“Os Deuses de Meu Pai Terá”: Abraão o Iconoclasta e a Polêmica com as Tradições do Corpo Divino no Apocalipse de Abraão

Os Deuses de Meu Pai Terá”: Abraão o Iconoclasta e a Polêmica com as Tradições do Corpo Divino no Apocalipse de Abraão


Andrei A. Orlov é um professor estadunidense de judaísmo e cristianismo na Antiguidade na Universidade Marquette. Ele “é especialista em Apocalipticismo e Misticismo Judaico, Judaísmo do Segundo Templo e Pseudoepígrafos do Antigo Testamento.


Tradução: Hugo Martins

“Os Deuses de Meu Pai Terá”: Abraão o Iconoclasta e a Polêmica com as Tradições do Corpo Divino no Apocalipse de Abraão” (The Gods of My Father Terah’: Abraham the Iconoclast and the Polemics with the Divine Body Traditions in the Apocalypse of Abraham) foi primeiramente publicado no Journal for the study of the Pseudepigrapha ,Vol 18.1 (2008): 33–53  Usado com permissão.


Sinopse

Os primeiros oito capítulos do Apocalipse de Abraão narram os primeiros anos do jovem herói da fé, retratado como um guerreiro contra as práticas idólatras de seu pai Terá. Os desenvolvimentos conceituais encontrados nesta seção da obra, especialmente nas representações das estatuetas idólatras, parecem desempenhar um papel importante na retratação geral da obra sobre a compreensão antropomórfica da divindade. Nas representações do ídolo Bar-Eshath (“o Filho do Fogo”) e de algumas outras personagens de aparência humana, cujas características lembram vividamente os atributos familiares das representações antropomórficas da divindade em Ezequiel e alguns outros relatos bíblicos e pseudoepigráficos, pode-se detectar polêmicas sutis com as tradições do corpo divino. Este artigo investiga esses desenvolvimentos conceituais no Apocalipse de Abraão e busca compreender seu lugar na ideologia anticorporal mais ampla do pseudoepígrafo eslavo.

Introdução

Que o Apocalipse de Abraão relata polêmicas sutis contra uma compreensão antropomórfica de Deus já foi observado anteriormente por vários estudiosos.1 A segunda parte deste texto pseudoepigráfico trata da ascensão celestial de Abraão ao reino da Carruagem Divina. Embora se baseiem em algumas características do relato tradicional ezequieliano do Merkabah,2 os autores deste apocalipse parecem evitar quaisquer referências a representações antropomórficas da divindade, proeminentes no relato profético clássico, e, em vez disto, tentam repetidamente retratar a presença divina como a Voz sem forma procedendo na corrente de fogo.3

Embora as tendências anticorporais discerníveis na segunda parte apocalíptica do texto já tenham sido estabelecidas em estudos anteriores,4 nenhuma explicação suficiente foi oferecida sobre como a primeira parte hagádica do pseudoepígrafo (caps. 1–8), que retrata o patriarca como um guerreiro contra as estátuas idólatras de seu pai Terá, se encaixa na pauta antiantropomórfica dos autores do texto.

É possível que esta porção hagádica do apocalipse, que prevê o herói da fé como um oponente e destruidor de imagens idólatras semelhantes a humanos, desempenhe um papel central na polêmica anticorpórea empregada pelos autores do pseudoepígrafo. Não parece coincidência que os argumentos contra as tradições corpóreas divinas estivessem situados no meio da história do patriarca conhecido em materiais pseudoepigráficos e rabínicos judaicos pela sua posição distinta contra imagens idólatras. Tem sido observado que, além do Apocalipse de Abraão, outros textos da pseudoepígrafe abraâmica, como o Testamento de Abraão, também negam a possibilidade de Deus ter uma forma humana. Philip Munoa observa que “o Testamento de Abraão evita cuidadosamente a descrição física de Deus ao descrever a ascensão celestial de Abraão e as viagens ao céu identificando explicitamente Deus com o invisível . . .”5 Munoa argumenta ainda que o Testamento de Abraão exibe claramente tendências antiantropomórficas ao destacar a invisibilidade de Deus,6 enfatizando repetidamente a sua natureza invisível (ἀόρατορ [aórator]).7

Parece que o impulso iconoclasta da história do patriarca, já elaborado no livro dos Jubileus, oferece um cenário literário ideal para o desenrolar das polêmicas com as tradições da corporalidade divina.8 Não é coincidência que tais desenvolvimentos antiantropomórficos também apareçam no Apocalipse de Abraão, o pseudoepígrafo escrito em nome do herói da fé conhecido na tradição judaica pela sua oposição às imagens idólatras do divino.

Tendo em conta estas tendências, é provável que nas representações distintas das lutas de Abraão com figuras antropomórficas idólatras fabricadas pelo seu pai Terá, cujas características lembram surpreendentemente as representações corporais da divindade encontradas no livro de Ezequiel e em alguns outros relatos bíblicos e pseudoepigráficos, é possível detectar polêmicas contínuas com as tradições corpóreas divinas. O objetivo do presente estudo é explorar as possíveis tendências antiantropomórficas da primeira porção hagádica do pseudoepígrafo que pode estar por trás das intrigantes representações do patriarca como um guerreiro contra as representações corporais da divindade.9

Abraão, o Iconoclasta: O Pano de fundo do Imaginário

Como observado anteriormente, os primeiros oito capítulos do Apocalipse de Abraão,10 uma obra judaica provavelmente composta nos primeiros séculos da Era Comum, tomam a forma de uma exposição midráshica que trata dos primeiros anos de Abraão.11 Esta parte do texto retrata o jovem herói da fé como uma testemunha relutante das práticas idólatras da sua família. Tal elaboração hagádica da história de Abraão não é uma novidade completa criada do zero pelos autores do pseudoepígrafo, mas, em vez disso, um elo importante na cadeia de uma tradição interpretativa duradoura, atestada já nos Jubileus e desenvolvida por outras fontes pseudoepigráficas e rabínicas.

Embora o relato de Gênesis sobre os primeiros anos de Abraão não elabore suas lutas contra a idolatria na casa de seu pai, a história encontrada nos Jubileus fornece uma narração bastante longa de tais atividades. Jubileus 11.16–12.14 retrata o filho Abrão resistindo ferozmente às problemáticas rotinas religiosas de seus parentes.12 O texto retrata o jovem herói da fé envolvido em longas disputas com seu pai Terá na tentativa de persuadi-lo a abandonar suas práticas abomináveis ​​de fabricar e servir ídolos. Embora os argumentos de Abrão pareçam convencer o seu pai, eles irritam os seus dois irmãos. O relato termina com Abrão incendiando o templo dos ídolos, acontecimento que leva à morte de Harã, que morre em meio às chamas tentando salvar as estátuas. Embora Jubileus forneça um relato menos elaborado da história em comparação com aquele encontrado no Apocalipse de Abraão, ele atesta um núcleo inicial formativo da história que seria expandido ou alterado por desenvolvimentos pseudoepigráficos e rabínicos subsequentes.13 A representação da história encontrada no Apocalipse de Abraão parece constituir uma das primeiras tentativas de uma elaboração tão extensa. A singularidade deste relato em comparação com as versões preservadas em outros materiais pseudoepigráficos e rabínicos é que os muitos detalhes peculiares do texto eslavo, incluindo as referências aos nomes enigmáticos de vários ídolos fabricados por Terá e suas elaboradas representações, parecem ter sido preservados apenas aqui. No entanto, por trás dos detalhes enigmáticos, pode-se ver uma tendência ideológica persistente. Leitores sintonizados com a relutância teológica da segunda seção apocalíptica do pseudoepígrafo em endossar tradições da forma divina, também podem detectar traços da mesma tendência antiantropomórfica na primeira seção do pseudoepígrafo. Ali, em representações distintas dos ídolos Bar-Eshath, Mar-Umath e outras figuras de aparência humana, cujas características lembram os atributos familiares dos retratos antropomórficos da divindade no livro de Ezequiel e alguns outros relatos bíblicos e pseudoepigráficos, pode-se discernir polêmicas sutis com as tradições corpóreas divinas.

