O Ritual do Bode Expiatório no Apocalipse de Abraão1
Andrei A. Orlov é um professor estadunidense de judaísmo e cristianismo na Antiguidade na Universidade Marquette. Ele “é especialista em Apocalipticismo e Misticismo Judaico, Judaísmo do Segundo Templo e Pseudoepígrafos do Antigo Testamento.
Tradução: Hugo Martins
O artigo “O Ritual do Bode Expiatório no Apocalipse de Abraão” (Original em Inglês: ESCHATOLOGICAL YOM KIPPUR IN THE APOCALYPSE OF ABRAHAM: Part I. The Scapegoat Ritual). Usado com permissão.
Introdução
Na segunda parte do Apocalipse de Abraão, um pseudepígrafo judia escrito nos primeiros séculos da Era Comum, seu herói, o patriarca Abraão, encontra um ser angelical apontado por Deus para ser seu guia celestial. Esta criatura, nomeada no apocalipse como o anjo Yahoel, confunde a imaginação do vidente com sua aparência enigmática. O texto o descreve como um ser pteromórfico composto com um corpo brilhando como safira2 e um rosto semelhante a crisólita.3 O vestuário do anjo também parece maravilhoso. Vestido com roupas púrpuras, ele usa um turbante que lembra “o arco nas nuvens.”4 Abraão também vê uma vara dourada na mão direita de seu companheiro celestial.
Os estudiosos já se atentaram para o significado sacerdotal da vestimenta do anjo.5 Assim, Martha Himmelfarb argumenta que o “vestuário de Yahoel tem fortes associações sacerdotais. A faixa de linho ao redor de sua cabeça lembra a tiara6 de linho fino de Arão (Êx 28:39).”7 Outros detalhes da aparência do anjo também revelam suas conexões com o ofício sacerdotal. Himmelfarb nos lembra que a púrpura do manto de Yahoel traz conexões com uma das cores das vestimentas do sumo sacerdote de Êxodo 28.8 A vara de ouro do anjo também parece ter um significado sacerdotal, invocando a memória da vara de Arão que milagrosamente brotou no deserto após a rebelião de Corá “para indicar a escolha de Aarão e seus descendentes como sacerdotes (Nm 16:16–26).”9
Himmelfarb também chama a atenção para a aparência de arco-íris do turbante de Yahoel, que, em sua opinião, “reúne os dois esquemas de cores centrais empregados em outra parte da descrição de Deus como sumo sacerdote, a brancura e o brilho multicolorido.”10
De fato, a tradição sobre “o arco-íris na nuvem” associada ao arnês do servo sacerdotal de mais alta patente é conhecida por vários textos, incluindo a descrição do sumo sacerdote Simão na Sabedoria de Jesus ben Sira 50:7.11 Tradições rabínicas tardias12 descrevem a lâmina do sumo sacerdote (ציץ [tsyts]), que ele usava na testa.13 Feito de ouro e inscrito com o nome divino, a lâmina brilhava como um arco-íris.14
As afiliações sacerdotais do guia celestial de Abraão não são coincidências. Ele aparece no momento crucial da história em que o jovem herói da fé acaba de deixar o santuário destruído de seu pai, que havia sido poluído pela adoração idólatra, e agora é chamado por Deus “para oferecer um sacrifício puro” diante da divindade. A esse respeito, Yahoel parece ser visualizado no texto não apenas como um angelus interpres, cujo papel é guiar um visionário em sua jornada celestial, mas como uma personagem sacerdotal iniciando um aprendiz na práxis sacerdotal celestial. Estudiosos já refletiram sobre a peculiar rotina de culto que envolve o relacionamento entre Abraão e seu guia celestial, enquanto ele explica ao vidente como preparar os sacrifícios, louvar a divindade, e entrar na sala do trono celestial. De fato, a intensidade dessas instruções e preparações sacerdotais indica a importância da práxis sacerdotal para a estrutura conceitual geral do texto. Parece também que no Apocalipse de Abraão, como em muitos outros relatos judaicos, incluindo 1 Enoque 14 e o Testamento de Levi 8, a entrada de um vidente no reino celestial revela a dimensão do culto e é vista como uma visita ao templo celestial. Assim, os estudiosos já observaram que os autores do Apocalipse de Abraão parecem ver o céu como um templo. Essa ênfase nos vínculos da práxis sacerdotal com o santuário celestial não parece coincidência em um texto como o Apocalipse de Abraão, que foi escrito em um período muito especial da história judaica. Foi uma época em que, diante de uma grande variedade de desafios que giravam em torno da perda do santuário terrestre, os autores dos escritos apocalípticos judaicos buscavam várias alternativas teológicas para preservar e perpetuar as práticas sacerdotais tradicionais. O Apocalipse de Abraão se baseia em uma dessas opções relacionadas com a ideia do santuário celestial representado pela carruagem divina, quando oferece a história do jovem herói da fé que viaja do santuário terrestre destruído poluído por ídolos ao Templo celestial.15
Na verdade, as preocupações sacerdotais permeiam não apenas a segunda seção apocalíptica do texto, que trata da transição do patriarca para o reino celestial, mas o tecido de toda o pseudepígrafo.16 Também foi observado anteriormente que além de Yahoel, a quem o texto imagina como o sumo sacerdote celestial por excelência, o Apocalipse de Abraão oferece uma extensa lista de outras personagens sacerdotais, incluindo sacerdotes “caídos” culpados por perverter a adoração verdadeira e poluir o santuário celestial e terrestre. Assim, Dan Harlow observa que além dos dois servos sacerdotais “positivos” representados pelo sumo sacerdote Yahoel, e seu aprendiz sacerdotal Abraão, o Apocalipse de Abraão também oferece uma galeria de personagens sacerdotais negativas, incluindo os “sacerdotes idólatras” Terá e Naor,17 bem como o “sacerdote caído” Azazel.18 A observação de Harlow é válida e possibilita presumir com segurança que todos as personagens principais do Apocalipse Eslavo têm afiliações sacerdotais.
Todos esses detalhes demonstram a importância da práxis sacerdotal no quadro conceitual do Apocalipse Eslavo, obra escrita em uma época ofuscada pela desafiadora busca por alternativas sacerdotais e litúrgicas que pudessem compensar a perda do santuário terrestre.
Embora identificar as configurações sacerdotais do Apocalipse de Abraão não apresente dificuldades significativas, entender a relação entre esses rituais e iniciações sacerdotais e um ambiente de culto ou festival específico é mais desafiador. A que tipo de festival judaico a ordem dos sacrifícios e iniciações de Abraão pode estar relacionada? Várias possibilidades foram cogitadas. Ryszard Rubinkiewicz sugere que as iniciações sacerdotais de Abraão podem estar conectadas com a festa de Shavuot ou Pentecostes, que comemora a entrega da Torá no Monte Sinai.19 Para apoiar esta hipótese, Rubinkiewicz apela a certos detalhes “mosaicos” da iniciação sacerdotal de Abraão, incluindo referências ao jejum de quarenta dias do vidente e a nomeação do local dos sacrifícios do patriarca como Horebe.
Embora essas conjecturas um cenário de Shavuot [Pentecostes]sejam válidas, dada a complexidade mencionada do universo sacerdotal do Apocalipse Eslavo, é possível que as tradições sacerdotais encontradas no texto não se limitem a apenas um cenário, ou festival particular, mas possivelmente reflitam conexões com vários eventos do ano litúrgico. Assim, algumas outras características simbólicas do Apocalipse Eslavo, incluindo a figura do principal antagonista da história Azazel, bem como o uso generalizado da terminologia das duas sortes, sugerem que a imagem dos ritos distintos que ocorrem no Dia da Expiação pode desempenhar um papel significativo na visão de mundo teológica dos autores.
Este artigo examina as tradições sacerdotais peculiares encontradas no Apocalipse de Abraão que podem refletir um cenário litúrgico de Yom Kippur. O artigo também tentará mostrar que algumas partes da segunda parte apocalíptica do pseudepígrafo podem ser vistas como uma reconstituição do ritual de Yom Kippur, uma das cerimônias de culto mais enigmáticas da tradição judaica.
I. Contexto Mosaico das Iniciações Sacerdotais de Abraão e O Dia da Expiação
Os capítulos 9–12 descrevem o começo da iniciação sacerdotal de Abraão, durante a qual Yahoel ensina o jovem herói da fé a preparar sacrifícios para entrar na presença da Divindade. Os estudiosos já observaram que alguns detalhes dessa iniciação lembram a história de outro notável visionário da tradição judaica, o filho de Amrão, o vidente que teve o privilégio de receber uma revelação muito especial no Monte Sinai.
Como já mencionado, o cenário litúrgico da iniciação sacerdotal de Abraão pode estar relacionado à Festa das Semanas, Shavuot.20 Esta festa celebra a recepção da revelação de Moisés no Monte Sinai, e também é conhecida na tradição judaica como a Outorga da Torá.
Na verdade, como muitos estudiosos já notaram, alguns temas encontrados no Apocalipse de Abraão parecem refletir os detalhes peculiares que cercam a recepção da Torá no Sinai pelo grande profeta israelita. Um dos indícios aqui para estabelecer a conexão com as tradições mosaicas é o tema do jejum de quarenta dias de Abraão.
Este motivo é apresentado pela primeira vez em Ap. Ab. 9:7, onde Deus ordena a Abraão que mantenha um jejum estrito por quarenta dias.21 É importante destacar que, como nas tradições mosaicas, no Apocalipse Eslavo este jejum coincide com a promessa de uma revelação divina em uma alta montanha:
Mas por quarenta dias abstenha-se de todo alimento que procede do fogo, e de beber vinho, e de ungir-se com óleo. E então me prepararás o sacrifício que te ordenei, no lugar que te mostrarei na alta montanha.22
O tema do jejum de quarenta dias na montanha recebe uma forma ainda mais distinta de “mosaico” no capítulo 12, onde coincide com outro conjunto de tradições mosaicas, incluindo a referência ao Horebe (um nome para o Sinai em algumas passagens bíblicas), e informações sobre a alimentação de um vidente através da visão de um ser celestial:
E nós fomos, nós dois sozinhos, quarenta dias e quarenta noites. E não comi pão e não bebi água, porque [meu] alimento era ver o anjo que estava comigo, e sua palavra para mim era a minha bebida. E chegamos às gloriosas montanhas de Deus, Horebe.23
Os estudiosos costumam ver nesta passagem uma alusão a Êxodo 34:28,24 que relata Moisés estando com Deus por quarenta dias e quarenta noites no Monte Sinai, sem comer pão ou beber água.25 A referência à alimentação alternativa através da visão de um ser celestial evoca novamente o conjunto de tradições interpretativas associadas no Segundo Templo26 e na literatura rabínica27 com a personagem de Moisés.
