Os Fariseus no Judaísmo antes de 70 E.C.

Os Fariseus no Judaísmo antes de 70 E.C.


Autoria: Kenneth G. C. Newport


Tradução: Hugo Martins

O artigo “Os Fariseus no Judaísmo antes de 70 E.C.” (Original em Inglês: “The Pharisees in Judaism prior to A.D. 70”), por Kenneth G. C. Newport, fora publicado, inicialmente, pelo AUSS (Andrews University Seminary Studies) 29.2 (1991), 127–137.  Usado com permissão.


1. Introdução

Em uma ocasião anterior, eu estudei a frase “na cadeira de Moisés” em Mateus 23:2 e concluí (com David Hill) que a referência é realmente a uma cadeira de pedra na qual os líderes judeus sentavam na sinagoga.1 Neste artigo, eu pretendo explorar esta questão mais a fundo pesquisando o papel exercido pelos fariseus no judaísmo pré 70 E.C. Este estudo, então, está ligado ao anterior. Procuro demonstrar, aqui, que um entendimento de Mateus 23:2—as saber, que os fariseus realmente se sentavam numa “cadeira de Moisés” literal, e que eles eram considerados pelo povo comum como autoridade nas questão da lei, é plausível no contexto do que conhecemos do papel dos fariseus no judaísmo até 70 E.C.

Esta questão a qual levanto está longe de ser insignificante. É imperativo que os estudiosos do Novo Testamento compreendam o contexto histórico no qual os escritos neotestamentários foram escritos; e em razão dos fariseus serem mencionados não menos do 67 vezes nos quatro evangelhos, a importância de ter uma concepção clara e precisa de quem eles eram, e como eles viviam, fica evidente. Esta questão é de particular importância quando se busca compreender Mateus 23. Os fariseus, aqui, estão sob forte ataque; e, ainda, alguns estudiosos argumentam que a descrição dos fariseus apresentada neste capítulo não é historicamente plausível. Em suma, a sugestão é de que a descrição dos fariseus em Mateus 23 não é válida para o período anterior a 70 E.C., mas pertencente ao tempo quando Mateus escreveu [seu evangelho], posterior a essa data. Por esta, e por muitas outras razões, estudiosos do NT têm concluído que Mateus 23 deve ter surgido após 70 E.C., Sitz im Leben.

Neste estudo, busco mostrar, por outro lado, que a descrição dos fariseus em Mateus 23 é historicamente plausível. Não pretendo, todavia, ser mal interpretado a este respeito. Mateus 23 apresenta intencionalmente apenas o pior lado dos fariseus, a passagem estando claramente em tom polêmico. Para uma descrição mais completa, este relato deve ser suplementado e balanceado com o que sabemos sobre os fariseus de outras fontes.

A espiritualidade dos Fariseus, todavia, não é o tema deste estudo. Em vez disso, pretendo mostrar aqui que apesar das críticas de acadêmicos contrários, os fariseus realmente se “sentavam na cadeira de Moisés” no judaísmo pré 70 E.C., e que eles realmente tinham apoio popular suficiente lhes permitia um provável candidato a uma conversão a se juntar contra a nova seita judaica dos nazarenos (Mt 23:13).2 Além disso, eles eram suficientemente respeitados pelo povo a ponto de serem saudados e chamados de “rabi” nas praças (v. 7), e ganhavam os melhores assentos na sinagoga em virtude da alta estima que eles possuíam pelo povo comum (v. 6).3

Em suma, é minha convicção de que, antes de 70 E.C., os fariseus eram o tipo adversários históricos descritos em Mateus 23. Eles não eram simplesmente representantes anacronísticos de uma “sinagoga ambulante” tardia quando o Evangelho de Mateus foi escrito.4