Bar-Eshath, o Filho do Fogo

Uma das características marcantes do texto é a extensa elaboração pelos autores de figuras idólatras que aparecem no pseudoepígrafo como personagens independentes em rivalidade feroz com outros heróis humanos do texto. Nas representações desses ídolos, alguns dos quais se tornam conhecidos pelos leitores pelos seus nomes próprios, pode-se detectar alusões sutis às imagens proeminentes nas tradições do corpo divino. A história envolvendo um desses ídolos, Bar-Eshath (eslavo Варисать [Varisatʹ]), parece estar no centro do relato hagádico da luta de Abraão contra a idolatria e pode de fato constituir um dos nexos mais importantes nas interações polêmicas com as tradições corpóreas divinas encontradas na primeira parte do Apocalipse de Abraão. A história desta personagem enigmática começa no capítulo 5, onde Terá ordena a seu filho que reúna lascas de madeira que sobraram da fabricação de ídolos para preparar uma refeição. Na pilha de lascas de madeira, Abrão descobre uma pequena figura cuja testa está decorada com o nome Bar-Eshath.14 O curioso jovem herói da fé que duvida do poder dos ídolos decide testar as habilidades sobrenaturais da estátua de madeira colocando Bar-Eshath perto do “coração do fogo”. Ao deixar o ídolo perto do calor, Abrão ironicamente ordena que ele contenha as chamas e, em caso de emergência, “sopre o fogo para fazê-lo acender.”15 Contudo, os poderes do ídolo de madeira não conseguem vencer as chamas, pois ele não é capaz de resistir ao teste do fogo. Ao retornar, o futuro patriarca descobre o ídolo caído com os pés envoltos no fogo e terrivelmente queimado. Abrão então vê o desaparecimento da estátua idólatra enquanto as chamas transformam Bar-Eshath em uma pilha de poeira.

Vários detalhes neste relato irônico da figura antropomórfica destruída que falha no teste da fornalha ardente parecem apontar não apenas para a postura contra a idolatria, mas também para polêmicas sutis com as ideologias corpóreas divinas. O primeiro detalhe importante é que a representação gráfica da estátua antropomórfica abraçada pelas chamas traz à memória representações familiares encontradas nos relatos teofânicos bíblicos. A este respeito, é intrigante que os autores do apocalipse eslavo retratam a estátua de uma divindade com os pés envoltos em fogo. Em Apocalipse de Abraão 5.:9, Abrão relata que, quando retornou, ele “encontrou Bar-Eshath caído para trás, com os pés envoltos em fogo (нозѣ его обятѣ огнемь [nozæ ego obâtæ ognemʹ])16 e terrivelmente queimado.”17 Este detalhe invoca uma importante característica teofânica frequentemente encontrada em vários relatos visionários onde a figura antropomórfica da divindade é retratada com pés de fogo ou uma parte inferior do corpo de fogo.

Por exemplo, na visão paradigmática contada em Ezequiel 1, onde o vidente contempla o antropomórfico Kavod, ele descreve a natureza ígnea da parte inferior do corpo da divindade. Ezequiel 1:27 diz:

Vi que essa figura era como metal brilhante, como um fogo ao redor dela, desde a sua cintura e daí para cima; e desde a sua cintura e daí para baixo, vi que essa figura era como fogo (וממראה מתניו ולמטה ראיתי כמראה־אש [umimmar’eh motnayv ulumatah ra’yty kemareh-esh]) e havia um resplendor ao redor dela . . .

Uma representação semelhante também pode ser encontrada em Ezequiel 8:2 onde um visionário encontra novamente a manifestação antropomórfica celestial com lombos de fogo:

Olhei, e eis uma figura como de um homem. Do que parecia ser a sua cintura e daí para baixo era fogo e, da cintura para cima, como o resplendor de metal brilhante.

Outro testemunho importante desta temática importante aparece em Apocalipse 1, texto possivelmente contemporâneo do Apocalipse de Abraão, que, em muitos aspectos, partilha o paradigma teofânico do livro de Ezequiel e do livro de Daniel.18 Apocalipse 1:14–15 diz:

A cabeça e os cabelos dele eram brancos como alva lã, como neve. Os olhos eram como chama de fogo. Os seus pés eram semelhantes ao bronze polido, como que refinado numa fornalha. A voz era como som de muitas águas . . .19

É evidente que a tradição presente no livro do Apocalipse está relacionada com aquela presente no Apocalipse de Abraão, uma vez que se refere aos pés da divindade “refinados como numa fornalha”, uma característica que pode apontar implicitamente para as tradições teofânicas da prova de fogo, que serão exploradas posteriormente em detalhes no nosso estudo.

Por enquanto, concentrar-nos-emos em outro detalhe portentoso da passagem acima mencionada presente no livro do Apocalipse, que também pode estar ligado aos desenvolvimentos conceituais presentes no Apocalipse de Abraão. Esta característica diz respeito ao título da manifestação divina antropomórfica quanto a pés de fogo, figura que o livro do Apocalipse designa com a expressão “semelhante a um filho de homem” (ὅμοιον υἱὸν ἀνθρώπου [hómoion hyión antrṓpou]). Esta designação enigmática merece atenção especial. Não é segredo que a figura do filho do homem representa um importante lócus conceitual nas ideologias antropomórficas do Segundo Templo. Este título portentoso, bem conhecido no livro de Daniel, nas Similitudes de Enoque, 4 Esdras e nos textos do Novo Testamento, é frequentemente usado para rotular as manifestações antropomórficas luminosas da divindade. É possível que este título invoque alusões sutis ao nome do ídolo de madeira do apocalipse eslavo.

Deve-se lembrar que Apocalipse de Abraão 5:5 menciona que o ídolo que o patriarca descobriu entre as lascas de madeira da casa de seu pai estava rotulado em sua testa como “deus Bar-Eshath”.20 Estudiosos têm proposto uma origem semítica para este nome enigmático, remontando-o à expressão aramaica בר אשת(א) [bar ’eshta(’)] “o filho do fogo”. Esta conexão foi percebida pela primeira vez por Louis Ginzberg21 e recentemente apoiada e investigada em profundidade por Alexander Kulik. Kulik liga a origem do título בר אשת [bar ’eshta] às tradições mesopotâmicas das divindades do fogo, observando que seus nomes eram frequentemente traduzidos para o grego por diversas designações terminológicas, incluindo a palavra grega φως [fōs].22