Embora os relatos bíblicos das experiências teofânicas de Moisés e Elias muitas vezes se “espelhem” compartilhando imagens semelhantes,28 David Halperin argumenta que, no Apocalipse de Abraão, as tradições mosaicas têm maior valor formativo do que as tradições sobre Elias. Ele observa que quando o anjo diz a Abraão que verá Deus “vir direto para nós” (cap. 16), isso nos lembra que Deus “passa” tanto por Moisés quanto por Elias (Êx 33:22; 34:6; 1 Rs 19:11–12). Mas é dito apenas a Moisés, a esse respeito, que “você não poderá ver a minha face” e “a minha face ninguém verá” (Êx 33:20, 23), assim como o anjo continua a dizer a Abraão que “você não poderá ver Deus.” Moisés, não Elias, “curvou-se para a terra, adorou o Senhor” quando Deus passou (Êx 34:8), o que explica o desejo frustrado de Abraão de fazer a mesma coisa (cap. 17).29
Estudos anteriores demonstraram de forma convincente a importância da tipologia mosaica para os autores do Apocalipse de Abraão, que decidiram transferir vários temas mosaicos importantes para a história de Abraão. No entanto, apesar da atenção extensiva dos estudiosos contexto mosaico da história, um detalhe minucioso parece ter passado despercebido: O jejum de quarenta dias de Moisés ocorreu imediatamente após sua luta contra a idolatria, e sua destruição do Bezerro de Ouro, quando ele retornou ao Sinai novamente para receber um segundo conjunto de tabuinhas da divindade.
É intrigante que tanto no Apocalipse de Abraão quanto no relato do Êxodo, o jejum de quarenta dias segue a luta do herói contra a idolatria. Percebe-se um certo paralelismo entre as histórias dos dois visionários. Como Moisés que queima o bezerro de ouro (Êx 32), e depois jejua (Êx 34), Abraão também é descrito anteriormente no texto como queimando o ídolo de seu pai, uma estatueta que leva o nome de Bar-Eshath.30 É importante que em ambos os casos a transição para o jejum purificador iniciático ocorre imediatamente após os relatos que tratam da idolatria e do rebaixamento de ídolos.
A tradição do jejum do herói que ocorre após sua luta com uma estátua idólatra revela preocupações sacerdotais distintas, e parece importante para discernir o contexto sacerdotal da história de Abraão, e suas possíveis conexões com as tradições do Dia da Expiação. No entanto, a questão principal permanece aberta: como pode um cenário de Yom Kippur ser reconciliado com os detalhes mosaicos da iniciação de Abraão, visto que esses detalhes apontam inequivocamente para o conjunto de temas associados ao festival de Shavuot, que celebra a recepção das Tábuas da Lei por Moisés?
É intrigante que escritores rabínicos posteriores identifiquem o dia em que Moisés recebeu as tábuas da lei pela segunda vez com outro festival judaico, o Dia da Expiação. Assim, b. Baba Bathra 121a registra a seguinte tradição:
. . . Compreende-se bem por que o Dia da Expiação [deve ser uma ocasião tão festiva, pois é] um dia de perdão e expiação. [e é também] um dia em que as segundas tábuas foram dadas . . .31
Uma tradição quase idêntica é encontrada em b. Taanith 30b:
. . . R. Simeon b. Gamaliel disse: Nunca houve em Israel dias de maior alegria do que o décimo quinto dia de Ab, e o Dia da Expiação. Posso entender o Dia da Expiação, porque é um dia de perdão e expiação, e nele foram dadas as segundas Tábuas da Lei. . .32
Parece que este conjunto de tradições sobre o “dia do perdão e da expiação” se baseia em tradições bíblicas semelhantes àquela encontrada em Êxodo 32:30, onde, após a idolatria do Bezerro de Ouro, Moisés diz ao povo que pedirá ao Senhor expiação de seus pecados.
Diversas passagens midráshicas tornam ainda mais explícita essa conexão entre o arrependimento dos israelitas após a idolatria do Bezerro de Ouro em Êxodo 33 e o estabelecimento de Yom Kippur. Nesses materiais, o arrependimento dos israelitas serve como ponto de partida formativo para a observância do Dia da Expiação. Assim, Eliyyahu Rabbah 17 diz:
Quando Israel estava no deserto, eles se sujaram com seus erros, mas então eles se agitaram e se arrependeram em privacidade, como é dito: Sempre que Moisés saía para a Tenda, todo o povo se levantava e ficava de pé, cada um na entrada de sua tenda, e olhavam para Moisés. E quando Moisés entrava na tenda, a coluna de nuvem descia e ficava na entrada da tenda . . . Quando todo o povo viu a coluna de nuvem suspensa na entrada da Tenda, todo o povo se levantaria e se prostrava, cada um na entrada de sua tenda (Êx 33:8, 9, 10), dando a entender que se arrependeram, cada um na privacidade de sua tenda. Portanto, Sua compaixão transbordou e Ele deu a eles, a seus filhos e aos filhos de seus filhos até o fim de todas as gerações, o Dia da Expiação como um meio de garantir Seu perdão.33
Digno de nota que esta passagem de Eliyyahu Rabbah invoca a memória dos eventos familiares encontrados em Êxodo 33, que ocorreram imediatamente após o episódio do Bezerro de Ouro.34 A evidência midráshica indica que a tradição rabínica tenta repetidamente colocar a instituição dos ritos expiatórios do Yom Kippur na estrutura das tradições que cercam a recepção de Moisés do segundo conjunto das Tábuas da Lei.
Desta forma, uma passagem encontrada em Pirke R. Eliezer 46 revela a tradição que conecta a visão de Moisés da Glória de Deus em Êxodo 33 com o Dia da Expiação:
Moisés disse: No Dia da Expiação contemplarei a glória do Santo, bendito seja Ele, e farei expiação pelas iniquidades de Israel. Moisés falou diante do Santo, bendito seja Ele: Soberano de todo o universo! “Mostra-me, peço-te, a tua glória” (Êx 33:18). O Santo, bendito seja Ele, disse-lhe: Moisés! Não verás Minha glória para que não morras, como está dito: “Porque os homens não me verão e viverão” (ibidem, 20) . . .35
Esta tradição da busca de Moisés em contemplar o Kavod, agora colocado no cenário litúrgico do Dia da Expiação, antecipa a visão da Glória de Deus oculta no Santo dos Santos pelo sumo sacerdote no Yom Kippur.
Ainda mais importante para nosso estudo, em vista das tradições mosaicas encontradas no Apocalipse Eslavônico, que várias passagens midráshicas ligam a provação de quarenta dias de Moisés no Sinai com a instituição do Dia da Expiação. Assim, a passagem encontrada em Pirke de R. Eliezer 46 preserva a seguinte tradição:
O Filho de Bethera disse: Moisés passou quarenta dias no monte, expondo o significado das palavras da Torá e examinando suas letras. Quarenta dias após receber a Torá, e descer no décimo dia do mês, no Dia da Expiação, e deu-a como uma herança eterna aos filhos de Israel, como está dito: “Isto lhes será por estatuto perpétuo” (Lv 16:34).36
Também é intrigante que a passagem de Pirke de R. Eliezer vincule a revelação dada ao filho de Amrão com as instruções sobre Yom Kippur em Levítico 16. Outra passagem, Eliyyahu Zuta 4, vai ainda mais longe ao conectar o jejum de quarenta dias que precedeu a recepção das tábuas por Moisés pela segunda vez com o estabelecimento da prática de abnegação no Yom Kippur:
Durante os últimos quarenta dias, quando Moisés subiu pela segunda vez ao Monte Sinai, para buscar a Torá, Israel decretou para si que o dia fosse reservado para o jejum e aflição própria. O último dia do período inteiro, o último dos quarenta, eles decretaram novamente autoaflição, e passaram a noite também em tal autoaflição, para não permitir que a inclinação para o mal tivesse qualquer poder sobre eles. Cedo pela manhã, eles se levantaram, e foram ao Monte Sinai. Eles choravam ao se encontrar com Moisés, e Moisés chorava ao se encontrar com eles, e, por fim, aquele choro se elevou ao céu. Imediatamente a compaixão do Santo brotar em favor deles, o espírito santo deu-lhes boas novas e grande consolo dizendo: Meus filhos, juro pelo Meu grande nome que este choro será um choro de alegria para vocês, porque este dia será um dia de misericórdia, perdão e expiação, para vocês, para seus filhos, e para os filhos de seus filhos até o fim de todas as gerações.37
Todas essas evidências da literatura rabínica indicam que, na interpretação judaica tardia, a luta de Moisés contra a idolatria, seu jejum de quarenta dias, sua visão da deidade, e sua recepção da revelação portentosa no Sinai foram entendidos como uma cadeia de eventos formativos ligados ao estabelecimento da cerimônia do Yom Kippur. Além disso, algumas dessas tradições imaginavam a provação de Moisés como o protótipo cósmico das ações simbólicas que, enquanto o Templo ainda existia, eram reencenadas anualmente pelo sumo sacerdote no Santo dos Santos.
Agora é hora de voltar ao Apocalipse Eslavo, onde uma constelação de motivos muito semelhantes é encontrada. É possível que, ao evocar este conjunto particular de tradições mosaicas, os autores do apocalipse estivessem tentando conectar as práticas sacrificais do patriarca no Monte Horebe com o recebimento das tábuas da lei por Moisés pela segunda vez, evento que as tradições rabínicas posteriores interpretaram como a inauguração do feriado de Yom Kippur.
É intrigante que no Apocalipse de Abraão, como nos relatos rabínicos acima mencionados, a prática autoaflitiva do jejum de quarenta dias, que segue o pecado da idolatria esteja então conectada, ao imaginário do Dia da Expiação. É possível que no Apocalipse Eslavo, como nos relatos rabínicos, uma combinação muito semelhante de temas mosaicos esteja permeada pelo simbolismo do Yom Kippur.
Embora vários estudiosos já apontaram para a existência do imaginário do Yom Kippur no Apocalipse Eslavo,38 nenhuma explicação suficiente foi oferecida para o porquê desse conjunto de tradições que cercam o bode expiatório Azazel e as duas sortes aparecerem repentinamente no pseudepígrafo abraâmico. A este respeito, é digno de nota que outras pseudepígrafes abraâmicas (e.g., o Testamento de Abraão), embora compartilhem alguns outros princípios conceituais comuns com o Apocalipse de Abraão,39 não mostram qualquer interesse em se apropriar do simbolismo do Dia da Expiação. Tal imaginário também está ausente de outras elaborações extrabíblicas da história do patriarca encontrada no Livro dos Jubileus, em Josefo e Filo, bem como nos materiais rabínicos tardios (Genesis Rabbah, Tanna debe Eliyyahu, Seder Eliyyahu Rabba).40 Falha, também, em encontrar qualquer referência a Azazel, ou ao imaginário das duas sortes, temas que desempenham um papel teológico tão significativo no Apocalipse Eslavo. Os materiais abraâmicos mencionados anteriormente também não contêm referências ao conjunto peculiar de tradições mosaicas encontradas em nosso texto.
No entanto, a singularidade deste conjunto de motivos abre a possibilidade de que no apocalipse eslavo a história do patriarca possa ser padronizada não de acordo com a tipologia bíblica do mosaico, mas de acordo com uma versão posterior, encontrada também nos relatos rabínicos acima mencionados, que agora conectam o a luta do herói contra a idolatria e sua prática de abnegação com o estabelecimento da observância do festival de Yom Kippur. A esse respeito, a forma altamente “desenvolvida” de certos temas mosaicos encontrados no apocalipse, como, por exemplo, o tema da alimentação incomum de um vidente durante seu jejum de quarenta dias, aponta para aparentes desvios do projeto bíblico inicial.