2. Os Fariseus no Judaísmo Pré 70 E.C.

Olhemos, então, para o papel dos fariseus no judaísmo até 70 E.C. Não é um tópico fácil, apesar dos estudiosos geralmente concordarem na questão do papel dos fariseus no judaísmo após a destruição do templo, sua situação anterior é muito menos clara. Essa falta de clareza é causado principalmente pela ambiguidade relacionada com os documentos que fornecem evidência. A Mishnah foi compilada c. 200 E.C., e, consequentemente, sempre haverá dúvidas quando a um dizer atribuído a um rabino que vivia antes de 70 E.C. que não fora corretamente atribuído. O problema se intensifica à medida que retrocedemos no fluxo do tempo, de modo que a Tosefta e os Talmudes podem ser usados só com um cuidado muito intenso com fontes de evidência para a situação antes de 70 E.C.

Além disso, muitos estudioso do NT acham que os relatos do NT, em relação aos fariseus, não são confiáveis por causa da data; pois, afinal, conforme diz o argumento, os fariseus e a igreja cristã primitiva entraram em conflito, e, portanto, os escritores do NT, sendo cristãos, não têm condições de nos dar um retrato fidedigno de como os fariseus realmente eram. Para muitos estudiosos, em vista disso, há ambiguidade por causa de suas próprias pressuposições e preconceitos no tocante aos documentos do NT, bem como em virtude do atraso das fontes judaicas pertinentes.

A ambiguidade gerou, naturalmente, uma discordância considerável entre os pesquisadores. A extensão, ou alcance, de tal discordância pode ser vista, por exemplo, quando se compara o trabalho de notáveis historiadores do judaísmo como Jacob Neusner5 e Ellis Rivkin.6

Brevemente, Neusner argumenta que os fariseus formavam uma seita exclusivista que se preocupava principalmente com questões de pureza ritual. Por conseguinte, eles tinham muito pouco a ver com o judeu comum na rua. O foco principal da vida religiosa dos fariseus era, de acordo com Neusner, a manutenção da pureza ritual—uma avaliação a qual Neusner tem o apoio de um número considerável de estudiosos.7

Rivkin, por outro lado, chegou a conclusões totalmente diferentes. De acordo com ele, os fariseus eram legitimamente um partido do povo, um grupo cujo principal interesse era com o ensino e a exposição da lei. Eles não foram separatistas; em vez disso, eles desempenhavam um papel de liderança completo na vida religiosa e política judaica.8

Examinaremos, agora, a questão do papel dos fariseus antes de 70 E.C., pesquisando nas fontes que parecem ser potencialmente mais úteis, a saber, os escritos de Josefo, as cartas de Paulo e os quatro evangelhos

3. Informações de Josefo

A evidência de Josefo a respeito da identidade dos fariseus, e o papel que tiveram no judaísmo, é muito clara; para ele, os fariseus eram, e por muito tempo foram, uma força maior na sociedade judaica. Eles tinham influência com “o povo”, e com líderes políticos, e eram a maior (e, talvez, “a mais antiga) “seita” de seus dias.9 Em suas palavras, escritas em sua Guerras Judaicas: “Das duas primeiras escolas mencionadas [saduceus e fariseus], os fariseus . . . são considerados os intérpretes mais precisos das lei, e sustentam a posição de seita mais importante [ou mais antiga], [e] atribuem tudo ao Destino e a Deus.”10

A importância desta declaração é evidente, por ela, Josefo afirma de forma inequívoca que pela época em que escreveu Guerras Judaicas (c. 74 E.C.) os fariseus ocupavam uma posição de certa autoridade entre o povo judeu. Eles não eram apenas a “seita principal” (ou, talvez, a mais antiga), mas também eram considerados especialistas em questões legais.