A referência de Kulik ao termo grego φως [fōs] é intrigante, uma vez que o termo era frequentemente usado nas tradições teofânicas judaicas para designar as gloriosas manifestações antropomórficas ou réplicas da divindade, incluindo a extensão luminosa do Protoplasto frequentemente retratada em relatos como o Anthropós celestial. Estas tradições jogam frequentemente com a ambiguidade do termo que, dependendo do sotaque, pode designar quer φώς ([fṓs] um homem’) ou φῶς ([fȭs] “luz”), apontando tanto para a natureza luminosa quanto antropomórfica do corpo divino.23 Parece que os autores do Apocalipse de Abraão também podem estar cientes desta correlação homem/luz quando, em Apocalipse Abraão 23:10, eles escolhem rotular o Protoplasto como a luz dos homens (свѣть чл[о]в[ѣ]чь {svætʹ čl[o]v[æ]čʹ}).24 É possível que a gematria com a terminologia φως [fōs] se manifeste novamente nesta expressão enigmática do apocalipse eslavo, cujo original semítico, muitos estudiosos argumentam, passou por um estágio grego de transmissão. Em vista dessas correlações terminológicas peculiares, é possível que no nome Bar Eshath (o “Filho do Fogo”), a gematria com a terminologia ambígua φως [fōs] estejar presente? Se sim, como poderia esta hipotética correspondência terminológica que une luminosidade e antropomorfismo encontrar a sua expressão semítica no quadro textual original do apocalipse eslavo? A esse respeito, deve-se notar que, além do trocadilho com a palavra grega φως ([fōs] homem/luz), alguns estudiosos das tradições teofânicas judaicas propõem a possibilidade de outro trocadilho semítico com איש/אש ([’esh/‘ish] fogo/homem),25 possivelmente já manifestado em Ezequiel 8:2.26 Parece que a interação terminológica ezequeliana intensifica as conexões entre as características ígneas e antropomórficas da extensão divina. Em vista dessas ligações terminológicas, é possível que, ao nomear o ídolo antropomórfico como o Filho do Fogo, os autores do apocalipse eslavo talvez tenham procurado interagir com outra designação aramaica importante no centro dos desenvolvimentos antropomórficos judaicos, o título ‘Filho do Homem’ (בר אנש [bar ‘enash]) que linguisticamente é muito semelhante a בר אשת [bar ‘esh].

A nossa investigação em curso demonstrará que os autores do apocalipse eslavo estavam muito familiarizados com a tradição adâmica,27 a corrente mediadora onde as correlações entre luz/homem ou fogo/homem foram desenvolvidas pela primeira vez. Tendo em conta estes desenvolvimentos, a possibilidade do trocadilho com as palavras “fogo” e “homem” no título de Bar-Eshath não pode ser completamente excluída.

Testando pelo Fogo

Retornemos ao teste de fogo que transformou nosso ídolo de madeira em um monte de pó. Apocalipse de Abraão 7:2 lembra aos seus leitores que o fogo “zomba com suas chamas das coisas que perecem facilmente.”28 Parece que os primeiros testemunhos bíblicos e extrabíblicos desta tradição do teste de fogo sugerem o fato de que esta temática pode ter se originado dentro de correntes antropomórficas. Aprendemos delas que as tradições corpóreas divinas têm o seu próprio uso do teste de fogo: seu propósito é destacar a distinção entre representações verdadeiras e falsas da divindade, onde a resistência da forma divina contra o elemento fogo atesta a sua autenticidade. Esta convicção teológica de que os corpos celestes de alguma forma não são consumidos pelo fogo e podem até ser compostos pela substância ígnea encontrada em vários lugares do Apocalipse de Abraão, onde o imaginário de fogo são frequentemente empregados em representações de manifestações divinas e angélicas.29 Ademais, parece que os autores do apocalipse eslavo acreditam que o fogo representa a substância que envolve a própria presença da divindade.30 Aqui, os autores do Apocalipse de Abraão se baseiam na tradição visionária estabelecida já manifestada em diversos relatos bíblicos, incluindo a teofania da sarça ardente do Êxodo, onde o filho de Anrão encontra a manifestação celestial envolvida pelo fogo, mas não consumida pelas suas chamas.

A temática da forma celeste abraçada pelo fogo traz também à memória outro relato paradigmático, já mencionado, encontrado no primeiro capítulo do livro de Ezequiel, onde o vidente contempla a extensão antropomórfica divina envolta pelo fogo ou talvez até composta dele. É intrigante também que, em alguns materiais apocalípticos do Segundo Templo, as corporalidades divinas suportem um teste da fornalha ardente muito semelhante ao que destrói o “corpo” de madeira de Bar-Eshath no Apocalipse de Abraão. Um dos exemplares distintivos de tal tradição aparece em Daniel 3, uma composição bem conhecida pela sua promulgação de ideologias antropomórficas. Pode-se encontrar ali um relato elaborado que descreve o aparecimento da manifestação corpórea divina na fornalha ardente. Em Daniel, a história do teste de fogo encontra o seu lugar, como acontece no Apocalipse de Abraão, no meio de debates sobre a essência das representações verdadeiras e falsas (idólatras) da divindade. Ali, Nabucodonosor ordena colocar no fogo da fornalha ardente três jovens israelitas —Sadraque, Mashaque e Abede-Nego— que se recusaram a adorar o ídolo de ouro do rei.

No decorrer do teste de fogo, esses três homens são resgatados pela manifestação divina31 que aparece milagrosamente no meio do fogo. Comentaristas desta tradição notaram que o texto aramaico preserva o mistério da presença divina na fornalha e não revela a identidade da manifestação divina. Contudo, os autores da versão grega de Daniel 3 preenchem as lacunas exegéticas recontando a história do anjo do Senhor descendo à fornalha para resgatar os três judeus fiéis.32 Fica claro que esta corporalidade divina ilesa da prova de fogo é polemicamente justaposta no texto à “imagem” idólatra do rei e parece ser entendida como uma “estátua” superior ao ídolo criado por Nabucodonosor. O teste de fogo dos corpos humanos de Sadraque, Mashaque e Abednego, que suportam as chamas mortais junto com a forma divina, também é digno de nota.

O imaginário da fornalha ardente em Daniel 3 parece representar um importante locus teofânico onde as corporeidades humanas são capazes de encontrar a extensão divina em meio ao fogo. Choon Leong Seow enfatiza este importante aspecto teofânico da passagem quando observa que “os judeus não apenas sobrevivem à provação, eles encontram até mesmo a presença divina na provação do fogo.”33 Ele observa ainda que o narrador não diz que os quatro indivíduos estão andando na fornalha, mas que estão andando no meio do fogo . . . A história é que eles estão com um ser divino no meio do fogo. Eles encontram a presença divina no meio do fogo. Aqui, como acontece frequentemente no Antigo Testamento, o fogo está associado à presença de Deus. No Monte Sinai, a presença de Deus foi acompanhada, talvez até mesmo manifestada, pela aparição do fogo (Êx 19:16, 19; 20:18, 21) e na musicalidade de Israel o fogo é frequentemente associado à manifestação de Deus (e.g., Salmos 18:8-16; 77:17-20)…34

A este respeito, a evidência encontrada em Daniel 3 parece representar um elo em um desenvolvimento duradouro dentro das tradições corpóreas divinas, onde diversos indivíduos ilustres, incluindo o patriarca Enoque ou o profeta Moisés, são retratados como suportando o teste de fogo do encontro com a perigosa extensão divina que emite luz e fogo. No decorrer deste encontro mortal, estes exemplares humanos muitas vezes passam por uma transformação radical, adquirindo para si corporalidades35 ou “rostos” luminosos e ígneos. As tradições, portanto, encaram essas figuras como representações da divindade e até mesmo intimamente associadas ao próprio Kavod divino.

Os autores do apocalipse eslavo parecem estar cientes dessas correntes teofânicas quando, na história de Bar-Eshath, escolhem o fogo como campo de testes para a autenticidade da figura antropomórfica que representa uma divindade. O contexto daniélico da temática do teste de fogo36 também parece estar implicitamente reafirmado no destino de Terah (nos Jubileus [e. Haran]) que, em Apocalipse de Abraão 8, perece no fogo junto com sua família e seus ídolos.37 Estes membros da família de Abraão, ao contrário de Sadraque, Mashaque e Abednego, partilham o mesmo destino de figuras antropomórficas idólatras que Deus também transforma em montes de cinzas.