II. Duas Sortes
De Um Animal Sacrificial a Um Anjo Caído
Um dos desafios em defender um cenário de Yom Kippur no Apocalipse de Abraão reside no fato de que os relatos das práticas sacrificais de Abraão carecem de qualquer referência explícita aos dois bodes das tradições bíblicas e rabínicas. Esses animais sacrificiais emblemáticos desempenharam um papel distintivo no rito de Yom Kippur, onde um bode é sacrificado a Deus e a outro solto no deserto para Azazel.41
No entanto, no Apocalipse de Abraão, um texto que demonstra uma grande influência da tradição enóquica, alusões ao ritual do Yom Kippur parecem ser afetadas também pela reinterpretação enóquica do imaginário do bode expiatório, e, especialmente, o simbolismo aprimorado de seu principal antagonista, o bode expiatório Azazel, imaginado agora não como um animal de sacrifício, mas como um ser celestial rebaixado.42 Os estudiosos já notaram que, no Livro dos Sentinelas, o rito do bode expiatório recebe uma notável reinterpretação angelológica ao incorporar alguns detalhes do ritual de sacrifício na história de seu principal antagonista: o anjo caído Asael. Assim, 1 Enoque 10:4–7 diz:
E além disso o Senhor disse a Rafael: “Amarre as mãos e os pés e Azazel, e o lance na escuridão. E abra o deserto, que está em Dudael, e o lance ali. E lance sobre ele rochas brutas e ásperas, e o cubra com escuridão. Cubra sua face para que ele não possa ver a luz. E restaure a Terra que os anjos arruinaram. E proclame a restauração da Terra. Pois Eu restaurarei a Terra . . .43
Vários estudantes ilustres das tradições apocalípticas já perceberam que alguns detalhes da punição a Asael são uma reminiscência do ritual do bode expiatório.44 Assim, Lester Grabbe aponta para uma série de paralelos entre a narrativa de Asael em 1 Enoque e a redação de Levítico 16, incluindo “a semelhança dos nomes Asael e Azazel; o castigo no deserto; a colocação do pecado em Asael/Azazel; a cura resultante da terra.”45 Daniel Stökl também observa que “a punição ao demônio se assemelha ao tratamento ao bode em aspectos de geografia, ação, tempo e propósito.”46 Portanto, o local da punição de Asael designado em 1 Enoch como Dudael é uma reminiscência da terminologia rabínica usada para a designação da ravina do bode expiatório (הדורו / בית הדודו [beyt hadudu/haduro]) em interpretações rabínicas tardias do ritual de Yom Kippur. Stökl observa que “o nome do lugar do julgamento (Dudael בית הדורו [beyt haduru]) é visivelmente semelhante em ambas as tradições e pode provavelmente ser atribuído a uma origem comum.”47
Vários materiais de Qumran também parecem cientes desta reinterpretação angelológica da personagem do bode expiatório quando optam por retratar Azazel como o líder escatológico dos anjos caídos, incorporando-o à história da rebelião dos Sentinelas. Assim, 4Q180 1:1–10 diz:
Interpretação a respeito das eras que Deus fez: uma era para concluir [tudo o que existe] 2 e tudo o que será. Antes de criá-los, ele determinou [suas] operações [de acordo com a sequência precisa das eras,] uma era após a outra. E isso está gravado nas tábuas [celestiais] [para os filhos dos homens] [para] / [to]das / as eras de seu domínio. Esta é a sequência dos filh[os de Noé, de Sem a Abraão,] [at]é se ele gerar Isaque; as dez [gerações . . .] [. . .] {em branco} [E] a interpretação sobre ‘Azaz’el e os anjos qu[e vieram às filhas do homem] [e g]eraram gigantes. E a respeito de ‘Azaz’el [está escrito . . .] [amar] a injustiça e deixá-lo herdar o mal por todo a [sua] e[ra . . .] [. . .] (dos) juízos e o juízo do conselho de [. . .].48
Lester Grabbe aponta para outra evidência importante: um texto fragmentário do Livro dos Gigantes encontrado em Qumran (4Q203).49 Neste documento,50 a punição por todos os pecados dos anjos caídos é colocada em Azazel. Materiais rabínicos tardios também ligam o animal sacrificial conhecido do ritual do bode expiatório à história dos rebeldes angelicais. Desta forma, por exemplo, b. Yoma 67b relata a seguinte tradição:51
A Escola de R. Ishmael ensinava: Azazel [era assim chamado] porque obtém expiação pelo caso de Uzá e Aza’el.”52
Como pode ser visto, o vínculo conceitual entre o bode expiatório e o anjo caído está documentado em vários materiais importantes em um período substancial da história. Um amplo consenso acadêmico agora reconhece essa conexão.
Parece que esse padrão “angelológico” também opera no Apocalipse de Abraão, onde Azazel, como o antagonista da tradição enóquica, é imaginado como um ser angelical caído. Já foi observado que a história de Azazel no apocalipse reflete vários detalhes peculiares do mito enóquico dos sentinelas caídos.53 Assim, por exemplo, Rubinkiewicz argumentou que
. . . o autor do Apocalipse de Abraão segue a tradição de 1 Enoque 1–36. O chefe dos anjos caídos é Azazel, que governa as estrelas, e a maioria dos homens. Não é difícil encontrar aqui a tradição de Gênesis 6:1–4 desenvolvida de acordo com a tradição de 1 Enoque. Azazel é o chefe dos anjos que conspiraram contra o Senhor, e que engravidaram as filhas dos homens. Esses anjos são comparados às estrelas. Azazel revelou os segredos do céu, e foi banido para o deserto. Abraão, como Enoque, recebe o poder de expulsar Satanás. Todas essas conexões mostram que o autor do Apocalipse de Abraão se inspirou na tradição de 1 Enoque.54
É claro que tanto no Apocalipse Eslavo, como nos materiais enóquica e qumrânicos, Azazel não é mais um animal sacrificial, mas um ser angelical. Já em sua primeira aparição no capítulo 13:3–4,55 ele é descrito como um pássaro sujo (impuro) (eslavo: птица нечистая [ptica nečistaâ]).56 No código angelológico pteromórfico do Apocalipse de Abraão, que escolhe retratar Yahoel com o corpo de grifo, a aparência semelhante a um pássaro de Azazel aponta para sua forma angelical.57
A suposição de que Azazel já foi um ser angelical é posteriormente apoiada por Apocalipse de Abraão 14, que fala sobre a vestimenta celestial que o anjo caído uma vez possuiu: “Pois eis que foi reservada para ele (Abraão) a vestimenta que antes era sua no céu . . .”58
Contudo, em comparação com os desenvolvimentos enóquicos primitivos, o perfil angelical de Azazel parece ser mais avançado. Lester Grabbe sugere que, na descrição de seu principal antagonista, o Apocalipse de Abraão parece estar se referindo ao “complexo básico de arquidemônios sob o nome de Azazel.”59 Em sua opinião, “Azazel não é apenas um líder entre os anjos caídos, mas o líder dos demônios. Personagens originalmente separadas agora se juntaram, enquanto os vários nomes se tornaram apenas pseudônimos diferentes de um diabo. ”60
O Bode para YHVH?
O papel simétrico de Abraão em relação com Azazel no Apocalipse Eslavo evoca novamente a memória da tradição enóquica e seu herói lendário: o sétimo patriarca antediluviano. Em ambos os casos, os protagonistas parecem espelhar suas respectivas contrapartes negativas, já que ambas as histórias os retratam trocando atributos e papéis entre si. Assim como Enoque assume os ofícios sacerdotais e celestiais de Asael, enquanto o anjo caído assume alguns papéis humanos, no Apocalipse de Abraão, também, Azazel entrega sua vestimenta angelical ao herói da fé. Ambas as partes, portanto, aceitam os papéis e ofícios de suas contrapartes à medida que entram no reino de seus oponentes. A este respeito, é digno de nota que a transição do antagonista do Apocalipse Eslavo para o reino inferior, como no caso de Asael da tradição enóquica, abrange duas etapas: sua primeira remoção para a terra,61 e, então, para o abismo de fogo da esfera subterrânea.62
Além disso, à semelhança do Livro dos Sentinelas, no pseudepígrafo abraâmico, o protagonista progride na direção oposta à sua contraparte negativa ao ascender ao céu, à medida que adquire um status especial, e uma vestimenta celestial que lhe permite entrar no santuário celestial. A progressão do patriarca para uma alta santidade tem aqui, como em 1 Enoque, um significado sacerdotal, pois traz as conexões com a cerimônia de Yom Kippur da entrada do sumo sacerdote na presença divina. Ademais, é possível que o movimento progressivo de Abraão para o Santo dos Santos celestial possa ser entendido aqui como abrangendo não apenas a dimensão sacerdotal, mas também a dimensão sacrificial, em vista da posição simétrica do patriarca em relação ao bode expiatório celestial, em virtude da qual a sorte de Abraão é repetidamente justaposta à sorte de Azazel.63
O texto eslavônico esconde muitos detalhes, e não está claro se Abraão é entendido no Apocalipse Eslavônico como o bode sacrificial para o Senhor. No entanto, algumas tradições enigmáticas encontradas no texto podem sugerir essa possibilidade. Como é conhecido pelas descrições bíblicas e rabínicas do ritual de Yom Kippur, a carne do bode64 para YHVH era destruída pelo fogo, enquanto seu sangue (que representa na tradição judaica a alma do animal sacrificial) era então trazido para o Santo de Santos pelo sumo sacerdote e usados ali para purificação.65
À luz dessas tradições, poderia a entrada de Yahoel e Abraão na sala do trono celestial no capítulo 18 ser entendida como uma alusão à entrada do sumo sacerdote que traz o sacrifício purificador para o Santo dos Santos no Yom Kippur?
É interessante que, em Apocalipse de Abraão 13:4–5, Azazel avisa sua contraparte representando a sorte “divina” que ele será destruído pelo fogo junto com outros animais de sacrifício:
E o pássaro impuro falou comigo e disse: “O que você está fazendo, Abraão, nas alturas sagradas, onde ninguém come nem bebe, nem sobre eles há comida de homens? E tudo isso será consumido pelo fogo e queimará você. Deixe o homem que está com você e fuja! Já que se você subir ao alto, eles o destruirão.”66
O aviso misterioso de Azazel continua sendo um dos enigmas mais profundos do texto. Ainda, o tema do encontro de um vidente com o fogo parece significativo para os autores dos pseudoepígrafos, que imaginam o fogo como uma substância teofânica em torno da própria presença da divindade. Assim, mais tarde no texto, a transição de Abraão para o reino divino é descrita como sua entrada no fogo.67 Poderia a promessa de uma vestimenta celestial ao patriarca no Apocalipse de Abraão significar aqui, como em muitos outros relatos apocalípticos, que seu corpo “mortal” deve ser “alterado” na metamorfose de fogo?68 Infelizmente, o texto não fornece respostas diretas para essas perguntas.
A fim de entender melhor as conexões de Abraão com a sorte “divina”, o que pode nos ajudar a esclarecer ainda mais seu papel escatológico como o “bode para YHVH”, devemos, então, explorar o imaginário das duas sortes encontrados no Apocalipse Eslavo.