Esta declaração de Josefo não é única, pois, frequentemente, ele indica ou implica em seus escritos que os fariseus eram influentes entre as pessoas comuns e que eles desempenharam um papel importante em eventos políticos. De acordo com ele, tem sido assim há muito tempo. De fato, os fariseus eram uma das três seitas que Josefo lista como existente no tempo do sumo sacerdote Jônatas, c. 150 A.E.C., e, ainda mais importante, eles desempenharam um papel importante durante o governo de João Hircano, c. 134-104 A.E.C. Josefo conta, por exemplo, que uma ruptura que ocorreu entre os fariseus e Hircano. A importância do relato de Josefo dessa ruptura não é o fato do evento em si, mas o fato de que em razão de haver uma ruptura, deve ter havido uma aliança. E, realmente, Josefo diz muito em seu relato:

“Quanto a Hircano, a inveja dos judeus foi despertada contra ele por causa de seus próprios sucessos e dos sucessos de seus filhos; particularmente, hostis a ele eram os fariseus, que são uma das escolas judaicas, como relatamos anteriormente. E a influência deles é com as massas tão grande que mesmo quando eles falam contra um rei ou um sumo sacerdote, eles imediante ganham credibilidade. Hircano, foi, também, um discípulo deles, e foi muito amado por eles. E, verta vez, ele os convidou para uma festa, e os entreteve amigavelmente, . . .”11

A situação assim descrita não foi a última, no entanto, nessa festa de um certo Eleazar fez um comentário difamatório contra Hircano, lançando dúvidas sobre a sua legitimidade e reivindicando a sua renúncia como sumo sacerdote. Os outros fariseus rejeitaram as reivindicações de Eleazar, e não o apoiaram contra Hircano. Isto não foi suficiente, no entanto, para um outro dos amigos próximos de Hircano, um saduceu chamado Jônatas, que pediu a morte do caluniador. Nisto os fariseus não concordaram, mas aconselharam, em lugar disso, que o homem fosse açoitado e acorrentado. Hircano ficou furioso, pois ele não considerava esta punição mais branda severa suficiente; e, consequentemente, ele começou a suspeitar que os fariseus fossem simpáticos com o falastrão rebelde. O resultado inevitável foi a divisão e a animosidade as quais Josefo faz alusão. 12

De acordo com Josefo, portanto, os fariseus perdido o apoio real o qual haviam gozado; mas eles não perderam o apoio do povo. Isso fica evidenciado pelo papel importante que eles desempenharam alguns anos depois na rebelião contra Alexandre Janeu (c. 104–78 A.E.C.). Como Rivkin aponta,13 a extensão deste papel é descrito por Josefo em seu relato do conselho que Alexandre a sua esposa deu em seu leito de morte, a Salomé Alexandra:

“E quando a rainha viu que ele [Alexandre] estava prestes a morrer, e sem qualquer esperança de recuperação, ela chorava e se debatia, lamentando a perda que estava prestes a recair sobre ela e seus filhos, e disse a ele: “Para quem você está deixando a mim e a seus filhos, que estão a mercê de outras pessoas, especialmente quando você sabe quão hostil a nação se sente em relação a você!” Ele, então, aconselhou-a a seguir suas sugestões para se manter o trono seguro para si e para os seus filhos, ocultando a morte dele aos soldados até que ela tivesse capturado a fortaleza. E, continuando, disse a ela que retornasse a Jerusalém como vindo de uma vitória esplêndida, e conseguir apoio considerável dos fariseus, para que eles lhe bendissessem Estes homens, garantiu a ela, têm tanta influência com os seus confrades judeus que eles podem ferir a quem eles odiarem, e ajudar aqueles a quem eles são amigáveis; para eles têm a plena confiança das massas quando falam negativamente de qualquer pessoa, mesmo quando movidos por inveja; e eles próprio, acrescentou, entrou em conflito com a nação porque aqueles foram maltratados por ele.”14

Esta passagem tem sido amplamente citada porque revela claramente que os fariseus eram influentes entre as pessoas do período do Segundo Templo. De fato, [esta passagem] está relacionada ao ano 78 A.E.C., descrevendo um período de quase 150 anos anterior a 70 E.C. Ademais, deve ser destacado que a passagem não é inteiramente simpática com os fariseus, pois pode ser inferido a partir da indicação de que eles falaram “negativamente,” “por inveja” e não como resultado de desgosto justificável deles por um indivíduo que crucificou 800 deles em algum lugar na região.15 Esta declaração não é um destrinche sicofântico proferido por um simpatizante dos fariseus. Consequentemente, seu testemunho em relação ao prestígio que os fariseus tinham entre as massas deve ser levado a sério como um relato histórico confiável.

