstolo fala sobre a autoridade e a validade da lei.40 Neste último caso, ele fala sobre a lei moral. Portanto, é possível manter a distinção entre essas diferentes “leis.”41

A Escatologia

Como um povo inicialmente reunido em uma preocupação pelo retorno de Jesus, não é surpreendente que a escatologia continue sendo importante na doutrina adventista. A evidência dessa preocupação aparece até mesmo no nome da igreja. Muitos documentos são publicados sobre este tópico específico (daí o interesse na organização desta Conferência Europeia de Professores de Teologia).

O lugar ocupado pela escatologia nos estudos paulinos é variável em função dos estudiosos já mencionados. Assim Schweitzer rejeitou a exegese protestante tradicional da teologia de Paulo: considerada uma forma de “modernizar” Paulo.

Em sua opinião, Paulo não se preocupava principalmente com as consciências problemáticas dos indivíduos, nem com a “autocompreensão” de Cristo (Bultmann, nas décadas de 1940 e 50). Paulo estava preocupado principalmente com a transformação do κόσμος [kósmos] que seria concluída no ἔσχατον [éschaton] (1 Ts 4:15 e 1 Co 15:51-52). Paulo esperava confiantemente que o ἔσχατον [éschaton] ocorresse antes do fim de sua vida terrena. A incorporação mística em Cristo, e.g., Rm 6) é a base para a vida cristã.

A importância da escatologia nas cartas paulinas é bem conhecida:

A escatologia de Paulo fornece a base para muitos outros tópicos importantes que constituem a substância da teologia paulina; cristologia, pneumatologia, eclesiologia, soteriologia e antropologia são todas construídas sobre as preocupações ou pressuposições escatológicas que aparecem em todas as cartas do corpus paulino.42

A esperança de salvação é vista principalmente em três aspectos futuros em Paulo: a ressurreição do corpo, recompensas celestiais e herança do reino.

Como vimos, há muitas e várias vozes no debate sobre a visão de Paulo da Torá, e, incidentalmente, sobre sua relação com a escatologia, a pesquisa abarcando concepções elevadas da Torá (por meio de sua identificação com a Sabedoria,43 por exemplo) e igualando o Messias e a Torá à sua revogação na Era Messiânica.44

Na opinião de alguns estudiosos, Paulo herdou da teologia judaica a crença na alteração escatológica ou mesmo na revogação da Torá Mosaica, e sua substituição por uma Torá Messiânica. Diferentes respostas a este tópico foram propostas pela pesquisa moderna: um Paulo escatológico (Albert Schweitzer), Cristo como a nova Torá (William David Davies), a incompreensão de Paulo sobre a Torá (Hans Joachim Schoeps), o paradigma da Torá de Sião (Peter Stuhlmacher), e outros.

CAPÍTULO CINCO: OBSERVAÇÕES FINAIS E SINTÉTICAS

O desafio do “Nomismo da Aliança”

Concluindo, certamente há muito a aprender com a NPP, e suas principais afirmações. A NPP, Sanders em particular, demonstrou que a interpretação monolítica do judaísmo palestino como uma religião de retidão de obras típica de grande parte da erudição protestante certamente precisa ser corrigida. As fontes palestinas sem dúvida contêm (mas não exclusivamente) um elemento sola gratia.

Dunn também contribuiu positivamente para o nosso entendimento da

“Lei Mosaica (particularmente seus elementos cerimoniais) como desempenhando um papel social que está por trás de grande parte da controvérsia no primeiro século. . . [e é] uma visão importante e válida, se apenas não for permitido obscurecer outros elementos que são tão significativos.”45

A implicação do trabalho de Sanders é que não havia nada de errado com o judaísmo. Para Paulo, o judaísmo não apresenta a lei como um fardo pesado. Mais, Paulo chegou à conclusão de que Jesus era o Messias, e, se ele fosse a resposta, então, ele precisava de uma apologética para explicar Cristo.

De acordo com os proponentes da NPP, a noção de Sanders de “nomismo da aliança” seria capaz de explicar a atitude de Paulo sobre a lei. Cristianismo e judaísmo não são diferentes: ambas são religiões da graça em que “obras” são ferramentas para “permanecer” e para “entrar”. Não há evidência de justiça própria ou legalismo nas críticas de Paulo ao judaísmo. A revelação de Deus em Cristo na história da salvação mostra claramente que “entrar” estava inteiramente enraizado na fé em Cristo. Se o argumento de Sanders for verdadeiro, alguém poderia pensar que Saulo não tinha razão para estar insatisfeito com a lei em sua situação pré-cristã, nem que Paulo precisava mantê-la se o judaísmo era legalista!