Sortes Escatológicas
Já observamos que a notável metamorfose angelical do animal sacrificial associada à sorte de Azazel teve uma vida conceitual duradoura no apocalipticismo judaico e sua escatologia. Contudo, não se deve esquecer outro aspecto portentoso do simbolismo de Yom Kippur que, de forma semelhante, exerceu uma influência formativa em alguns materiais apocalípticos do Segundo Templo, incluindo os Manuscritos do Mar Morto. Nos escritos de Qumran, encontra-se uma ampla apropriação do imaginário das duas sortes, simbolismo que tem profundo significado na ordenança do bode expiatório. Assim como a personagem Azazel, que ganha um novo perfil celestial, o imaginário das sortes sacrificiais também recebe uma nova reinterpretação escatológica. Dessa forma, em uma série de materiais de Qumran como 1QM, 1QS, 4Q544, e 11T13, as duas sortes se tornaram associadas não a dois bodes sacrificiais, mas a protagonistas celestes, tanto positivos (como Melquisedeque ou o Anjo da Luz) bem como negativos (como Melchirešac, Belial ou o Príncipe das Trevas). Essas personagens fascinantes passam a ser entendidas nesses documentos como as líderes das “porções da humanidade” associadas às sortes de bem e mal, escuridão e luz.69 Nos documentos de Qumran, é possível encontrar referências repetidas a essas sortes escatológicas que representam as respectivas porções boas e más da humanidade, muitas vezes designadas como “os homens da sorte de Melquisedeque”70 (11Q13 2:8) ou “os homens da sorte de Belial” (5T11 1:3).71
Essa reinterpretação escatológica das sortes também aparece no Apocalipse de Abraão. Numerosas referências às duas sortes estão amplamente espalhadas na segunda parte apocalíptica do pseudepígrafo. Os estudiosos já notaram que as elaborações conceituais peculiares que circundam o imaginário das sortes são uma reminiscência das reinterpretações escatológicas e da terminologia encontrada nos materiais de Qumran.72 Logo, como observado anteriormente que o termo “sorte” (eslavo часть [častʹ]) parece estar conectado ao hebraico גורל [gorel], um termo proeminente não apenas nas descrições bíblicas da cerimônia do bode expiatório,73 mas também nos materiais de Qumran.74
Similarmente aos materiais de Qumran, onde as sortes estão ligadas a representantes angelicais (como Belial ou Melquisedeque), no Apocalipse de Abraão, as sortes agora estão ligadas não aos animais sacrifíciais, mas aos principais heróis da história: o anjo caído Azazel75 e o patriarca Abraão transladado.76
Ainda, em comparação com os materiais de Qumran, as conexões com o padrão formativo subjacente ao ritual do bode expiatório parecem ainda mais distintas. e, portanto, mais facilmente reconhecíveis nos relatos eslavos das sortes.77 Assim, em Apocalipse de Abraão 13, em uma das primeiras passagens do texto a invocar ou imaginário das duas “sortes”, “porções”, pode-se facilmente enxergar alusões a detalhes particulares associados à observância do Yom Kippur. Apocalipse de Abraão 13:7–8 diz:
E ele [Yahoel] disse-lhe: “Você está repreendido, Azazel! Visto que a porção de Abraão está no céu, e a sua na terra, uma vez que você a escolheu e desejou que fosse a morada de sua impureza. Portanto, o Senhor Eterno, o Todo-poderoso, fez de você um morador na terra . . .”78
Aqui, a referência distinta à morada da “impureza” do antagonista, lembra, imediatamente, o tema da remoção da impureza para outro reino por meio de Azazel, um conceito que desempenha um papel proeminente na cerimônia do bode expiatório original.
Outras conexões podem ser vistas na descrição da outra sorte, associadas a Abraão. Assim, da mesma forma que a comemoração do Dia da Expiação, onde a sorte para YHVH é chamada de sorte para o Senhor, em Apocalipse de Abraão 20:5 a sorte para Abraão é chamada de sorte da deidade (minha sorte [do Senhor]):
20:1 E o Poderoso Eterno me disse: “Abraão, Abraão!”
20:2 E eu disse: “Aqui estou!” 20:3 E ele disse: “Olhe do alto para as estrelas que estão abaixo de você, conte-as para mim, e diga-me o seu número!” 20:4 E eu disse: “Eu seria capaz? Sou um mero homem.” 20:5 E ele me disse: “Como o número das estrelas e seu exército, assim farei a tua semente em uma companhia de nações, separada para mim na minha sorte com Azazel.”79
Essa identificação da sorte positiva com o destino de Deus também está presente nos materiais de Qumran.80
Embora os paralelos entre o imaginário das sortes encontrados no Apocalipse de Abraão e nos materiais de Qumran tenham muitas vezes atraído a atenção dos estudiosos, poucas vezes eles conseguiram discernir as semelhanças pronunciadas com os desenvolvimentos rabínicos. Ademais, os detalhes intrigantes nas descrições das sortes no Apocalipse Eslavo parecem apontar para conexões próximas com as reinterpretações rabínicas tardias do imaginário do Yom Kippur encontradas na Mishná e no Talmude. Um paralelo interessante aqui envolve a organização do espaço das sortes nos lados esquerdo e direito, encontrado tanto no Apocalipse Eslavo quanto em materiais rabínicos.
Portanto, uma passagem encontrada em Apocalipse de Abraão 22 retrata duas porções da humanidade organizadas de acordo com as duas sortes, e situadas em lados esquerdo e direito:
22:4 E ele me disse: “Esses que estão do lado esquerdo são uma multidão de tribos que existiram antes e que estão destinadas a existir depois de você: alguns para juízo e justiça, e outros para vingança e perdição no fim da era. 22: 5 Aqueles no lado direito da imagem são as pessoas separadas para mim das pessoas [que estão] com Azazel. Esses são os que destinei a nascer de você e a serem chamados de meu povo. ”81
Em Apoc. Ab. 27: 1-2 e 29:11 esta divisão das suas sortes colocadas à esquerda e à direita é repetida novamente:
E eu olhei e vi, e eis que pintura balançava, e um povo pagão saiu de seu lado esquerdo e capturou aqueles que estavam do lado direito: homens, mulheres e crianças. E eles mataram uns, enquanto outros eles mantiveram com eles (Ap. Ab. 27:1–2).
E você viu saindo do lado esquerdo da pintura e aqueles que o adoravam, isso [significa que] muitos dos pagãos terão esperança nele (Ap. Ab. 29:11).
Deve-se observar que, embora nos materiais de Qumran a organização do espaço das sortes em lados esquerdo e direito não desempenhe nenhum papel teológico importante, tal distinção recebe seu significado cúltico primordial nas descrições rabínicas do costume de seleção dos bodes de Yom Kippur.82
A este respeito, é intrigante que a organização do espaço das sortes em lados esquerdo e direito no Apocalipse de Abraão seja uma reminiscência das descrições encontradas no tratado mishnaítico Yoma, onde a seleção ritual de dois bodes, um para YHVH e outro para Azazel, também opera com o simbolismo de lados esquerdo e direito.
Desta forma, em m. Yoma 4:1 a seguinte tradição é encontrada:
Ele sacudiu o cesto e pegou as duas sortes. Em uma estava escrito “Para o Senhor”, e na outra estava escrito “Para Azazel.” O prefeito estava à sua direita e o chefe da casa de seu pai à sua esquerda. Se a sorte que leva o Nome aparecesse em sua mão direita, o Prefeito diria a ele: “Meu senhor Sumo Sacerdote, levante sua mão direita”; e se subisse em sua mão esquerda, o chefe da casa paterna diria a ele: “Meu senhor sumo sacerdote, levante a mão esquerda.” Ele os colocou sobre os dois bodes e disse: “Uma oferta pelo pecado ao Senhor.”83
Embora a passagem da Mishná não identifique abertamente o lado direito com a sorte divina, como faz o Apocalipse Eslavo, o Talmude Babilônico torna essa conexão explícita. Assim, b. Yoma 39a diz:
Nossos Rabinos ensinaram: Durante os quarenta anos que Simeão o Justo ministrou, a sorte [“Para o Senhor”] sempre subia na mão direita; a partir de então surgiria tanto na mão direita quanto na esquerda. E [durante o mesmo tempo] a pulseira de cor carmesim se tornaria branca. A partir de então, às vezes tornava-se branco, outras não.84
Esta imagem da seleção dos bodes em materiais rabínicos, onde o bode expiatório é colocado à esquerda e o bode para o Senhor à direita, lembra o arranjo espacial das sortes no Apocalipse Eslavo, onde a sorte divina está igualmente situado no lado direito e a sorte de Azazel no lado esquerdo.85
Recriação do Festival de Yom Kippur no Apocalipse de Abraão: O Ritual do Bode Expiatório
O Sumo Sacerdote e Azazel
Como na tradição enóquica, onde os perfis dos protagonistas86 e antagonistas87 reiteradamente revelam suas afiliações cultuais, no Apocalipse Eslavônico, também, Azazel e Abraão são vistos como personagens sacerdotais. Como já mencionado, essa visão sacerdotal permeia a trama de toda o pseudepígrafo, na qual todos os personagens principais são dotados de papéis cultuais. Os atributos cúlticos mais espetaculares são, naturalmente, dados a Yahoel, que é apresentado no texto como o sumo sacerdote celestial, e o mestre do coro celestial. As repetidas instruções sobre ritos sacrificiais e procedimentos litúrgicos adequados que ele transmite a seu aprendiz humano, Abraão, revelam Yahoel como a personagem sacerdotal mais distinta da história. É possível que, em seu papel de instrutor e revelador dos mistérios cultuais, Yahoel revele seus ensinamentos ao patriarca não apenas na fala, mas também por meio da participação direta na práxis sacerdotal. Um exemplo disso pode ser visto nos capítulos 13 e 14 do Apocalipse Eslavo, onde Yahoel parece realizar uma das ordenanças centrais da cerimônia expiatória de Yom Kippur, na qual a impureza é transferida para Azazel e o bode expiatório é despachado para o deserto.
Desta forma, em Apocalipse de Abraão 13:7–14, o seguinte encontro misterioso entre o sumo sacerdote Yahoel e o bode expiatório Azazel pode ser encontrado:
. . . “Você está repreendido, Azazel! Pois a porção de Abraão está no céu, e a sua na terra, uma vez que você a escolheu e desejou que fosse a morada de sua impureza. Portanto, o Senhor Eterno, o Todo-poderoso, fez de você um morador na terra . . .” E por causa de você [há] o espírito maligno da mentira se espalhou por toda a terra, e por causa de você [há] ira e juízos sobre as gerações de homens ímpios.
Pois Deus, o Eterno, o Poderoso, não permitiu que os corpos dos justos fossem entregues às tuas mãos; somente através deles é que deveria ser assegurada a vida dos justos e a perdição dos impuros.
. . . Escute, acusador! Fique envergonhado diante de mim, já que não lhe fora permitido tentar todos os justos!
Afaste-se deste homem! Você não pode enganá-lo, porque ele é seu inimigo e daqueles que o seguem e amam o que você deseja. Pois eis que a veste que antes era sua no céu foi separada para ele, e a corrupção que estava sobre ele passou para você.”88
Em vista das afiliações cultuais de Yahoel, é possível que seu endereço para o bode expiatório tenha um significado ritual, uma vez que parece ser uma reminiscência de algumas das ações do sumo sacerdote em Yom Kippur. Crispin Fletcher-Louis notou uma possível conexão entre este comando encontrado em Apocalipse de Abraão 13:12 e a ordem de retirada dada ao bode expiatório em m. Yoma 6: 4 – “Pegue nossos pecados e vá embora.”89
Estudiosos também apontaram que alguma terminologia técnica encontrada no capítulo 13 parece estar conectada com a terminologia do Yom Kippur. Deste modo, Daniel Stökl chama atenção para a expressão sobre “enviar” coisas para Azazel em Apocalipse de Abraão 13:10,90 a qual Alexander Kulik atribui ao termo grego ἀποστέλλω [apostéllō] ou hebraico שלח [shalách].91 Stökl propõe que esta terminologia “pode aludir ao despejo do bode emissário.”92
A frase “morada de sua impureza” também é digna de nota, uma vez que alude à função de “purgação” da cerimônia do bode expiatório, o rito que se centrava na remoção da impureza carregada pelo animal sacrificial para a “morada” do demônio no região selvagem.