Em resumo, parece, assim, que, de acordo com as declarações de Josefo acima, os fariseus tinham uma influência significativa, bem antes de 70 E.C. Mais referências poderiam ser citadas, mas são desnecessárias na medida em que as conclusões principais já estão muito claras: (1) De acordo com Josefo, os fariseus eram um grupo influente e respeitado entre os judeus dos seus dias. (2) Ele tinha informações suficientes para sugerir que essa popularidade não era fruto de um desenvolvimento recente. (3) Além disso, ele destaca que os fariseus eram especialmente conhecidos por sua habilidade em interpretar a lei e por transmitir tradições e leis não escritas que eles herdaram de seus antepassados.16

Em suma, a imagem que Josefo fornece não é a de um grupo de indivíduos superpiedosos que se mantinham distantes do ʿam hāʾāreṭ. Em vez disso, eles eram uma classe erudita que se associavam livremente com o povo, e que se engajavam ativamente em todos os aspectos da vida judaica.

Este ponto de vista é, naturalmente, fundamentalmente diferente do proposto por Neusner. Como vimos, a discordância de Neusner é que os fariseus eram um grupo de separatistas fortemente devotados à pureza ritual e que, consequentemente, teriam pouco a ver com o judeu comum. A obra de Neusner sobre os fariseus fica seriamente comprometida por não admitir suficientemente a evidência fornecida por Josefo. Neste ponto, ele tem sido criticado por E. P. Sanders,17 que corretamente observa que a sugestão de Neusner de que os fariseus não desempenhavam nenhum papel na política até aproximadamente 50 A.E.C. é contestada por diversas passagens, tanto em Guerra quanto em Antiguidades. Os dados que apresentamos acima indica que as críticas de Sanders parecem ser razoáveis.

Rivkin, em contrapartida, caiu em contradição, no outro extremo, por dar ao material em Josefo um peso excessivo. Contudo, sua análise das passagens tais como as citadas acima, mesmo sendo um pouco ingênua, fortalece o seu caso consideravelmente. Para Rivkin, os fariseus eram, como vimos, uma classe erudita preocupada principalmente com o estudo da Torah, mas que detinha uma posição de importância entre os judeus comuns. Além disso, Sanders observa que o silêncio de Josefo em tais assuntos como a suposta obsessão com a pureza ritual serve de apoio para a visão de que a pureza ritual não era algo com que os fariseus estavam muito preocupados.18

4. As Informações do Novo Testamento

A descrição de Josefo dos fariseus não está em contradição com o NT. Não surpreendentemente, o NT diz muito pouco sobre o papel político dos fariseus, mas, em lugar disso, explicitamente, faz referência às suas crenças e ao apelo popular, estando, portanto, em concordância com Josefo.

No NT, os fariseus são retratados constantemente como indivíduos que estavam particularmente preocupados com questões legais. O NT também está em consonância com Josefo ao apresentar os fariseus como sendo influentes entre as pessoas e envolvidos ativamente em muitos aspectos do dia a dia da vida judaica.

Paulo

Paulo, falando aos filipenses a respeito do seu antigo status como um fariseu, testemunhou o fato de que os fariseus eram particularmente cuidadosos em relação a observância da lei. Ele declarou que ele tinha sido “quanto à lei, eu era fariseu; quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível” (Fp 3:5b–6). Aos Gálatas, Paulo afirmou de que ele tinha sido “extremamente zeloso” com as tradições de seus pais, e que já estava adiantado no judaísmo em relação a muitos da sua idade (Gal 1:14). Parece, então, que a vida de Paulo como um fariseu foi caracterizada pela observância minuciosa da lei, entusiasmo para certas “tradições”, e excesso de zelo para viver o judaísmo—um zelo que o levou à perseguir a incipiente igreja cristã. Ele estava preparado, ao que parece, até mesmo a manchar suas mãos convivendo com os hereges.