Já foi observado que, apesar do aparente impulso antiantropomórfico do pseudoepígrafo eslavo, o simbolismo do fogo, tão importante nas teofanias bíblicas, não foi completamente abandonado pelos autores do Apocalipse de Abraão, que, repetidamente, optam por retratar a presença divina através do imaginário da Voz vindo da torrente de fogo. Pode-se, aqui, ver a influência formativa da tradição deuteronômica com a sua promulgação de uma manifestação auditiva em vez de corporal da divindade.38

No entanto, o simbolismo do fogo não permanece totalmente inequívoco no apocalipse eslavo, sendo possível que nele se encontrem polêmicas sutis até mesmo contra esse elemento teofânico importante nas ideologias corporais. Assim, embora o Apocalipse de Abraão também reafirme a linguagem do fogo em sua representação teofânica da Voz divina, no discurso do patriarca sobre a hierarquia dos elementos naturais presente no capítulo 7, o fogo ocupa o grau mais baixo sendo facilmente “subjugado” pela água, o próximo elemento na hierarquia:

O fogo é o [elemento] mais nobre na imagem [do mundo], uma vez que até mesmo as coisas que são [de outra forma] não subjugadas são subjugadas nele, e [uma vez que] ele zomba com suas chama, as coisas que são perecem facilmente. Mas também não o chamaria de deus, pois está subjugado à água. A água é realmente mais nobre, pois vence o fogo e encharca a terra. (Apoc. Abr. 7:2–4)39

Mar-Umath: Aquele que é “Mais Pesado que Pedra”

O presente estudo sugere que os autores do apocalipse eslavo parecem estar envolvidos em polêmicas com as tradições corpóreas divinas, desconstruindo conscientemente o imaginário teofânico e até mesmo vocabulário técnico característico dos desenvolvimentos antropomórficos clássicos. Apoio adicional para esta hipótese pode ser encontrado nas peculiares elaborações conceituais envolvendo outra figura problemática da história: uma estátua do ídolo de pedra Mar-Umath.

Embora se diga que os ídolos produzidos por Terá são feitos de ouro, prata, cobre, ferro, madeira, pedra e outros materiais inanimados, os autores do texto se referem a eles como os “corpos” (eslavo тѣла [tæla]). Tendo em conta a nossa investigação anterior apontando para a possibilidade de polêmicas com as tradições corpóreas divinas, este uso da terminologia “corpórea” não parece coincidência. É também intrigante que o contexto onde esta terminologia corpórea é aplicada no apocalipse invoque implicitamente o relato da criação, um importante locus bíblico que promulga a ideologia sacerdotal antropomórfica. Este topos criacional moldado por uma temática corpórea também parece ter sido polemicamente remodelado pelos autores do apocalipse eslavo. Neste novo quadro polêmico, o pai de Abraão, Terá, assume agora o lugar de Deus e posiciona-se como um “criador” dos “corpos” idólatras, um papel que lembra a posição protológica da divindade que outrora moldou o corpo do primeiro humano à semelhança da sua própria imagem. Desta forma, em Apocalipse de Abraão 6:2–3, encontramos a seguinte passagem:

E eu [Abraão] disse: ‘Como pode a criação do corpo (створенiе тѣла [stvorenie tæla]) [dos ídolos] feito por ele (Terá) ser seu ajudador? Ou ele teria subordinado seu corpo (тѣло [tæla]) à sua alma, sua alma ao seu espírito, e então seu espírito à loucura e à ignorância?’40

É notável que o texto fale sobre a “criação do corpo” (створенiе тѣла [stvorenie tæla]) dos ídolos, aplicando, assim, claramente, a terminologia corpórea aos objetos inanimados. Mais intrigante é que as “corporalidades” dos ídolos, semelhantes ao relato do Gênesis, são colocadas em uma conexão inequívoca com a corporeidade (тѣло [tæla]) de seu mestre e criador: o artesão Terá. Como é comum na tradição corpórea divina, a passagem também faz uma conexão terminológica explícita entre o corpo do Mestre e sua réplica corpórea.

A escolha terminológica envolvendo a palavra “criação” (створенiе [stvorenie]) também não parece coincidência, mas serve como um indicador importante para a contraparte bíblica protológica. Em Apocalipse Abraão 6:7, este termo é usado novamente em relação ao ídolo Mar-Umath.41

Já foi observado que, tal como o relato de Bar-Eshath, a história do ídolo de pedra Mar-Umath parece representar outro nexo importante no texto onde interações polêmicas com as tradições corpóreas divinas se desenrolam em meio ao imaginário já familiar.

Em Apocalipse de Abraão 1:3-4. encontra-se a seguinte descrição deste ídolo de pedra:

Eu, Abraão, tendo entrado no templo deles para o serviço, encontrei um deus chamado Mar-Umath, esculpido em pedra, caído aos pés de um deus de ferro, Nakhon. E aconteceu que quando vi aquilo, meu coração ficou perturbado. Então questionei por que eu, Abraão, não consegui devolvê-lo sozinho ao seu lugar, pois ele era mais pesado (тяжекъ [tâžekʺ] que uma grande pedra.42

É possível que a descrição de Mar-Umath nesta passagem invoque a terminologia técnica do paradigma Kavod.

Este vínculo terminológico com as tradições corpóreas divinas se refere à designação de Mar-Umath como “sendo mais pesado que uma grande pedra.” O termo eslavo usado aqui para a palavra “pesado” (тяжекъ [tâžekʺ]) parece ser uma alusão à terminologia técnica reservada para a designação da Glória (Kavod) divina em materiais ezequielianos e sacerdotais. Neles, a qualidade de “peso” serve como um dos significados da palavra hebraica Kavod.43 Parece que os autores do apocalipse eslavo conhecem esta faceta do significado deste termo e o usam até mesmo de forma intercambiável para Kavod em outra passagem presente no Apocalipse de Abraão.

Ryszard Rubinkiewicz argumentou que o termo eslavo para “peso”44 (eslavo тягота [tâgota]) encontrado em outra passagem, Apocalipse de Abraão 14:13, serve como termo técnico para traduzir o hebraico Kavod. Apocalipse de Abraão 14:13 diz: “. . . Já que Deus deu a ele [Azazel] o peso (тяготоу [tâgota]) e a vontade contra aqueles que lhe respondem . . .”45

Rubinkiewicz observa que o texto original provavelmente tinha כבוד [Kavod] que tem o sentido de “gravidade”, mas também de “glória”, e o significado do verso seria: ‘“o Eterno . . . lhe deu a glória e o poder.” De acordo com Rubinkiewicz, esta ambiguidade está na base da tradução eslava do verso.46

Se o termo “peso” estiver de fato associado na mente dos autores do Apocalipse de Abraão com a terminologia Kavod, é intrigante que esta noção tenha sido usada apenas na descrição dos protagonistas negativos do texto: o ídolo de pedra Mar-Umath e o anjo caído Azazel. Tal uso pode apontar novamente para a postura polêmica dos autores do pseudoepígrafo contra a tradição Kavod com seu imaginário teofânico peculiar.

À Semelhança da Obra de Um Artesão”

Outra faceta importante do impulso antiantropomórfico das deliberações conceituais detectadas no apocalipse eslavo diz respeito à sua polêmica apropriação da linguagem da “semelhança” que muitas vezes permeia o núcleo conceitual das tradições teofânicas corporais. Devemos lembrar que no modelo sacerdotal teofânico paradigmático refletido no livro de Ezequiel e no primeiro capítulo do livro de Gênesis, a linguagem da “semelhança” vem à tona. Os autores do livro de Ezequiel se esforçam repetidamente em descrever a visão deles dos fenômenos divinos e angélicos através da linguagem da “semelhança.” A mesma tendência é discernível em Gênesis 1, onde a divindade cria os humanos à semelhança de sua imagem.