Promulgar culpa e vergonha sobre Azazel em Apocalipse de Abraão 13:7 e 13:11 pode também estar relacionado às maldições rituais transferidas ao bode expiatório.
Outro detalhe importante do discurso de Yahoel é a menção do anjo de que a corrupção do antepassado da nação israelita foi transferida agora para Azazel.
Refletindo sobre esta declaração do grande anjo, Robert Helm vê sua conexão com as configurações do Yom Kippur ao propor que “a transferência da corrupção de Abraão para Azazel pode ser uma referência velada ao rito do bode expiatório . . .”93 Da mesma forma, Lester Grabbe também argumenta que a frase na declaração “a corrupção de Abraão ‘passou para’ Azazel sugere um ato de expiação.”94
Também é possível que o sumo sacerdote Yahoel esteja desempenhando aqui a chamada “função de transferência”, a parte crucial do ritual do bode expiatório, quando o sumo sacerdote transmite os pecados de Israel sobre a cabeça do bode através da confissão e imposição de mãos.95
Abraão e O Bode Expiatório
Fica muito claro que, no Apocalipse de Abraão Yahoel, funciona como um sacerdote mestre explicando e demonstrando rituais a um servo sacerdote aprendiz: Abraão.96 Esse paralelismo entre as instruções do mestre e as ações do aprendiz se manifesta já no início da seção apocalíptica do texto, onde o patriarca segue fielmente as ordens de seu guia angelical sobre a preparação dos sacrifícios.97 O mesmo padrão de instrução sacerdotal em que as ordens do mestre são seguidas pela atuação do discípulo também é discernível na descrição do ritual de despachar o bode expiatório.
No Apocalipse de Abraão, após o próprio “manuseio” de Azazel por Yahoel, o anjo, então, instrui verbalmente Abraão sobre como lidar com o bode expiatório:
Diga a ele: “Que você seja o tição da fornalha da terra! Vá, Azazel, para os campos desertos do mundo. Já que sua herança são aqueles que estão com você, aqueles que nasceram com as estrelas e as nuvens. E a porção deles é você, e eles passam a existir através do seu ser. E a justiça é sua inimizade. Portanto, por sua própria ruína, desapareça da minha presença!” E eu disse as palavras como o anjo havia me ensinado (Ap. Ab. 14:5–8).98
Nesta narrativa, as fórmulas de despacho parecem ser ainda mais decisivas e contundentes do que na passagem investigada anteriormente do capítulo 13, agora incluindo comandos para o bode expiatório como: “Vá” (eslavo иди [idi])99 e “desapareça da minha presença” (eslavo буди от мене исчезлъ [budi ot mene isčezlʺ]).100
Outro detalhe interessante é que a fórmula de despacho “vá, Azazel, para os campos desertos do mundo” designa o destino da remoção do demônio como “os campos desertos do mundo.” O termo “deserto” (eslavo беспроходна [besprohodna])101 é significativo, pois descreve um lugar inabitável (lit. intransitável) para os seres humanos. Refletindo sobre a linguagem de Levítico 16, onde o bode expiatório é despachado “para o lugar solitário” (אל ארץ גזרה [’el ’erets gizrah]) “no deserto” (במדבר [bemidvar]),102 Jacob Milgrom observa que “o propósito de despachar o bode para o deserto é removê-lo da habitação humana. ”103
Em vista dessas observações, é possível que no Apocalipse de Abraão se encontre um outro, chamado de “eliminação”, aspecto do ritual do bode expiatório pelo qual a impureza deve ser removida do oikumene humano para um habitável (ou na linguagem do Apocalipse de Abraão, reino “deserto”).
A esse respeito, Daniel Stökl também observa que a terminologia encontrada em Apocalipse de Abraão 14:5, onde Azazel vai “em campos desertos do mundo,” é uma reminiscência da tradução da versão da Septuaginta de Levítico 16:22 (εἰς γῆν ἄβατον [eis gēn ábaton]),104 e a expressão escolhida por Filo em De Specialibus Legibus 1:188 em sua descrição de Yom Kippur.105
A frase final da passagem do capítulo 14, que relata Abraão repetindo as palavras que recebeu do grande anjo, confirma nossa sugestão de que Abraão é descrito aqui como uma espécie de aprendiz sacerdotal recebendo instruções de seu mestre Yahoel, e, em seguida, aplicando esse conhecimento em despachar o bode expiatório.106
Conclusão
Na conclusão de nosso estudo do imaginário de Yom Kippur discernível na segunda parte do Apocalipse de Abraão, devemos novamente chamar a atenção para as possíveis conexões entre essas tradições sacerdotais e os desenvolvimentos conceituais encontrados na primeira seção hagádica do pseudepígrafo.
Como já mencionado, a primeira parte do texto também está permeada por preocupações cultuais, pois retrata a adoração idólatra da casa de Terá, descrita através da metáfora do santuário poluído. A seção termina com o desaparecimento da infame casa de culto e a morte de seus servos sacerdotais, o pai de Abraão Terá e seu irmão Naor, morrendo no incêndio do santuário poluído destruído por ídolos.
A esse respeito, é intrigante que a descrição do ritual de Yom Kippur encontrada em Levítico 16 também comece com uma referência a dois sacerdotes que pereceram: os filhos de Arão, Nadabe e Abiú, que, como Terá e Naor, no Apocalipse Eslavo, foram mortos pelo fogo procedente de Deus, porque sua prática sacerdotal imprópria contaminou o santuário.
Esta referência aos sacerdotes que morreram e causaram uma contaminação que agora requer purgação parece servir bem para a ordem cultual de Levítico 16, que oferece então a descrição do rito purificatório de Yom Kippur.107 Como já visto, materiais rabínicos posteriores que ligam o episódio do Bezerro de Ouro com o estabelecimento de Yom Kippur sugerem essa correspondência entre a transgressão sacerdotal e a necessidade de seu reparo cúltico.
À luz das tradições acima mencionadas, parece que a reconstituição das observâncias de Yom Kippur encontradas na segunda parte do Apocalipse de Abraão também se encaixa perfeitamente na estrutura geral dos pseudepígrafos eslavos, onde a transição do herói do santuário poluído e destruído retratado no início da história para o verdadeiro local de adoração mostrado a ele pela Deidade no final é mediado pelo ritual de expiação.
SUMÁRIO
Este artigo investigou a dimensão sacerdotal do Apocalipse de Abraão. O estudo mostra que a entrada de um vidente no reino celestial revela a dimensão cúltica e é entendida como uma visita ao templo celestial. O estudo teoriza que algumas porções da segunda parte apocalíptica do pseudepígrafo podem ser vistas como uma reconstituição escatológica do ritual de Yom Kippur, uma das cerimônias cúlticas mais enigmáticas da tradição judaica.
Notas
1 Uma versão expandida deste artigo será lançada em Henoch.
2 Eslavo: сапфиръ [sapfirʺ]. B. Philonenko-Sayar, M. Philonenko, “L’Apocalypse d’Abraham. Introduction, texte slave, traduction et notes” (Paris: Librairie Adrien Maisonneuve, 1981), Semitica 31, p. 60.
3 Eslavo: хрусолить [hrusolitʹ]. Ibid.
4 “. . . e um turbante (кидарь [kidarʹ]) em sua cabeça como a aparência de um arco nas nuvens . . .” A. Kulik, “Retroverting Slavonic Pseudepigrapha: Toward the Original of the Apocalypse of Abraham” (Atlanta: Scholars, 2004), TCS 3, p. 19; Philonenko-Sayar, Philonenko, L’Apocalypse d’Abraham, p. 60.
5 Assim, Dan Harlow observa que “a vestimenta de Yahoel . . . indica que ele é o sumo sacerdote celestial: ele usa um ‘turbante na cabeça como a aparência de um arco nas nuvens’, suas vestes são roxas e ele tem uma vara dourada em sua mão (11:2). Esses elementos evocam o vestuário e os acessórios de Arão (Êx 28; Nm 17). ” D. S. Harlow, Idolatry and Otherness: Israel and Nations in the Apocalypse of Abraham (a ser publicado).
6 Jacob Milgrom observa que a cobertura da cabeça do sumo sacerdote era um turbante (מצנפת [mitsnefet]) não os cocares (מנבעות [megv‘aot]) mais simples dos sacerdotes comuns (Êx 28:39–40). J. Milgrom, Leviticus 1–16 (New York: Doubleday, 1991), Anchor Bible 3:1016.
7 M. Himmelfarb, Ascent to Heaven in Jewish and Christian Apocalypses (New York. Oxford: Oxford University Press, 1993), p. 62.
8 Himmelfarb, Ascent to Heaven, 62.
9 Ibid., p. 62. O papel de Yahoel como sumo sacerdote celestial está também implícito posteriormente no texto (Ap. Ab. 10:9) por meio de seu ofício litúrgico como mestre do coro das Criaturas Vivas, que é uma reminiscência do ofício litúrgico de Enoque-Metatron na tradição Merkabah . Cp. A. Orlov, “Celestial Choirmaster: The Liturgical Role of Enoch-Metatron in 2 Enoch and the Merkabah Tradition,” JSP 14.1 (2004), pp. 3–24.
10 Himmelfarb, Ascent to Heaven, 62.
11“Simão, filho de Onias, sumo sacerdote, foi quem, durante a sua vida, sustentou a casa do Senhor; e durante os seus dias, fortificou o templo . . . Foi bastante poderoso para aumentar a cidade, conquistou glória em suas relações com a nação, e alargou a entrada do templo e do átrio. Como a estrela-d’alva brilha no meio das nuvens, como brilha a lua nos dias de lua cheia, como brilha o sol radioso, assim resplandeceu ele no Templo de Deus. Ele era como o arco-íris fulgurando nas nuvens luminosas . . .” (Sir 50:1, 5–8). C. N. R. Hayward, The Jewish Temple: A Non-Biblical Sourcebook (London: Routledge, 1996), pp. 41–42.
12 Uma das extensas descrições de ציץ [tsits] é encontrada no Livro do Zohar, que descreve sua luminosidade incomum: “[Rabi Simeon] começou citando: ‘Também fizeram de ouro puro a lâmina da coroa sagrada [e nela gravaram à maneira de gravuras de sinete: ‘Santidade ao Senhor’] (Êx 39:30). Por que esta lâmina era chamada de ציץ [tsits]? Significa ‘ser visto, olhado.’ Por estar ali para ser visto pelas pessoas, era chamado de ציץ [tsits]. Quem olhava para esta lâmina era reconhecido por ela. As letras do santo nome foram inscritas e gravadas nesta lâmina, e se a pessoa que estava na frente dela fosse justa, as letras inscritas em ouro se destacariam de baixo para cima e brilhariam nas gravuras, e iluminariam o rosto da pessoa.” (Zohar II.217b) I. Tishby, The Wisdom of the Zohar: An Anthology of Texts, 3 vols. (London: The Littman Library of Jewish Civilization, 1989), Vol. 3:920–921.
13 Êxodo 39:30–31: “Também fizeram de ouro puro a lâmina da coroa sagrada e nela gravaram à maneira de gravuras de sinete: “Santidade ao Senhor”. 31E ataram-na com um cordão de pano azul, para prender a lâmina à parte superior da mitra, . . .”