A imagem que Paulo dá assim do farisaísmo não é a de uma seita isolada devota ao ritual a observância da lei em detrimento da convivência próxima com o ʿam hāʾāreṭ de Israel. Ele não diz “vocês sabem da minha antiga vida no judaísmo, como me separei do povo comum, e me mantive em um estado de pureza ritual”. A imagem é, na verdade, bastante diferente.

Os Evangelhos Sinóticos

A sinopse de Paulo é apoiada pela evidência dos evangelhos sinópticos, pois nesses evangelhos, também, os fariseus são retratados como uma classe erudita intensamente preocupada com questões legais e ativa na comunidade de Israel. Fica evidenciado, por exemplo, em tais exemplos como o incidente no milharal (Mc 2:23–27), no episódio da cura no sábado (Mc 2:1–12), no debate sobre o jejum (Mc 2:18–22), e nos numerosos debates entre Jesus e os fariseus sobre questões legais e doutrinárias (Mc 7: 1–22; 12:13–24).19 É óbvio que os fariseus eram considerados apenas como o tipo de pessoa que desafiavam Jesus em questões legais, e em locais públicos.

Uma vez mais, não há evidência de que os fariseus se mantinham distantes do povo. Em vez disso, eles são retratados como indivíduos que se misturavam com todas as pessoas comuns em Israel, exceto os “pecadores” não arrependidos, os rešāʿîm que aberta e maliciosamente desrespeitavam a vontade de Deus.20

O fato que tanto do material controverso nos evangelhos sinópticos se centrar no conflito entre Jesus e os fariseus pode ser justamente a evidência do envolvimento direto deles no judaísmo cotidiano do período anterior a 70 E.C. Sanders tem observado que quando se trata de história das tradições, nunca há fumaça sem fogo.21 Tais conflitos não ocorriam porque os fariseus se opunham a Jesus por quem ele era (i.e., temente a Deus, piedoso, etc.) ou pelo que ensinava (i.e., a misericórdia de Deus, o amor do Pai Celestial, e a vinda do reino), mas, sim, por quem ele não era (i.e., um fariseu) e pelo que não ensinava (por exemplo, as “tradições” dos pais).

O Evangelho de João

Ao avaliarmos a evidência do NT sobre os fariseus, devemos, também, levar em consideração o evangelho de João; e, aqui, como Rivkin observa, o quadro geral está de acordo com o restante do NT.22 Rivkin está muito certo em permitir algum peso ao material joanino, embora alguns possam pensar que a data deste evangelho enfraqueceria a evidência. De qualquer modo, diversas passagens do quarto evangelho devem ser destacadas aqui.

A primeira dessas passagens é João 1:24, onde é especificamente declarado que aqueles que vieram questionar João Batista a respeito de sua identidade foram enviados pelos fariseus. Deve ser observado, no entanto (embora Rivkin falhe em fazer isso), que, em João 1:19, o mesmo grupo disse ter sido enviado pelos “judeus”. É possível, portanto, que aqui João esteja simplesmente igualando fariseus a judeus, não fazendo nenhuma distinção real entre eles.

A evidência em João 3:1–2 é ainda mais forte. Esta passagem registra que a Nicodemos, “Havia entre os fariseus um homem . . . um dos principais dos judeus,” viera a Jesus e se dirigiu a ele como “Rabino”. A implicação é que este homem, que era um fariseu, era, também, um líder dos judeus. O próprio Jesus reconhece o status de Nicodemos como um “mestre,” pois na resposta para a questão de Nicodemos ele pergunta: “Você é mestre em Israel e não compreende estas coisas?” Claramente, esta declaração implica que “mestre em Israel” e “fariseu” eram compreendido como sendo, se não sinônimos, ao menos parcialmente como termos correlacionados.