As fórmulas de “semelhança” também têm grande importância no Apocalipse de Abraão, mas os autores do texto as utilizam de uma forma distintamente polêmica. Desta forma, em Apocalipse de Abraão 25, Deus oferece ao vidente a visão do futuro Templo poluído pelo ídolo da inveja, aparência transmitida através da linguagem da semelhança:

Eu vi ali a semelhança do ídolo da inveja (nодобие идола ревнования [nodobiē idola rēvnovaniâ]), à semelhança (nодобие [nodobiē]) da [obra] de um artesão como fez meu pai, e sua estatura era de cobre brilhante, e um homem diante dele, e ele o adorava; e [havia] um altar atrás dele e jovens foram mortos nele diante do ídolo. E eu lhe disse: “O que é este ídolo, e o que é o altar, e quem são aqueles sendo sacrificados, e quem é o sacrificador, e qual é o belo templo que vejo, arte e beleza se a tua glória está abaixo do teu trono?” E ele disse: “Ouça Abraão! Este templo e altar e as coisas bonitas que você viu são minha imagem da santificação do nome da minha glória (святительства имени славы моея [svâtitelʹstva imeni slavy moeâ]), onde habitará toda oração dos homens, e a reunião de reis e profetas, e o sacrifício que estabelecerá para ser feito por mim entre meu povo vindo de sua descendência. E a estatura que você viu é a minha ira, porque as pessoas que de você virão até mim me deixarão irado. E o homem que você viu assassinar é quem me irrita. E o sacrifício é o assassinato daqueles que testemunham para mim do encerramento do juízo no fim da criação (Apoc. Abr. 25:1–6).47

Nesta passagem crucial, as temáticas anteriores que os leitores do apocalipse encontraram na primeira seção do pseudoepígrafo que trata das práticas idólatras do pai de Abraão são explicitamente invocadas. As estátuas semelhantes às feitas na casa de Terá (“à semelhança (подобие [nodobiē]) da [obra] de um artesão como o que meu pai fez”) estão agora instaladas no Templo de Deus. Esta prática idólatra de adorar a estátua de cobre brilhante, rotulada na história como “à semelhança (подобие [nodobiē]) da [obra] de um artesão,” parece invocar cautelosamente a linguagem da “semelhança” conhecida do paradigma teofânico sacerdotal exemplificado em Gênesis 1:26 e Ezequiel 1. Esta referência ao “artesão” invoca novamente a história de Terá e a sua criação dos ídolos. A tendência de rotular as figuras idólatras como “corpos”, já detectável nos primeiros capítulos, é novamente reafirmada aqui. As práticas idólatras são então contrastadas com a adoração verdadeira, descrita na linguagem agora familiar do paradigma auditiva do nome divino, que nega que a divindade possa possuir um corpo. Assim, o futuro templo escatológico é retratado como uma morada, não para a abominável estátua brilhante, mas para “a imagem da santificação do nome da minha glória [de Deus] (святительства имени славы моея [svâtitelʹstva imeni slavy moeâ]), onde toda oração dos homens habitará (в нюже вселится всяка молба мyжьска [v nûže vselitsâ vsâka molba myžʹska]).”48 Fica evidente que os autores tentam reinterpretar a terminologia técnica da tradição da Glória divina, fundindo-a com fórmulas emprestadas da ideologia Shem. Não resta dúvidas também de que a atitude dos autores em relação à ideologia antropomórfica permanece polêmica, demonstrada descaradamente ao rotular a estátua brilhante como o ídolo da inveja.

Conclusão

A elaboração da história da luta de Abraão contra os ídolos presente no apocalipse eslavo proporciona uma visão única do complexo mundo dos debates litúrgicos judaicos nos primeiros séculos da Era Comum. Foi uma época em que, diante de uma ampla gama de desafios envolvendo a perda do santuário terrestre, os autores dos escritos apocalípticos judaicos tentaram abraçar outras alternativas teológicas para preservar e perpetuar as práticas sacerdotais tradicionais.49 Uma dessas tradições viáveis ​​estava ligada à ideia do santuário celestial representado pela Carruagem divina.

É claro que o conceito do templo celestial como o lócus da experiência litúrgica e mística não foi um desenvolvimento inteiramente novo, mas sim o legado do complexo clima teológico do período do Segundo Templo, quando vários grupos e clãs sacerdotais competiam pela primazia e autoridade do seu legado sacerdotal, procurando práticas sacerdotais alternativas que envolvessem a contraparte celestial do templo terrestre. Este ambiente sacerdotal dominado por contenções criou toda uma galeria de figuras sacerdotais ideais, incluindo Miguel, Yahoel, Enoque, Melquisedeque e Levi, retratados como ilustres servos de santuários celestiais. A este respeito, a história do jovem herói da fé que viaja do santuário terrestre destruído e poluído pelos ídolos de seu pai para o templo celestial não é uma invenção dos autores do Apocalipse de Abraão, mas um dos elos da tradição literária e mística estabelecida, atestada já nos primeiros livretos de 1 Enoque, onde o sétimo patriarca antediluviano sobe ao templo celestial para contemplar o Kavod divino.50 A diferença aqui, contudo, é que, ao mesmo tempo que tentam abraçar o significado litúrgico e sacerdotal da viagem ao santuário celestial, os autores do apocalipse eslavo parecem ao mesmo tempo bastante relutantes em abraçar a práxis visual do paradigma enóquico e os seus princípios antropomórficos. Em vez disso, desenvolve-se outra práxis auditiva, envolvendo a revelação da Voz divina e a veneração do Nome divino. Tal interação polêmica entre duas tendências conceituais importantes envolvendo a ideia do templo celestial pode fornecer conceitos importantes para a compreensão do caráter dos desenvolvimentos posteriores de Merkabah e Hekhalot, onde as tradições sobre a Forma divina e o Nome divino parecem sofrer uma fusão criativa.


Notas

1 C. Rowland, “The Visions of God in Apocalyptic Literature,” JSJ 10 (1979), pp. 137–154; idem, The Open Heaven: A Study of Apocalyptic in Judaism and Early Christianity (Nova York: Crossroad, 1982), pp. 86–87; A. Orlov, “Práxis da Voz: As Tradições do Nome Divino no Apocalipse de Abraão,” JBL 127.1 (2008), pp. 53–70. idem, “The Pteromorphic Angelology of the Apocalypse of Abraham,” CBQ (lançamento futuro).

2 Estudiosos observaram anteriormente que a visão do trono divino do vidente presente no Apocalipse de Abraão “baseia-se fortemente em Ezequiel e está diretamente na tradição da especulação Merkabah;” J. Collins, The Apocalyptic Imagination: An Introduction to Jewish Apocalyptic Literature (Grand Rapids: Eerdmans, 2ª e., 1998), p. 183. Ver, também, I. Gruenwald, Apocalyptic and Merkavah Mysticism (AGAJU, 14; Leiden: Brill, 1980), pp. 55–57; Rowland, Open Heaven, pp. 86–87.

3 Em sua análise comparativa dos relatos de Ezequiel e do Apocalipse de Abraão, Rowland demonstra que o autor do apocalipse eslavo, embora preserve as representações angélicas do relato de Ezequiel, evita cuidadosamente a descrição antropomórfica do Kavod, substituindo-a pela referência à voz Divina. Rowland conclui que “parece ter havido aqui uma tentativa deliberada de excluir toda referência à figura humana mencionada em Ezequiel 1;” Rowland, The Open Heaven, p. 87.

4 Ver Orlov, “Praxis of the Voice,” pp. 53–70.

5 P. Munoa em Early Jewish and Christian Mysticism. A Collage of Working Definitions (publicação futura).

6 Aqui as restrições à representação visual da divindade são ainda mais exigentes do que no Apocalipse de Abraão, visto que os autores do Testamento de Abraão tornam a divindade completamente invisível, sem qualquer representação visível.

7 Munoa ilustra essas tendências se referindo-se à passagem do capítulo 16 onde aparece a seguinte tradição sobre a invisibilidade de Deus: “Quando a Morte ouviu, estremeceu e tremeu, tomada por grande covardia; então ele veio com grande medo e ficou diante do Pai invisível, estremecendo, gemendo e tremendo, aguardando a ordem do Mestre. Então o Deus invisível disse à Morte . . .” (T. Abr. 16:3–4); P. Munoa, Four Powers in Heaven: The Interpretation of Daniel 7 in the Testament of Abraham (JSPSup, 28; Sheffield: Sheffield Academic Press, 1998), p. 141.