14 b. Yoma 37a.
15 A esse respeito, Himmelfarb observa que “o céu do Apocalipse de Abraão é claramente um templo. Abraão faz um sacrifício para subir ao céu, depois sobe por meio do sacrifício, e se junta à liturgia celestial para se proteger durante a ascensão. . . . A representação do céu como um templo confirma a importância do templo terrestre. A proeminência da liturgia celestial dá importância à liturgia das palavras na terra, que na época deste pocalipse fornecia um substituto para o sacrifício, um substituto que na visão do apocalipse deveria ser temporário.” Himmelfarb, Ascent to Heaven, p. 66.
16 Assim, por exemplo, Harlow entende toda a estrutura da obra como a composição que inclui cinco passos sacerdotais, ou “movimentos”: “A separação de Abraão da falsa adoração (caps. 1–8); A preparação de Abraão para a verdadeira adoração (caps. 9–14); A ascensão de Abraão para a verdadeira adoração (caps. 15–18); A visão de Abraão da falsa adoração (19:1–29:1–13); A visão de Abraão da verdadeira adoração restaurada (29:14–31:12).” Harlow, Idolatry and Otherness.
17 Alexander Kulik argumenta que a descrição dos serviços sacrificiais da família de Terá encontrada no primeiro capítulo do Apocalipse de Abraão “segue precisamente a ordem do tamid, serviço matinal diário do Segundo Templo, conforme descrito na Mishná: primeiro, os sacerdotes lançam sortes (Yoma 2:1–4; Tamid 1:1–2; cp., também, Lc 1:9), então eles sacrificam na frente do santuário (Tamid 1–5), terminando seu serviço dentro (Tamid 6).” Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, 86.
18 A pesquisa de Harlow ajuda a esclarecer o status sacerdotal de Azazel, baseando-se no paralelismo estrutural entre o perfil sacerdotal de Yahoel nos capítulos 10–11, e o perfil sacerdotal de Azazel nos capítulos 13–14. Harlow, Idolatry and Otherness.
19 Rubinkiewicz, L’Apocalypse d’Abraham en vieux slave. Édition critique du texte, introduction, traduction et commentaire (Lublin, 1987. Towarzys-two Naukowe Katolickiego Uniwersytetu Lubelskiego: Źródła i monografie, p. 129), pp. 98–255, at 58–60.
20 Rubinkiewicz, L’Apocalypse d’Abraham en vieux slave, p. 60.
21 David Halperin destaca o sabor mosaico dessa passagem, observando que “na preparação, Abraão deve se abster de carne, vinho e óleo (Ap Ab 9). A fonte imediata deste último detalhe parece ser Daniel 10:3. Mas, significativamente, lembra as abstenções de Moisés e Elias (Êx 34:28, Deuteronômio 9:9, 18, e 1 Reis 19:7–8); pois, como Moisés e Elijah, Abraão deve ter a sua experiência no ‘Monte de Deus, o glorioso Horebe’. . . ” D. J. Halperin, “The Faces of the Chariot: Early Jewish Responses to Ezekiel’s Vision” (Tübingen: Mohr/Siebeck, 1988, TSAJ, 16), p. 105.
22 Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 17.
23 Ibid., p. 19.
24 Dan Harlow observa que “o jejum do patriarca por quarenta dias é apenas um dos vários lugares no apocalipse onde o autor modela a experiência de Abraão em Moisés, que, de acordo com Êxodo. 34:28, ‘esteve lá com o Senhor quarenta dias e quarenta noites’ e ‘não comeu pão nem bebeu água’.” Harlow, Idolatry and Otherness.
25 Martha Himmelfarb observa que “o relato do Apocalipse de Abraão compara implicitamente a ascensão de Abraão à experiência de Moisés no Sinai. Assim, por exemplo, Abraão realiza o sacrifício descrito em Gênesis 15 no Monte Horebe (o nome do Monte Sinai em algumas fontes bíblicas) após quarenta dias de jejum no deserto. A ocasião exegética para a associação de Gênesis 15 e Êxodo 19-20 é a manifestação da presença de Deus na fumaça e no fogo em ambas as passagens .” Himmelfarb, Ascent to Heaven. . ., 62. Para o contexto mosaico das ações do patriarca no capítulo doze, ver, também, N. L. Calvert, Abraham Traditions in Middle Jewish Literature: Implications for the Interpretation of Galatians and Romans (Ph.D. diss.; Sheffeld, 1993). Calvert observa que “a semelhança entre as ações de Abraão no capítulo 12 e as de Moisés são impressionantes. Ele viaja primeiramente para o monte Horebe, também conhecida no Antigo Testamento como Monte. Sinai, que é chamado de “montanha de Deus, Horebe glorioso” em Apocalipse de Abraão 12:3. Como Moisés ao receber a lei, Abraão passou quarenta dias e quarenta noites no monte. Fora ordenado a Abraão a não comer pão nem beber água, porque sua comida “e alimento era ver o anjo que estava comigo, e sua palavra para mim era a minha bebida” (Ap. Ab. 12:1–2). Philo reflete uma tradição judaica do tempo de Moisés no monte, dizendo que Moisés negligenciou toda comida e bebida por quarenta dias, porque ele tinha comida mais excelente nas contemplações com as quais ele foi inspirado do céu (De Vita Moses II.69). Por causa de Monte Horebe e Monte Sinai serem nomes para a mesma montanha, Abraão recebe sua revelação de Deus no mesmo lugar que Moisés recebeu os mandamentos de Deus. Finalmente, como o Senhor “era como um fogo devorador no topo da montanha” no relato do Êxodo, o fogo no topo do Monte Horebe queima os sacrifícios sobre os quais Abraão e o anjo sobem ao céu, onde Deus também aparece como fogo. ” Calvert, Abraham Traditions in Middle Jewish Literature, p. 274.
26 Box observa a conexão dessa ideia de alimentação alternativa com a tradição mosaica encontrada em Filo. Ele observa que “. . . há um paralelo próximo ao nosso texto em Filo, Vida de Moisés, III. 1, onde é dito sobre Moisés no Monte: ‘ele negligenciou toda comida e bebida por quarenta dias seguidos, evidentemente porque ele tinha comida mais excelente naquelas contemplações com as quais ele foi inspirado do alto do céu’.” G. H. Box, J. I. Landsman, ee., Apocalypse of Abraham (London: Macmillan, 1918. Translations of Early Documents, 1.10), p. 50.
27 David Halperin elabora esta tradição de nutrição incomum do patriarca e sua conexão com a alimentação de Moisés na Shekhinah atestada em alguns relatos rabínicos posteriores. Ele observa que “. . . Moisés também descobriu que a presença divina em si é alimento suficiente. Por isso que Êxodo 24:11 diz que Moisés e seus companheiros viram Deus, comeram e beberam. Isso significa, explicou um rabino, que a visão de Deus era comida e bebida para eles; pois a Escritura também diz: ‘À luz da face do Rei há vida’ . . . Podemos supor que o autor do Apocalipse de Abraão tinha esse midrashim em mente quando escreveu que ‘minha comida era ver o anjo que estava comigo, e sua fala minha bebida’.” Halperin, The Faces of the Chariot, p. 111.
28 Christopher Begg observa que “fazer do Monte. Horebe (Ap. Ab. 12:3) o local deste incidente (em contraste com Jubileus, onde ocorre em Hebrom) serve para associar Abraão com as personagens de Moisés e Elias, os quais receberam comunicações divinas naquele local . . .” C. Begg, “Rereading of the ‘Animal Rite’ of Genesis 15 in Early Jewish Narratives,” CBQ 50 (1988), pp 36–46, 44.
29 Halperin, The Faces of the Chariot, p. 110.
30 Sobre o episódio de Bar-Eshath, ver A. Orlov, “‘The Gods of My Father Terah’: Abraham the Iconoclast and the Polemics with the Divine Body Traditions in the Apocalypse of Abraham,” JSP 18.1 (2008) 33–53; idem, “Arboreal Metaphors and Polemics with the Divine Body Traditions in the Apocalypse of Abraham,” HTR 102 (2009), pp. 439–451.
31 I. Epstein, e., The Babylonian Talmud. Baba Bathra (London: Soncino, 1938), p. 498.
32 I. Epstein, e., The Babylonian Talmud. Taanith (London: Soncino, 1938), p. 161.
33 Tanna Debe Eliyyahu, The Lore of the School of Elijah. Tr. W. G. Braude, I. J. Kapstein (Philadelphia: Jewish Publication Society of America, 1981), p. 190.
34 Como pode ser visto, alguns materiais midráshicos tentam conectar o estabelecimento do festival do Dia da Expiação com o arrependimento dos israelitas após a idolatria do Bezerro de Ouro. O misticismo judaico tardio aprofunda essa conexão ainda mais quando interpreta o ritual do bode expiatório à luz das tradições do Bezerro de Ouro. Assim, alguns textos judaicos conectam o episódio do Bezerro de Ouro com o início da prática enigmática de atribuir uma parte ao “outro lado” no ritual sacrificial. Isaías Tishby se refere à tradição encontrada no Livro do Zohar de acordo com a qual “. . . uma das consequências do pecado de Israel com o Bezerro de Ouro foi que ‘o outro lado’ recebeu uma participação no ritual sacrificial.” (Tishby, The Wisdom of the Zohar, p. 891). Zohar II, 242b diz que “. . . daquele dia em que a única coisa que eles puderam fazer foi dar uma porção de tudo para ‘o outro lado’ através do mistério dos sacrifícios, a libação e as ofertas completas.” Ibid., p. 891. Na estrutura dualística da tradição zoárica, o bode enviado para Azazel passa a ser entendido como “a oferta principal que é destinada em sua totalidade para ‘o outro lado’.” Ibid., p. 821. Tishby observa que “em muitas passagens [do Zohar] isto é descrito, após um midrash tardio, como um suborno que é oferecido a Samael. O Zohar cita uma série de parábolas para explicar essa questão do suborno. Uma descreve como um rei deseja se alegrar com seu filho ou amigos em uma refeição especial. Para que a ocasião festiva não seja estragada pela presença de malfeitores e homens briguentos, ele ordena que uma refeição separada seja preparada para eles. De acordo com esta parábola, o propósito de enviar um bode para Azazel é remover sitra ahra do ‘círculo familiar’ de Israel e do Santo, bendito seja Ele, no Dia da Expiação. . .” Ibid., p. 892. Essas referências ao dualismo judaico tardio conectado com o ritual de Yom Kippur não são completamente irrelevantes à luz das imagens dualísticas das duas sortes encontradas no Apocalipse de Abraão. Frequentemente, os estudantes do Apocalipse Eslavo tentam interpretar os desenvolvimentos dualísticos encontrados nos pseudoepígrafos como interpolações posteriores pelos bogomilos. No entanto, como veremos mais adiante nesta investigação, a compreensão dualística das tradições do Yom Kippur encontradas no Apocalipse de Abraão e no Zohar pode ser rastreada até as tradições do Segundo Templo encontradas nos Manuscritos do Mar Morto, onde o imaginário das duas sortes são colocados em uma estrutura escatológica dualística.