A “nova perspectiva” lançada por Sanders e elaborada por Dunn certamente levou estudiosos a reconsiderar a teologia da lei de Paulo. Um número impressionante de obras, convidando os estudiosos do Novo Testamento a adotarem uma visão mais equilibrada (incluindo Frank Thielman46 e Colin Kruse), questiona algumas das afirmações abrangentes feitas por Sanders e Dunn.

Por fim, queremos abordar algumas questões metodológicas que podem ser também alguns assuntos específicos para pesquisas futuras:

  1. Como podemos avaliar agora o papel da lei nos estudos paulinos após as provocadoras afirmações da NPP?
  1. Qual é a nossa posição reavaliada sobre os “marcos fronteiriços” (circuncisão, leis alimentares, o sábado, etc.) encontrados na argumentação de Paulo e defendida pelos princípios deste paradigma? As diferentes categorias da “lei” (moral, cerimonial, etc.) podem ser facilmente defendidas após a NPP? A observância do sábado como parte da lei moral corre o risco de ser considerada uma “obra da lei”?
  1. É “justificação pela fé” ainda o centro do pensamento paulino e o centro de nossa teologia e pregação?
  1. Como podemos defender o processo de salvação tendo em mente que tanto a lei quanto a graça são conceitos igualmente disponíveis? É útil não ignorar as noções como “nomismo da aliança”?
  1. Qual é o nosso modelo evangélico após a leitura dos textos paulinos à luz da NPP sobre a relação entre judeus/gentios com aplicação prática hoje para o diálogo entre judeus e cristãos?

CONCLUSÃO

O presente estudo considerou as principais ideias e defensores da “nova perspectiva” sobre Paulo, ao mesmo tempo que procurou sistematizar os principais temas relacionados com a questão do direito nos textos paulinos.

Novos estudos devem ser realizados para aprofundar os pontos levantados em nosso artigo. O confronto entre as diferentes interpretações de Paulo e da Torá em uma percepção escatológica continua a gerar debates. Para esta tarefa o pesquisador está agora convidado a participar.

De qualquer forma, a NPP é creditada por ter reavivado o debate sobre a questão da Torá, e seu sentido no contexto de discussões reais sobre os escritos de Paulo. Pelo que vimos em nossa investigação, esta “nova perspectiva” nem sempre resolve as dificuldades que podemos encontrar nos escritos de Paulo, ou em outros documentos disponíveis que fornecem informações sobre o judaísmo. Mas o debate sobre a Torá está agora envolvido de forma diferente e os exegetas e teólogos adventistas são chamados a dar uma resposta apropriada e competente.


Notas

1 Para a evolução das interpretações judaicas de Paulo desde o início do século 19 até o final do século 20 através do estudo de alguns autores judeus (como Joseph Salvador, Martin Buber, Leo Baeck ou Daniel Boyarin), ver F. Damour, “Le retour du fils prodigue? Interprétations juives de Paul aux XIXe et XXe siècles: quelques jalons,” RHPR 90 (2010):25–47. Este artigo observa uma integração gradual de Paulo no mundo judaico, integração que passou por polêmicas internas no judaísmo, confronto com os teólogos cristãos, mas também questões mais amplas da teologia política.

2 Ver, por exemplo, AF Sagal, “Paul et ses exégètes juifs contemporains,” RSR 94 (2006):413–441 que considera alguns nomes antigos importantes como Joseph G. Klausner (1874–1958), David Flusser (1917–2000), Richard Rubenstein (1924–), Hans Joachim Schoeps (1909–1980), Samuel Sandmel (1911–1979) e alguns estudiosos judeus conhecidos contemporâneos sobre Paulo como Alan F. Segal (1945–), Daniel Boyarin (1946–) e Mark D. Nanos (1954–).

3 C. G. Montefiore, “First Impressions of Paul,” JQR 6 (1894):428–474; “Rabbinic Judaism and the Epistles of St. Paul,” JQR 13 (1900–1901):161–217; Judaism and St. Paul: Two Essays (Londres: Max Goschen, 1914).