8 Para o contexto da história de Abraão como um guerreiro contra ídolos no livro dos Jubileus e nos materiais rabínicos posteriores (Gen. R. 38.13; Tanna debe Eliahu 2.25; Seder Eliahu Rabba 33), ver G.H. Box e J.I. Landsman, The Apocalypse of Abraham. Edited, with a Translation from the Slavonic Text and Notes (TED, 1.10; London: Mac Millan), pp. 88-94; Rubinkiewicz, L’Apocalypse d’Abraham en vieux slave. Édition critique du texte, introduction, traduction et commentaire (Towarzystwo Naukowe Katolickiego Uniwersytetu Lubelskiego: Źródła i monografie, p. 129; Lublin: Société des Lettres et des Sciences de l’Université Catholique de Lublin, 1987), pp. 43–49.

9 Para a discussão das tradições do corpo divino em materiais bíblicos, pseudepigráficos e rabínicos, ver Andrei A. Orlov, The Enoch-Metatron Tradition (TSAJ, 107; Tübingen: Mohr/Siebeck, 2005), pp. 143–146, 211–252; idem, “Without Measure and Without Analogy”: The Tradition of the Divine Body in 2 (Slavonic) Enoch,” em A. Orlov, From Apocalypticism to Merkabah Mysticism: Studies in the Slavonic Pseudepigrapha (JSJSup, 114; Leiden: Brill, 2007), pp. 149–174.

10 Sobre data e proveniência do Apocalipse de Abraão, ver Box e Landsman, Apocalypse of Abraham, pp. xv–xix; B. Philonenko-Sayar e M. Philonenko, L’Apocalypse d’Abraham. Introduction, texte slave, traduction et notes (Semitica, 31; Paris: Librairie Adrien Maisonneuve, 1981), pp. 34-35; R. Rubinkiewicz, “Apocalypse of Abraham,” em OTP, I, pp. 681–705 (683); idem, L’Apocalypse d’Abraham en vieux slave, pp. 70–73; Alexander Kulik, “К датировке ‘Откровения Авраама’’ [(K datirovke ‘Otkroveniâ Avraama) “About the Date of the Apocalypse of Abraham”], em N. M. Botvinnike e Je. I. Vaneeva (ee.), In Memoriam of Ja. S. Lur’e (St Petersburg: Atenium/Feniks, 1997), pp. 189–195; idem, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha: Toward the Original of the Apocalypse of Abraham (TCS, 3; Atlanta: Scholars Press, 2004), pp. 2–3.

11 Para os manuscritos eslavos publicados e fragmentos do Apocalipse de Abraão, ver Ioan Franko, “Книга о Аврааме праотци и патриарси” [(Kniga o Avraame praotci i patriarsi) “The Book about the Forefather and the Patriarch Abraham”], em Anокрiфи i легенди з yкраiнських рyкоnисiв [(Anokrifi i legendi z ykrainsʹkih rykonisiv) The Apocrypha and the Legends from the Ukrainian Manuscripts] (5 vols.; Monumenta Linguae Necnon Litterarum Ukraino-Russicarum [Ruthenicarum] 1–5; L’vov, Schevchenka, 1896–1910), I, pp. 80–86; Alexander I. Jacimirskij, “Откровение Авраама” [(Otkrovenie Avraama) “The Apocalypse of Abraham”], em Библиографический обзор аnокрифов в южнославянской и рyсской nисьменности (Cnиски nамятников) Выnyск 1. Anокрифы ветхозаветные [(Bibliografičeskij obzor anokrifov v južnoslavjanskoj i rysskoj nisʹmennosti (Cniski namjatnikov) Vynysk 1. Anokrify vetxozavetnye) The Bibliographical Survey of Apocryphal Writings in South Slavonic and Old Russian Literature. I. The Old Testament Pseudepigrapha] (Petrograd: The Russian Imperial Academy of Sciences, 1921), pp. 99-100; P. P. Novickij (e.), “Откровение Авраама” [(Otkrovenie Avraama) “The Apocalypse of Abraham”], em Oбщество любителей древней nисьменности [(Obščestvo ljubitelej drevnej nis’mennosti] The Society of Lovers of Ancient Literature] 99.2 (St Petersburg: Markov, 1891); Ivan Ja. Porfir’ev, “Откровение Авраама” [(Otkrovenie Avraama) “The Apocalypse of Abraham”], em Anокрифические сказания о ветхозаветных лицах и событиях nо рyкоnисям соловецкой библиотеки [(Anokrifičeskie skazanija o vetxozavetnyx licax i sobytijax no rykonisjam soloveckoj biblioteki) The Apocryphal Stories about Old Testament Characters and Events according to the Manuscripts of the Solovetzkoj Library] (Sbornik Otdelenija russkogo jazyka i slovesnosti Imperatorskoj akademii nauk 17.1; St Petersburg: The Russian Imperial Academy of Sciences, 1877), pp. 111–130; Philonenko-Sayar e Philonenko, L’Apocalypse d’Abraham, pp. 36–105; Alexander N. Pypin, Ложные и отреченные книги славянской и рyсской старины. Памятники старинной рyсской литератyры, издаваемые графом Fригорием Кyшелевым- Безбородко Tом 3 [(Ložnye i otrečennye knigi slavjanskoj i rysskoj stariny. Pamjatniki starinnoj rysskoj literatyry, izdavaemye grafom Frigoriem Kyšelevym- Bezborodko Tom 3) The False and Rejected Books of Slavonic and Russian Antiquity. Memorials of Ancient Russian Literature edited by Count Gregory Kushelev-Bezborodko Vol. 3] (St Petersburg: Kulesh, 1860–1862), pp. 24–36; Rubinkiewicz, L’Apocalypse d’Abrahamen vieux slave, pp. 98–256; Izmail I. Sreznevskij, “Книги Откровения Авраама” [(Knigi Otkrovenie Avraama) “The Apocalypse of Abraham”], em Известия Имnераторской академии наyк nо отделению рyсского языка и словесности. Tом 10 [(Izvestija Imneratorskoj akademii nayk no otdeleniju rysskogo jazyka i slovesnosti. Tom 10) Proceedings of the Imperial Academy of Sciences: Division of Russian Language and Literature. Vol. 10] (St Petersburg: Russian Academy of Sciences, 1861–63), pp. 648–665; Nikolaj S. Tihonravov, Памятники отреченной рyсской литератyры [(Pamjatniki otrečennoj rysskoj literatyry) Memorials of Russian Apocryphal Literature] (2 vols.; St Petersburg/Moscow: Obschestvennaja Pol’za, 1863), I, pp. 32–77. Para as traduções do Apocalipse de Abraão, ver Nathanael Bonwetsch, Die Apokalypse Abrahams: Das Testament der vierzig Märtyrer (Studien zur Geschichte der Theologie und der Kirche, 1.1; Leipzig: Deichert, 1897); Box e Landsman, Apocalypse of Abraham, pp. 35–87; Mario Enrietti e Paolo Sacchi, “Apocalisse di Abramo,” em Apocrifi dell’Antico Testamento (e. Paolo Sacchi et al.; 5 vols.; Turin/Brescia: Unione tipografico-editrice torinese, 1981–97), III, pp. 61–110; Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, pp. 9–35; A. Pennington, “Apocalypse of Abraham,” em H. F. D. Sparks (e.), The Apocryphal Old Testament (Oxford: Clarendon Press, 1984), pp. 363–491; Donka Petkanova, “Откровение на Авраам” [(Otkrovenie Avraama) “The Apocalypse of Abraham”], em Cтаробългарска Есхатология. Aнтология [(Ctarobʺlgarska Esxatologija. Antologija) Old Bulgarian Eschatology: Anthology] (e. D. Petkanova e A. Miltenova; Slavia Orthodoxa; Sofia: Slavica, 1993), pp. 17–30; Belkis Philonenko-Sayar e Marc Philonenko, “Die Apokalypse Abrahams,” JSHRZ 5.5 (Gutersloh: Mohn, 1982), pp. 413–460; Paul Riessler, “Apokalypse des Abraham,” em Altjüdisches Schriftum außerhalb der Bibel (Freiburg: F.H. Kerle, 1928), pp. 13–39, 1267–1269; R. Rubinkiewicz, “Apocalypse of Abraham,” em OTP, I, pp. 681–705; idem, “Apocalypsa Abrahama,” em Apokryfy Starego Testamentu (e. R. Rubinkiewicz; Warsaw: Oficyna Wydawnicza ‘Vocatio’, 1999), pp. 460–481.