35 G. Friedlander, Pirke de Rabbi Eliezer (New York: Hermon Press, 1965), p. 364.
36 Ibid., p. 362.
37 Tanna Debe Eliyyahu, p. 385.
38 Ver, por exemplo, L. L. Grabbe, “The Scapegoat Tradition: A Study in Early Jewish Interpretation,” JSJ 18 (1987), pp. 157, 165–179; C. Fletcher-Louis, “The Revelation of the Sacral Son of Man,” em: F. Avemarie, H. Lichtenberger, ee., Auferstehung-Resurrection (Tübingen: Mohr-Siebeck), p. 282; R. Helm, “Azazel in Early Jewish Literature,” Andrews University Seminary Papers 32 (1994), pp 217–226; B. Lourié, “Propitiatorium in the Apocalypse of Abraham,” em: L. DiTommaso and C. Böttrich, with the assist of M. Swoboda, ee., The Old Testament Apocrypha in the Slavonic Tradition: Continuity and Diversity (Tübingen, 2009. Texte und Studien zum antiken Judentum. [A ser publicado]); D. Stökl Ben Ezra, “Yom Kippur in the Apocalyptic Imaginaire and the Roots of Jesus’ High Priesthood,” em: J. Assman, G. Stroumsa, ee., Transformations of the Inner Self in Ancient Religions (Leiden: Brill, 1999), pp. 349–366; idem, “The Biblical Yom Kippur, the Jewish Fast of the Day of Atonement and the Church Fathers,” SP 34 (2002), pp. 493–502; idem, “The Impact of Yom Kippur on Early Christianity: The Day of Atonement from Second Temple Judaism to the Fifth Century” (Tübingen: Mohr/ Siebeck, 2003. WUNT 163), p. 94.
39 Para as tendências anti-antropomórficas comuns do Apocalipse de Abraão e do Testamento de Abraão, ver Orlov, “The Gods of My Father Terah,” pp. 33–53; idem, “Praxis of the Voice: The Divine Name Traditions in the Apocalypse of Abraham,” JBL 127.1 (2008), pp. 53–70.
40 Para a expansão da história de Abraão no Livro dos Jubileus, Josefo, Filo e nos materiais rabínicos tardios (Gênesis Rabbah 38:13, Tanna debe Eliyyahu 2:25, Seder Eliyyahu Rabba 33), ver: Box, Landsman, Apocalipse de Abraham, pp. 88–94; Rubinkiewicz, L’Apocalypse d’Abraham en vieux slave, pp. 43–49.
41 A este respeito, os autores dos pseudepígrafos eslavos parecem estar limitados pelo projeto formativo manifestado no relato bíblico dos sacrifícios de Abraão encontrados em Gênesis 15. Assim, G. H. Box observa que “a parte apocalíptica do livro é baseada na história dos sacrifícios e no transe de Abraão, conforme descrito em Gênesis 15” Box, Landsman, The Apocalypse of Abraham, p.24.
42 Quanto as tradições sobre Azazel, ver J. De Roo, “Was the Goat for Azazel destined for the Wrath of God?,” Biblica 81 (2000), pp. 233–241; W. Fauth, “Auf den Spuren des biblischen Azazel (Lev 16) : Einige Residuen der Gestalt oder des Namens in jüdisch-aramäischen, griechischen, koptischen, äthiopischen, syrischen und mandäischen Texten,” ZAW 110 (1998), pp. 514–534; E. L. Feinberg, “The Scapegoat of Leviticus Sixteen,” BSac 115 (1958) 320–31; M. Görg, “Beob-achtungen zum sogenannten Azazel-Ritus,” BN 33 (1986) 10–16; Grabbe, The Scapegoat Tradition, pp. 165–179; Helm, Azazel, pp. 217–226; B. Janowski, “Sühne als Heilgeschehen: Studien zur Suhnetheologie der Priesterchri und der Wurzel KPR im Alten Orient und im Alten Testment” (Neukirchen-Vluyn: Neukirchener Verlag, 1982. WMANT, 55); idem, “Azazel,” em: K. van der Toorn et al., ee., Dictionary of Deities and Demons in the Bible (Leiden: Brill, 1995), pp. 240–248. B. Jurgens, Heiligkeit und Versöhnung: Leviticus 16 in seinem Literarischen Kontext (Nova York: Herder, 2001); H. M. Kümmel, “Ersatzkönig und Sündenbock,” ZAW 80 (1986), pp. 289–318; R. D. Levy, The Symbolism of the Azazel Goat (Bethesda: International Scholars Publication, 1998); O. Loretz, Leberschau, Sündenbock, “Asasel in Ugarit und Israel: Leberschau und Jahwestatue in Psalm 27, Leberschau in Psalm 74” (Altenberge: CIS-Verlag, 1985. UBL, 3); J. Maclean, “Barabbas, the Scapegoat Ritual, and the Development of the Passion Narrative,” HTR 100 (2007), pp. 309–334; J. Milgrom, “Studies in Cultic Theology and Terminology” (Leiden: Brill, 1983. SJLA, 36); D. Rudman, “A note on the Azazel-goat ritual,” ZAW 116 (2004), pp. 396–401; W. H. Shea, “Azazel in the Pseudepigrapha,” Journal of the Adventist Theological Society 13 (2002), pp. 1–9; Stökl Ben Ezra, Yom Kippur, pp. 349–366; idem, “The Biblical Yom Kippur, the Jewish Fast of the Day of Atonement and the Church Fathers,” SP 34 (2002), pp. 493–502; idem, “The Impact of Yom Kippur.” A. Strobel, “Das jerusalemische Sündenbock-ritual. Topogra-phische und landeskundische Erwägungen zur Überlieferungsgeschichte von Lev. 16,10,21f,” ZDPV 103 (1987), pp. 141–168; H. Tawil, “Azazel the Prince of the Steepe: A Comparative Study,” ZAW 92 (1980), pp. 43–59; M. Weinfeld, Social and Cultic Institutions in the Priestly Source against Their ANE Background, Proceedings of the Eighth World Congress of Jewish Studies (Jerusalem, 1983), pp. 95–129; D. P. Wright, “The Disposal of Impurity: Elimination Rites in the Bible and in Hittite and Mesopotamian Literature” (Atlanta: Scholars, 1987. SBLDS, 101).
43 M. Knibb, The Ethiopic Book of Enoch: A New Edition in the Light of the Aramaic Dead Sea Fragments, 2 vols., (Oxford: Clarendon Press, 1978), pp. 87–88.
44 R. H. Charles, The Book of Enoch (Oxford: Clarendon, 1893); D. Dimant, The Fallen Angels in the Dead Sea Scrolls and the Related Apocrypha and Pseudepigrapha (Ph.D. diss.; The Hebrew University in Jerusalem, 1974 [em hebraico]); idem, “1 Enoch 6–11: A Methodological Perspective,” SBLSP (1978), pp. 323–339; A. Geiger, Zu den Apokryphen, Jüdische Zeitschri für Wissenscha und Leben 3 (1864), pp. 196–204; Grabbe, The Scapegoat Tradition, pp. 165–179; P. Hanson, “Rebellion in Heaven, Azazel, and Euhemeristic Heroes in 1 Enoch 6–11,” JBL 96 (1977), pp. 195–233; Helm, Azazel, pp. 217–226; G. Nickelsburg, “Apocalyptic and Myth in 1 Enoch 6–11,” JBL 96 (1977), pp. 383–405; R. Rubinkiewicz, “Die Eschatologie von Henoch 9–11 und das Neue Testament,” Tr. H. Ulrich (Kloster-neuberg, 1984. Osterreichische Biblische Studien, 6), pp. 88–89; Stökl Ben Ezra, Yom Kippur, pp. 349–366; idem, The Impact of Yom Kippur, pp. 85–88.
45 Grabbe, The Scapegoat Tradition, pp. 165–179;
46 Stökl Ben Ezra, The Impact of Yom Kippur, p. 87.
47 Ibid., pp. 87–88.
48 F. García Martínez, E. J. C. Tigchelaar, ee., The Dead Sea Scrolls Study Edition, 2 vols., (Leiden—New York—Köln: Brill, 1997), 1:371–373. Sobre as tradições similares, ver, também, 4T181.
49 Grabbe, The Scapegoat Tradition, p. 155.
50 Sobre este texto, ver, também, Stuckenbruck, The Book of Giants from Qumran, pp. 79–101.
51 4Q203 7:1–7 diz: “[. . .] . . . [. . .] e [se]u poder [. . .] Blank Th[en] ’Ohyah [disse] para Hahy[ah, seu irmão . . .] Então ele puniu, não a nós, [ma]s Aza[ze]l, e fez [ele . . . os filhos dos] sentinelas, os gigantes; e n[enh]um de [seus] pró[ximos] será perdoado [. . .] . . . aquele que nos prendeu e capturou voc[ê]. . .” García Martínez, Tigchelaar, The Dead Sea Scrolls Study Edition, p. 411.
52 I. Epstein (ed.), The Babylonian Talmud. Yoma (London: Soncino, 1938), p. 316. Sobre a vida após a morte na tradição Asael/Azazel, ver A. Y. Reed, “From Asael and Šemihazah to Uzzah, Azzah, and Azael: 3 Enoch 5 (§§ 7–8) and Jewish Reception-History of 1 Enoch,” Jewish Studies Quarterly 8 (2001), pp. 105–136; idem, “What the Fallen Angels Taught: The Reception-History of the Book of the Watchers in Judaism and Christianity” (Ph. D. Dissertation; Princeton, 2002); idem, Fallen Angels and the history of Judaism and Christianity: The Reception of Enochic Literature (Cambridge: Cambridge University Press, 2005).
53 Philonenko-Sayar, Philonenko, L’Apocalypse d’Abraham, pp. 31–33. Rubinkiewicz, L’Apocalypse d’Abraham en vieux slave, p. 50.
54 R. Rubinkiewicz, “Apocalypse of Abraham,” en: J. H. Charlesworth, e., The Old Testament Pseudepigrapha (New York: Doubleday, 1985 [1983]), 1:681–705.
55 Apocalipse de Abraão 13:3–4 “E um pássaro impuro voou sobre as carcaças, e eu lho afastei. E o pássaro impuro falou comigo . . . ” Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 20.
56 A referência à impureza do “pássaro” faz conexão com a personagem do bode expiatório, que nos materiais pertencentes ao ritual do Yom Kippur é entendido como uma entidade impura, uma espécie de “coletor” de impureza que contamina qualquer um que entra em contato com ele, inclusive seus tratadores, que devem realizar os procedimentos de purificação após manejar o bode. Milgrom observa que Azazel era “o veículo para despachar as impurezas e pecados de Israel para o deserto/mundo inferior.” Milgrom, Leviticus 1–16, p. 1621.
57 Sobre a linguagem angelológica pteromórfica do Apocalipse de Abraão, ver A. Orlov, “The Pteromorphic Angelology of the Apocalypse of Abraham,” CBQ 72 (2009), pp. 830–842.
58 Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 20.
59 Grabbe, The Scapegoat Tradition, p. 158.
60 Ibidem.
61 “Você está repreendido, Azazel! Visto que a porção de Abraão está no céu, e a sua na terra, uma vez que você a escolheu e desejou que fosse a morada de sua impureza” (Ap. Ab. 13:7–8).
62 “Que você seja o tição da fornalha da terra!” (Ap. Ab. 14:5).