4 W. D. Davies, Paul and Rabbinic Judaism: Some Rabbinic Elements in Pauline Theology (Londres: S.P.C.K, 1955 [1948]) criticou tal distinção como historicamente implausível. Ele argumentou que havia uma sobreposição significativa entre o judaísmo palestino e o da diáspora, e que uma série de termos e conceitos importantes no pensamento paulino podem ser atribuídos ao judaísmo palestino.

5 G. F. Moore, “Christian Writers on Judaism,” HTR 14 (1921):197–254.

6 G. F. Moore, Judaism in the First Centuries of the Christian Era: The Age of the Tannaim, 3 vols (Cambridge: Harvard University Press, 1927–1930).

7 A. Schweitzer, The Mysticism of the Apostle Paul (New York: Henry Holt and Company, 1931); Paul and His Interpreters: A Critical History, trans. W. Montgomery (London: Adam and Charles Black, 1912), pp. 48–50.

8 Para Schweitzer, Mysticism, p. 225, essa doutrina era apenas uma “cratera subsidiária, que se formou dentro da borda da cratera principal: a doutrina mística da redenção por meio do ser-em-Cristo.”

9 Como contra-argumento, mencionamos apenas que os Manuscritos do Mar Morto são uma prova positiva de que a devoção rabínica à Torá e a expectativa escatológica poderiam coexistir no judaísmo do primeiro século.

10 Schweitzer, Mysticism, pp. 193–196.

11 W. D. Davies, Paul and Rabbinic Judaism: Some Rabbinic Elements in Pauline Theology (4ª e.; Philadelphia: Fortress, 1980), p.323.

12 K. Stendahl, Paul Among Jews and Gentiles and Other Essays (Philadelphia: Fortress Press, 1976), pp. 78–96. A localização original do artigo é HTR 56 (1963):199–215.

13 Assim sendo, tem sido sugerido por muitos que o título plural “as novas perspectivas” pode, portanto, ser mais preciso para definir esta abordagem.

14 F. Watson, “Paul, Judaism and the Gentiles: A Sociological Approach,” Society for New Testament Studies Monograph Series 56 (Cambridge – London: Cambridge University Press, 1986), p. 18.

15 Para um levantamento das várias visões e uma introdução aos estudos do século 20 sobre a lei, ver, por exemplo, C. Kruse, Paul, The Law, and Justification (Peabody, Mass.: Hendrickson, 1997).

16 E. P. Sanders, Paul and Palestinian Judaism: A Comparison of Patterns of Religion (London: SCM Press, 1977).

17 Sanders, Paul and Palestinian Judaism, p. 59.

18 Ibid., p. 57.

19 Watson, Paul, Judaism and the Gentiles, p. 18.

20 Considerada como a obra mais importante sobre o assunto a aparecer em uma geração, Paul and Palestinian Judaism (Philadelphia: Fortress Press, 1977) exerceu uma enorme influência nos estudos paulinos subsequentes. Este livro foi seguido por um segundo livro importante, Paul, the Law and the Jewish People (Philadelphia: Fortress, 1983).

21 Para uma discussão mais detalhada sobre o que Sanders quis dizer com o termo “nomismo da aliança”, ver Sanders, Paul and Palestinian Judaism, p. 422.

22 Sanders, Paul and Palestinian Judaism, p. 443.

23 Nesse sentido, o trabalho de Sanders se baseia em grande parte no trabalho anterior de William Wrede e Albert Schweitzer. Um desafio forte a esta visão é proposto por F. Thielmann, From Plight to Solution: A Jewish Framework for Understanding Paul’s View of the Law in Galatians and Romans (Leiden: Brill, 1989).

24 J. D. G. Dunn, Theology of Paul the Apostle (Grand Rapids: Eerdmans, 1998), p. 366.

25 J. Neusner, “Formative Judaism: Religious, Historical, and Literary Studies. Fifth Series, Revisioning the Written Records of a Nascent Religion,” Brown Judaic Studies 91 (Chico, California: Scholars Press, 1985), p. 175.

26 J. Neusner, “The Judaism Behind the Texts: The Generative Premises of Rabbinic Literature,” Volume II, Tosefta, Tractate Abot; e Earlier Midrash Compilations: Sifra, Sifre to Numbers, and Sifre to Deuteronomy (Atlanta, GA.: Scholars Press, 1994), p. 210.

27 J. Neusner, “The Judaism Behind The Texts: The Generative Premises of Rabbinic Literature,” Volume I, The Mishnah C. The Divisions of Damages (from Makkot), Holy Things, and Purities (Atlanta, GA.: Scholars Press, 1994), p. 184.