12 “O menino [Abrão] começou a perceber os erros da terra: que todos estavam se desviando por causa das estátuas e da impureza. Seu pai lhe ensinou (a arte de) escrever. Quando ele tinha duas semanas de anos [= 14 anos], separou-se de seu pai para não adorar ídolos com ele. Ele começou a orar ao criador de tudo que o salvasse dos erros da humanidade e que não lhe coubesse se desviar por causa da impureza e da maldade . . . Durante a sexta semana, no seu sétimo ano, Abrão disse ao seu pai Terá: “Meu pai”. Ele [Terá] disse: “Sim, meu filho?” Ele [Abrão] disse: “Que serventia e vantagem obtemos desses ídolos diante dos quais você adora e se prostra? Pois não há espírito neles, são mudos. Eles não pensam. Não os adore. Adore o Deus do céu que faz a chuva e o orvalho caírem na terra e faz tudo na terra. Ele criou tudo pela sua palavra; e toda a vida (vem) da sua presença. Por que você adora aquelas coisas que não têm espírito? Pois eles são feitos por mãos e você os carrega nos ombros. Você não recebe nenhuma ajuda deles, mas, em vez disso, eles são uma grande vergonha para aqueles que os fabricam e uma loucura para aqueles que os adoram. Não os adore.” Então ele lhe disse: “Eu também sei (disso), meu filho. Mas o que faço com as pessoas que me ordenaram servir na presença deles? Se eu lhes disser o que é correto, eles me matarão porque eles estão tão apegados aos ídolos para adorá-los e louvá-los. Fique quieto, meu filho, para que não matem você.” Quando ele contou essas coisas aos seus dois irmãos, eles ficaram com raiva dele, mas permaneceu em silêncio . . .

No sexagésimo ano da vida de Abrão (que foi a quarta semana do seu quarto ano), Abrão se levantou à noite e queimou o templo dos ídolos. Ele queimou tudo no templo, mas ninguém sabia (sobre isso). Eles se levantaram à noite e queriam salvar seus deuses do fogo. Harã correu para salvá-los, mas o fogo tomou conta dele. Ele foi queimado no fogo e morreu em Ur dos Caldeus, antes de seu pai Terá. Enterraram-no em Ur dos Caldeus;” J.C. VanderKam, The Book of Jubilees (CSCO, 510–511, Scriptores Aethiopici, 87–88; 2 vols.; Leuven: Peeters, 1989), II, pp. 67–70.

13 Deve-se notar que as alusões sutis às tradições da forma divina já podem ser sugeridas no relato presente em Jubileus, que tenta retratar Terá como a figura sacerdotal servindo na “presença das estátuas”. Um dos paralelos intrigantes aqui é que, semelhante às Criaturas Vivas (os Hayyot) predestinadas a carregar nos ombros a extensão antropomórfica divina no relato clássico de Ezequiel, Terah também carrega as estátuas idólatras nos ombros.

14 Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 12.

15 Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, pp. 12–13;

16 Philonenko-Sayar e Philonenko, L’Apocalypse d’Abraham. Introduction, texte slave, traduction et notes, p. 46.

17 Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 13.

18 Deve-se notar que o livro de Daniel e o livro de Apocalipse se referem a pés de fogo de manifestações não apenas divinas, mas também angélicas. Daniel 10:5–6 diz: “levantei os olhos e vi um homem vestido de linho, com um cinto de ouro puro de ufaz na cintura. O seu corpo era como o berilo, o seu rosto parecia um relâmpago, os seus olhos eram como tochas de fogo, os seus braços e os seus pés brilhavam como bronze polido, e a voz das suas palavras era como o barulho de uma multidão.” Apocalipse 10.1 diz: “Vi outro anjo forte descendo do céu, envolto em nuvem, com o arco-íris por cima de sua cabeça. O rosto dele era como o sol, e as pernas eram como colunas de fogo . . .”

19 Esta tradição é então reafirmada em Apocalipse 2:18: “Estas coisas diz o Filho de Deus, que tem os olhos como chama de fogo e os pés semelhantes ao bronze polido . . .”

20 Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 12.

21 L. Ginzberg, “Abraham, Apocalypse of,” em JewEnc, I, pp. 91–92.

22 A. Kulik, “The Gods of Nahor: A Note on the Pantheon of the Apocalypse of Abraham,” JJS 54 (2003), pp. 228–232; idem, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 63.

23 Sobre as tradições φως [fōs], ver G. Quispel, “Ezekiel 1:26 in Jewish Mysticism and Gnosis,” VC 34 (1980), pp. 1–13 (6–7); J. Fossum, The Name of God and the Angel of the Lord: Samaritan and Jewish Mediation Concepts and the Origin of Gnosticism (WUNT, 36; Tübingen: Mohr/Siebeck, 1985), p. 280; idem, The Image of the Invisible God: Essays on the Influence of Jewish Mysticism on Early Christology (NTOA, 30; Freiburg: Universitätsverlag; Göttingen: Vandenhoeck & Ruprecht, 1995), pp. 16–17; S. N. Bunta, “Moses, Adam and the Glory of the Lord in Ezekiel the Tragedian: On the Roots of a Merkabah Text” (Ph.D. dissertation; Marquette University, 2005), p. 92.

24 Philonenko-Sayar e Philonenko, L’Apocalypse d’Abraham. Introduction, texte slave, traduction et notes, p. 88.

25 Bunta, Moses, Adam and the Glory of the Lord in Ezekiel the Tragedian, pp. 111–112.

26 Para a discussão da interação terminológica איש/אש [ish/esh] em Ezequiel 8:2, ver Bunta, Moses, Adam and the Glory of the Lord in Ezekiel the Tragedian, p. 111.

27 Um desses desenvolvimentos é a representação repetida de Terá moldando ídolos de maneira semelhante às representações do Gênesis da divindade moldando o Protoplasto.

28 Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 15.

29 Ver Apocalipse de Abraão 18:2,3, 12; 19:4,6.

30 Ver Apocalipse de Abraão 8:1–2.

31 Daniel 3:25: דמה לבר אלהין ([dameh lebar ’elohin] “semelhante a um filho dos deuses”).

32 C.L. Seow, Daniel (Westminster Bible Companion; Louisville: Westminster John Knox Press, 2003), p. 59.

33 Seow, Daniel, p. 60.

34 Seow, Daniel, p. 59.

35 2 Enoque 22 serve como um atestado primário desta tradição. Podemos encontrar uma descrição detalhada deste processo em outro texto “enóquico”, Sefer Hekhalot, que descreve a transformação de Enoque-Metatron, o Príncipe da Presença Divina, na representação ígnea que serve como uma réplica da corporalidade divina: “R. Ismael disse: O anjo Metatron, Príncipe da Presença Divina, a glória do mais alto céu, disse-me: Quando o Santo, bendito seja ele, me levou para servir o trono da glória, as rodas da carruagem e todas as necessidades da Shekinah, imediatamente minha carne se transformou em chamas, meus nervos em fogo ardente, meus ossos em brasas de zimbro, meus cílios em relâmpagos, meus globos oculares em tochas de fogo, os cabelos de minha cabeça em chamas, todos os meus membros em asas de fogo ardente, e a substância do meu corpo em fogo ardente” (3 En. 15:1); Alexander, 3 Enoch, p. 267.