João 7:45–52 também pode fornecer algumas informações no conceito dos fariseus conforme estabelecido pelo autor do Quarto Evangelho. A passagem diz:

Os guardas voltaram à presença dos principais sacerdotes e fariseus, e estes lhes perguntaram: — Por que vocês não o trouxeram? Eles responderam: — Jamais alguém falou como este homem. Os fariseus disseram aos guardas: — Será que também vocês foram enganados? Por acaso alguma das autoridades ou algum dos fariseus creu nele? Mas esse povo que nada sabe da lei é maldito. Nicodemos, um deles, que antes tinha ido conversar com Jesus, perguntou-lhes: — Será que a nossa lei condena um homem sem primeiro ouvi-lo e saber o que ele fez? Eles responderam: — Por acaso também você é da Galileia? Examine e verá que da Galileia não se levanta profeta.”

Claramente, os fariseus são aqui retratados como pessoas de alguma importância. Eles tinham um papel ativo na tentativa de tornar claro um pensamento herético; pois eles condenam “esse povo que nada sabe da lei é maldito,” indicando que se consideravam como peritos legais. Eles também são retratados como tendo autoridade para julgar um homem, embora, nesse caso, eles saltem para as conclusões sem ouvir todas as provas. Não é preciso dizer que este conceito geral sobre os fariseus se encaixa bem com o que é encontrado em outras partes do NT e nos escritos de Josefo.

As outras referências aos fariseus no evangelho de João apoiam a visão de que o autor concebia eles [os fariseus] como membros importantes e influentes na comunidade judaica. Deve, especialmente, ser observado a evidência de João 12:42–43, que declara que, apesar de uma aparente proibição para tal, muitas autoridades judaicas acreditavam em Jesus. Outros, no entanto, não faziam uma confissão aberta de Jesus “por causa dos fariseus . . . para não serem expulsos da sinagoga.” Claramente, a implicação aqui é que os fariseus controlavam, realmente, a membresia da sinagoga.

Conclusão

Vimos que a evidência de Josefo e o NT apoiam a interpretação de Rivkin que os fariseus do período anterior a 70 E.C. eram um partido do povo. Os fariseus eram ativos na vida política e religiosa do judaísmo, e não eram, ao que parece, o tipo de seita puritana separatista que alguns, como Neusner, têm afirmado.. De fato, a imagem dos fariseus como sentado “na cadeira de Moisés,” e tendo influência entre o povo comum, que os respeitavam, é bastante plausível, à luz do que podemos razoavelmente conjecturar sobre o papel e as atividades dos fariseus no judaísmo pré-70 E.C.


Notas

1 Kenneth G. C. Newport, “A Note on The ‘Seat of Moses’ (Matthew 23:2),” AUSS 28 (1990): 53–58.

2 Esta parece ser a melhor interpretação deste verso, segundo o qual os fariseus não entram no reino e impedem que outros entrem. O que isso significa? Que, provavelmente, os fariseus não se juntaram a incipiente igreja cristã, e que eles próprios impediam outros advertindo contra a filiação ao novo grupo.

3 Sobre a questão se “rabino” era usado como um título no judaísmo no período anterior a 70 E.C., ver, especialmente, Hershel Shanks, “Is the Title ‘Rabbi’ Anachronistic in the Gospels?,” JQR 53 (1962–63): 337–345; idem, “Origins of the Title ‘Rabbi,’” JQR 59 (1968): 152–157; Solomon Zeitlin, “A Reply,” JQR 53 (1962-63): 345–349; idem, “The Title Rabbi in the Gospels is Anachronistic,” JQR 59 (1968): 158–160. Ver, também, Raymond E. Brown, The Gospel according to John, AB, vols. 29 e 29A (Garden City, NY, 1966-l97O), 1:74.