63 A história apocalíptica, portanto, pode ser vista como uma reconstituição das duas dinâmicas espaciais que também são refletidas no ritual do Yom Kippur: a entrada no reino superior e o exílio no mundo inferior. A esse respeito, Daniel Stökl observa que o ritual do Yom Kippur “consistia em dois movimentos antagônicos . . . centrípeto e centrífugo: a entrada do Sumo Sacerdote no Santo dos Santos e a expulsão do bode expiatório. Como o primeiro movimento, a pessoa mais santa, o Sumo Sacerdote, entrava no lugar mais santo, o Santo dos Santos do Templo de Jerusalém, queimava incenso, aspergia sangue e orava para obter expiação e purificação para seu povo e para as sagradas instituições do culto judaico. Como um segundo movimento, o bode expiatório carregado com os pecados do povo era enviado com uma escolta para o deserto. ” D. Stökl, “The Biblical Yom Kippur, the Jewish Fast of the Day of Atonement and the Church Fathers,” SP 34 (2002), 493–502.
64 Levítico 16:27: “Mas o novilho e o bode da oferta pelo pecado, cujo sangue foi trazido para fazer expiação no santuário, serão levados para fora do arraial; o couro, a carne e o excremento deles serão queimados.”
65 Milgrom observa que “o sangue do bode morto pode ter sido trazido para o adytum em sua totalidade.” Milgrom, Leviticus 1–16, p. 1031.
66 Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 20.
67 Cp. Apocalipse de Abraão 15:3 “E ele me levou até a beira da chama de fogo . . .;” Apocalipse de Abraão 17:1: “E enquanto ele ainda falava, eis que um fogo se aproximava ao nosso redor, e havia um som no fogo como o som de muitas águas, como o som do mar no seu alvoroço.”
68 A esse respeito, deve-se notar que a entrada de um visionário em um fogo e sua transformação de fogo representam temas apocalípticos comuns encontrados em textos que vão de Daniel 3 a 3 Enoque, onde Enoque sofre a metamorfose de fogo que o transforma no anjo supremo Metatron.
69 Paul Kobelski observa que cada uma dessa “sortes” ou “porções” da humanidade é “caracterizada por um dos dois espíritos permitidos por Deus: o espírito da verdade e o espírito da perversidade (1QS 3:18–21). Aqueles que pertencem à sorte de Deus, de Melquisedeque, da luz, etc., são caracterizados pelo espírito da verdade; eles são os filhos da justiça cujo líder é o Príncipe da Luz (1QS 3:20). Aqueles que pertencem à sorte de Belial, das trevas, etc., são caracterizados pelo espírito de perversidade; eles são os filhos da perversidade, cujo líder é o Anjo das Trevas (1QS 3:20–21). ” P. J. Kobelski, “Melchizedek and Melchirešac” (Washington: Catholic Biblical Association of America, 1981. CBQMS, 10), p. 57.
70 אנש[י] גורל מל [כי] צדק (’anash[i] gorel mel[khi]tsedeq). García Martínez, Tigchelaar, The Dead Sea Scrolls Study Edition, p. 1206.
71 אנשי גורל מל בל יעל (’anashi gorel mel bely‘al). Ibid., pp. 1132–1133.
72 Philonenko-Sayar, Philonenko, L’Apocalypse d’Abraham, pp. 31–33. Rubinkiewicz, L’Apocalypse d’Abraham en vieux slave, p. 54. Sobre as duas sortes, ver, também, B. Philonenko-Sayar, M. Philonenko, Die Apokalypse Abrahams, Jüdische Schri en aus hellenistisch-römischer Zeit 5.5 (1982), pp. 413–460.
73 Para a terminologia גורל (gorel) em sua conexão com o ritual do bode expiatório, ver Levítico 16:8–10.
74 Veja, por exemplo, 1QS גורל מל בל יעל ([’anashi gorel mel bely‘al] a sorte de Belial); גורל קדושים ([gorel qadoshim] a sorte dos santos). 1QM גורל בני חושד ([gorel bney choshed] a sorte dos filhos das trevas); גורל חושד ([gorel choshed] a sorte das trevas). 11Q13 אנש[י] גורל מל [כי] צדק (’anash[i] gorel mel[khi]tsedeq, os homens da sorte de Melquisedeque).
75 Apocalipse de Abraão 13:7: ”E ele disse-lhe: “Você está repreendido, Azazel! Pois a porção de Abraão (часть Аврамля [častʹ Avramlâ]) está no céu, e a sua na terra . . .” Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 20. Philonenko-Sayar, Philonenko, L’Apocalypse d’Abraham, p. 66.
76 Apocalipse de Abraão 10:15: “Levante-se, Abraão, vé com ousadia, alegre-se e regozije-se! E eu estou com você, uma vez que uma porção honrosa (часть въчная [častʹ vʺčnaâ]) foi preparada para você pelo Eterno.” Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 18. Philonenko-Sayar, Philonenko, L’Apocalypse d’Abraham, p. 60.
77 A importância sacerdotal das sortes escatológicas no Apocalipse Eslavo é realçada também pelo fato do termo eslavônico “жребий [zhrebiy]” usado para a designação das “sortes” da humanidade em Apocalipse de Abraão 20:5 e 29:21 também ser usado em Apocalipse de Abraão 1:2 para designação da sorte sacerdotal que Abraão compartilha no templo de Terá. Cp. Philonenko-Sayar, Philonenko, L’Apocalypse d’Abraham, pp. 36, 82, 102.
78 Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 20.
79 Ibid., p. 25.
80 Cp. 1QM 13: 5–6: “Porque eles são a sorte das trevas, mas a sorte de Deus é para a luz [eter]na.” García Martínez, Tigchelaar, The Dead Sea Scrolls Study Edition, p. 135.
81 Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, pp. 26–27.
82 Além dos materiais mishnáicos e talmúdicos, tais arranjos topológicos das sortes em lado esquerdo e direito desempenham um papel significativo no misticismo judaico tardio. Assim, por exemplo, Box notou que a distinção que o Apocalipse de Abraão faz entre lado esquerdo e direito é uma reminiscência de alguns desenvolvimentos encontrados no Livro do Zohar. Ele observa que “na cabala judaica . . . ‘lado direito’ e ‘lado esquerdo’ . . . se tornam termos técnicos. No sistema emanista do Zohar, o mundo inteiro é dividido entre “direita” e “esquerda”, onde os poderes puros e impuros operam respectivamente: no lado direito o Santo e Seus poderes, no lado esquerdo a serpente Samael e seus poderes . . .” Box, The Apocalypse of Abraham, p. 20.
83 H. Danby, The Mishnah (Oxford: Oxford University Press, 1992), p. 166.
84 Epstein, The Babylonian Talmud, Yoma, p. 184.
85 À luz da passagem de b. Yoma, que fala sobre a mão direita do sumo sacerdote em relação ao bode para YHWH, também é digno de nota que, no Apocalipse de Abraão, Yahoel, retratado como um sumo sacerdote, é frequentemente descrito colocando sua mão direita sobre Abraão: “E o anjo que ele enviou a mim em aparência de homem veio, e ele me pegou pela minha mão direita e me pôs em pé” (Ap. Ab. 10:4). Apoc. Ab. 15: 2 “E o anjo me pegou com sua mão direita e me colocou na asa direita do pombo.”
86 Sobre os papéis sacerdotais de Enoque, ver M. Himmelfarb, “The Temple and the Garden of Eden in Ezekiel, the Book of the Watchers, and the Wisdom of ben Sira,” em: J. Scott e P. Simpson–Housley, ee., Sacred Places and Profane Spaces: Essays in the Geographics of Judaism, Christianity, and Islam (New York: Greenwood Press, 1991), pp. 63–78; idem, “Apocalyptic Ascent and the Heavenly Temple,” em: Society of Biblical Literature Seminar Papers (Atlanta, GA: Scholars Press, 1987. SBLSP, 26), pp. 210–217. See also: J. Maier, “Das Gefährdungsmotiv bei der Himmelsreisettin der jüdischen Apocalyptik und Gnosis,” Kairos 5 (1) (1963), pp. 18–40, especialm. 23; idem, Vom Kultus zur Gnosis (Salzburg: Müller, 1964, Kairos, 1), pp. 127–128; G. W. E. Nickelsburg, “Enoch, Levi, and Peter: Recipients of Revelation in Upper Galilee,” JBL 100 (1981), pp. 575–600, especialm. pp. 576–582.; A. Orlov, “The Enoch-Metatron Tradition” (Tübingen: Mohr/Siebeck, 2005. TSAJ, 107), pp. 70–76.
87 Sobre as tradições sacerdotais relacionadas aos sentinelas caídos, ver D. Suter, “Fallen Angel, Fallen Priest: the Problem of Family Purity in 1 Enoch 6–16,” HUCA 50 (1979), pp. 115–135.
88 Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 20.
89 Fletcher-Louis, The Revelation, p. 282.
90 Apocalipse de Abraão 13:9–10: “E por causa de você [há] o espírito maligno da mentira que se espalhou por toda a terra, e por causa de você [há] ira e juízos sobre as gerações de homens ímpios. Pois Deus, o Eterno, o Poderoso, não permitiu que os corpos dos justos fossem entregues às tuas mãos; somente através deles é que deveria ser assegurada a vida dos justos e a perdição dos impuros.” Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 20.
91 A. Kulik, Apocalypse of Abraham. Towards the Lost Original (Ph.D. diss.; Hebrew University of Jerusalem, 2000), p. 90.
92 Stökl Ben Ezra, The Impact of Yom Kippur, p. 94.
93 Helm, Azazel, p. 223.
94 Grabbe, The Scapegoat Tradition, p. 157.
95 Levítico 16:21–22: “Porá as duas mãos sobre a cabeça do bode vivo e sobre ele confessará todas as iniquidades dos filhos de Israel, todas as suas transgressões e todos os seus pecados; e os porá sobre a cabeça do bode. Depois, enviará o bode ao deserto, pela mão de um homem à disposição para isso. Assim, aquele bode levará sobre si todas as iniquidades deles para terra solitária; e o homem soltará o bode no deserto.” Sobre a função de “transferência”, ver, também, Milgrom, Levítico 1–16, p. 1041.
96 Harlow, Idolatry and Otherness.
97 Harlow observa que “no capítulo 12 Yahoel age como um sacerdote mestre demonstrando a prática para um sacerdote mais jovem; ele instrui Abraão: ‘Mate e corte tudo isso, juntando as duas metades, uma contra a outra. Mas não corte os pássaros’.” Harlow, “Idolatry and Otherness.”
98 Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 21.
99 Philonenko-Sayar, Philonenko, L’Apocalypse d’Abraham, p. 68.
100 Ibid.
- 101 Ibid.
102 Levítico 16:22: “Assim, aquele bode levará sobre si todas as iniquidades deles para terra solitária; e o homem soltará o bode no deserto.”
103 Milgrom, Leviticus 1–16, p. 1045.
104 Kulik, Apocalypse of Abraham, p. 90.
105 Stökl Ben Ezra, The Impact of Yom Kippur, p. 94.
106 Harlow observa que “Yahoel ensina a Abraão uma espécie de feitiço exorcístico para afastar Azazel.” Harlow, Idolatry and Otherness.
107 A esse respeito, Jacob Milgrom nos lembra que, no início, antes de se tornar um festival anual, o Yom Kippur era entendido como um “rito de emergência” para a purgação do santuário. Milgrom, Leviticus 1–16, p. 1070. Scullion também observa que “. . . o propósito da festa é a purgação. Os pecados dos israelitas, intencionais ou não, contaminam a terra e o templo, e até mesmo o Santo dos Santos. Levítico remonta anacronicamente aos tempos de uma festa pré-assentamento para purificar a tenda/templo e campo/cidade para protegê-los do acúmulo de impureza.” J. P. Scullion, “A Traditio-Historical Study of the Day of Atonement” (Ph.D. diss .; Catholic University of America, 1991), p. 83.
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