28 J. Gresham Machen, The Origin of Paul’s Religion (London: Hodder & Stoughton, 1921), pp. 278–279.

29 S. Sandmel, The Genius of Paul: A Study in History (New York: Farrar, Straus & Cudahy, 1958).

30 “Em vez disso, é um pacote de abordagens interpretativas de Paulo, algumas das quais são meras diferenças de ênfase, e outras das quais competem de forma bastante antagônica.” D. A. Carson. P. T. O’Brien, e Seifrid, ee., “Justification and Variegated Nomism,” Vol. 1, The Complexities of Second Temple Judaism (Grand Rapids: Baker, 2001), p. 1.

31 As seguintes afirmações foram extraídas de fontes que incluem D. A. Hagner, “Paul and Judaism: Testing the New Perspective,” em Revisiting Paul’s Doctrine of Justification: A Challenge to the New Perspective by P. Stuhlmacher (Downers Grove: InterVarsity Press, 2001), pp. 75–105.

32 F. Thielman, Paul and the Law: A Contextual Approach (Downers Grove: InterVarsity Press, 1994), p. 29.

33 Ver, especialmente, K. Stendahl, “Call Rather than Conversion” em K. Stendahl, Paul Between Judy and Gentiles and Other Essays (Philadelphia: Fortress Press, 1976), pp. 7–23.

34 Sanders, Paul and Palestinian Judaism, p. 552.

35 J. D. G. Dunn, Jesus, Paul and the Law (Louisville: Westminster/John Knox, 1990), pp. 188–200.

36 Dunn, Jesus, Paul and the Law, p. 231. Citando Gálatas 2:16, e passagens relacionadas, Dunn afirma que quando Paulo fala de τὰ ἔργα τοῦ νόμου [ta érga tou nómou] ou “as obras da lei”, ele está de fato se referindo particularmente (embora não exclusivamente) às estipulações da lei (a saber, circuncisão, leis alimentares e sábado), que eram as marcas características que os distinguiam como o povo de Deus.

37 C. Kruse, em Paul, the Law and Justification, p.50, resume a posição de Wright da seguinte forma: “Paulo acreditava que o exílio atingiu seu clímax na cruz quando Jesus, o Cristo, como uma figura incorporada, recebeu por completo a maldição pronunciada pela lei sobre um povo que quebra a aliança. Isso significava que a restauração poderia ocorrer, uma restauração na qual os gentios também seriam convidados a participar.”

38 J. D. G. Dunn, Jesus, Paul and the Law, p. 194.

39 H. M. Riggle, The Sabbath and the Lord’s Day (Anderson: Gospel Trumpet Company, 1904), p. 55.

40 M. Veloso, “The Law of God” em Handbook of Seventh-Day Adventist Theology, Raoul Dederen, e., (Hagerstown: Review and Herald Publ. Assoc., 2000), pp. 457–492 diz: “Embora Paulo faça a cessação da lei cerimonial judaica, em nenhum sentido o apóstolo sugere a revogação da lei moral como encontrada nos Dez Mandamentos (Rm 3:31; 7:7; Gl 3:21).”

41 Para mais considerações sobre o assunto, consultar R. Gane, “The Role of God’s Moral Law, Including Sabbath, in the ‘New Covenant’” (Washington: Biblical Research Institute, 2003). Citado em 20 de abril de 2011. Online: http://biblicalresearch.gc.adventist.org/documents/Gane%20Gods%20moral%20law.pdf

42 L. J. Kreitzer, “Jesus and God in Paul’s Eschatology,” Journal for the Study of the New Testament 19 (Sheffield: JSOT Press, 1987), p. 253.

43 H. Windisch, “Die göttliche Weischeit der Juden und die paulinische Christologie,” A. Deissmann e H. Windisch, ee., Neutestamentliche Studien für Georg Heinrici (Leipzig: Hinrichs, 1914), pp. 220–234.

44 Ver C. Bugge, “Das Gesetz und Christus nach der Anschauung der ältesten Christengemeinde,” ZNW 4 (1903):89–110; L. Gaston, Paul and the Torah (Vancouver: University of British Columbia Press, 1987).

45 Mosés Silva, “The Law and Christianity: Dunn’s New Synthesis,” WTJ 53 (1991):339–353.

46 Thielman, Paul and the Law, p. 336.

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