4 Cp. Krister Stendahl, The School of St . Matthew and Its Use of the Old Testament (Philadelphia, 1968), xi.

5 Jacob Neusner, The Rabbinic Traditions about the Pharisees before 70, 3 vols. (Leiden, 1971).

6 Ellis Rivkin, “Defining the Pharisees: The Tannaitic Sources,” HUCA 40–41 (1969-1971): 205–249; idem, A Hidden Reuolution (Nashville, TN, 1978); idem, “Scribes, Pharisees, Lawyers, Hypocrites: A Study in Synonymity,” HUCA 49 (1978): 135–142.

7 Ver, e.g., Marcel Simon, Jewish Sects at the Time of Jesus, trad. James H . Farley (Philadelphia, 1967), pp. 27–43; Louis Finkelstein, The Pharisees: The Sociological Background of Their Faith, 3ª e. (Philadelphia, 1962), 1:75–76; Emil Schiirer, The History of the Jewish People in the Age o f Jesus Christ, trad. e e. Geza Vermes, Fergus Millar, Matthew Black, e Martin Goodman, 3 vols. (Edinburgh, 1973-1987), 2:381–403.

8 O ponto central dos argumentos de Rivkin tem sido mais recentemente endossado por E. P. Sander, que argumenta, de forma, similar, que a descrição de Neusner dos fariseus como uma seita puritana não reflete a evidência (ver Sanders, Jewish Law from Jesus to the Mishnah [London, Eng., 19901, especialmente pp. 166–184).

9 O termo grego usado é prōtos, podendo ter ambos os significados. Ver William F. Arndt e F. Wilbur Gingrich, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature, 2ª e., rev. F. Wilbur Gingrich e Frederick W. Danker (Chicago, 1979), pp. 725–726; G. W. H. Lampe, e., A Patristic Greek Lexicon (Oxford, 1961), p. 1201.

10 Guerras Judaicas 2.162. Traduções de Josefo são da LCL.

11 Ant. 13.288–289.

12 Para o relato completo, ver Ant. 13.288–296.

13 Rivkin, Revolution, pp. 43–44.

14 Ant. 13.399–402. A conversa completa no leito de morte continua até 13.404. O apoio subsequente de Alexandra dos fariseus é descrito em 13.405–415.

15 Para um relato deste evento extremamente terrível, ver Ant. 13.380. Ver, também, Schürer, 1:224.

16 E.g., em sua [obra] Vida, ele fala de um certo Simão, “um nativo de Jerusalém, de uma família ilustre, e da seita dos fariseus, que tem a reputação de ser um especialista incomparável nas leis do país” (191). E em Antiguidades, ele faz várias referências pertinentes, tais como 13.298 e 18.17. Em conexão com a última referência, lemos: “Os fariseus simplificam o seu padrão de vida, sem fazer nenhuma concessão à luxúria. Eles seguem a orientação de que sua doutrina tem sido selecionada e transmitida para o bem, concedendo importância magna para o cumprimento desses mandamentos que a eles parecem adequados ditar. . . . Eles são, de fato, extremamente influentes entre os habitantes da cidade; e todas as orações e ritos sagrados do culto divino são realizadas de acordo com exposição deles” (18.12–15).As passagens em Antiguidades foram escritas provavelmente no começo dos anos 90 E.C., e tais relatos podem ser considerados como evidência sólida da situação antes de 70 E.C. O que deve ser observado, todavia, é a concordância deles com a declaração de Guerras Judaicas 2.162 (citada acima), que antecede Antiguidades por quase duas décadas.

17 E. P. Sanders, Jesus and Judaism (Philadelphia, 1985), pp. 188, e 388–389.

18 Ibid.

19 A historicidade de tais eventos têm, naturalmente, sido desafiada por vários estudiosos, mas tais argumentações são muito frágeis. Mesmo se esses relatos carecessem de historicidade, eles, não obstante, dariam testemunho do conceito de fariseus defendido aqui—um conceito que é claramente validado por outras evidências que já mencionei.

20 Sobre os rešāʿîm, ver Sanders, Jesus and Judaism, cap. 6.

21 Ibid., pp. 18–22, seguindo Henry J. Cadbury.

22 Rivkin, Revolution, pp. 120–121.

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