36 Outra prova de que o teste de fogo no relato apocalíptico da luta de Abraão contra os ídolos vem das tradições danilélicas e pode ser apoiada pelos testemunhos pseudoepigráficos e rabínicos atestados nas Antiguidades Bíblicas de Pseudo-Filo 6:5–18; Gen. R. 38:13; Tanna debe Eliahu 2:25; Seder Eliahu Rabba 33, onde, semelhante a Barisat e Daniel, o próprio patriarca passa pelo teste de fogo no qual ele, ao contrário do ídolo de madeira, passa com sucesso. Gen. R. 38.13 diz: “E Harã morreu na presença de seu pai Terá” (xi, 28). R. Hiyya disse: Terá era fabricante de ídolos. Certa vez, ele foi para algum lugar e deixou Abraão para vendê-los em seu lugar. Um homem veio e quis comprar um. “Quantos anos você tem?” Abraão perguntou a ele. “Cinquenta anos”, foi a resposta. “Ai de tal homem!” exclamou ele; “você tem cinquenta anos e adora um objeto feito em um dia!” Então ele ficou envergonhado e partiu. Em outra ocasião, uma mulher veio com um prato cheio de farinha e lhe pediue: “Pegue-o e ofereça para eles.” Então ele pegou um pedaço de pau, quebrou-o e colocou o pedaço de pau na mão do maior. Quando seu pai voltou, ele perguntou: “O que você fez com eles?” “Não posso esconder isso de você,” respondeu ele. “Uma mulher veio com um prato cheio de comida fina e pediu que eu oferecesse a eles. Um afirmou: “Devo comer primeiro,” enquanto outro afirmou: “Devo comer primeiro”. Então levantou-se o maior, pegou o bastão e quebrou-os.” “Por que você zomba de mim,” ele gritou; “então eles têm algum conhecimento!” “Seus ouvidos não deveriam ouvir o que sua boca diz”, retrucou ele. Então ele o agarrou e o entregou a Nimrod. “Vamos adorar o fogo!”, ele [Nimrod] propôs. “Adoremos antes a água, que apaga o fogo”, respondeu ele. “Adoremos então a água!” “Adoremos antes as nuvens que carregam a água”. “Adoremos então a nuvem!” “Adoremos antes os ventos que dispersam as nuvens.” “Adoremos então o vento!” “Adoremos então os seres humanos que resistem ao vento.” “Você está apenas jogando conversa fora”, exclamou ele; “não adoraremos nada além do fogo. Eis que eu lançarei você nele, e que o seu Deus, a quem tu adoras, venha e salve você dele.” Então Harã ficou ali indeciso. Se Abrão for vitorioso, [pensou ele], direi que sou da crença de Abrão, enquanto se Nimrod for vitorioso direi que estou do lado de Nimrod. Quando Abrão desceu à fornalha ardente e foi salvo, ele [Nimrod] perguntou-lhe: “Em quem você acredita?” “[No Deus] de Abrão”, respondeu ele. Então ele agarrou-o e lançou-o no fogo; suas entranhas foram queimadas e ele morreu na presença de seu pai. Daí está escrito, e Harã morreu na presença de (’al pene) seu pai Terá” (Midr. R. 1:310–311).

37 Apocalipse Abraão 8:6 diz: “. . . quando o som do trovão veio e queimou ele e sua casa e tudo o que havia na casa, até o chão [a uma distância de] quarenta côvados’. Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 16. Jubileus 12:14: “. . . Harã correu para salvá-los, mas o fogo tomou conta dele. Ele foi queimado no fogo e morreu em Ur dos Caldeus, antes de seu pai Terá. Enterraram-no em Ur dos Caldeus;” VanderKam, The Book of Jubilees, II, p. 70.

38 A tendência de substituir representações antropomórficas da divindade por expressões da Voz divina que se manifesta no fogo, é claro, não é um desenvolvimento novo dos autores do Apocalipse de Abraão, mas um exemplar da tradição duradoura cujas raízes já podem ser encontradas no livro de Deuteronômio. Estudiosos há muito notam uma forte oposição do livro de Deuteronômio e da escola Deuteronômica aos primeiros desenvolvimentos antropomórficos. Na verdade, acredita-se que a escola deuteronômica tenha iniciado a polêmica contra as concepções antropomórficas e corpóreas da divindade, posteriormente adotadas pelos profetas Jeremias e Deutero-Isaías. Procurando desalojar o antropomorfismo antigo, o livro de Deuteronômio e a escola deuteronômica promulgaram a teologia anticorpórea do Nome divino com sua concepção de santuário (tabernáculo) como a morada exclusiva do nome de Deus. Pode-se ver na escola deuteronômica uma mudança de paradigma do eixo revelador do plano visual para o plano auditivo. Neste novo entendimento, teo-aural, em oposição ao teofânico, até mesmo a revelação de Deus a Moisés no Monte Sinai em Êxodo 19, um evento que marca um nexo vital do paradigma antropomórfico visual, é reinterpretado nos termos de sua contraparte auditiva. Deuteronômio 4:36 descreve a teofania do Sinai como uma escuta da Voz divina: “Dos céus ele fez com que ouvissem a sua voz, para ensiná-los, e sobre a terra lhes mostrou o seu grande fogo, e do meio do fogo vocês ouviram as suas palavras.” Sobre o papel formativo da tradição deuteronômica para o imaginário teofânico do Apocalipse de Abraão, Ver Orlov, “Praxis of the Voice,” pp. 58–60.

39 Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 15.

40 Rubinkiewicz, L’Apocalypse d’Abraham en vieux slave, p. 114.

41 Ver, também, 6.18: “Hoje criarei (сътворю [sʺtvorju]) outro . . .;” Rubinkiewicz, L’Apocalypse d’Abraham en vieux slave, p. 116.

42 Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 9.

43 O termo כבוד [Kavod] também pode ser traduzido como “substância”, “corpo,” “massa”, “poder”, “poder”, “honra”, “glória”, “esplendor”. Em seu significado de “glória”, כבוד [Kavod] geralmente se refere a Deus, seu santuário, sua cidade ou utensílio sagrado. A tradição sacerdotal usa o termo em conexão com as aparições de Deus no tabernáculo. P e Ezequiel descrevem כבוד [Kavod] como um fogo ardente cercado por brilho e uma grande nuvem. Ver M. Weinfeld, “כבוד”, em TDOT, VII, pp. 22–38.

44 O substantivo eslavo “тягота [tjagota]” (Apoc. Abr. 14:13) é derivado da mesma raiz que o adjetivo “тяжекъ [tjažekʺ]“ (Apoc. Abr. 1:4).

45 Rubinkiewicz, L’Apocalypse d’Abraham en vieux slave, p. 150.

46 Rubinkiewicz aponta a presença das fórmulas em Lucas 4:6: “Eu lhe darei todo este poder e a glória . . .”

47 Kulik, Retroverting Slavonic Pseudepigrapha, p. 29. Philonenko-Sayar e Philonenko, L’Apocalypse d’Abraham. Introduction, texte slave, traduction et notes, p. 92.

48 Philonenko-Sayar e Philonenko, L’Apocalypse d’Abraham. Introduction, texte slave, traduction et notes, p. 92.

49 Sobre esta questão, ver R. Elior, The Three Temples: On the Emergence of Jewish Mysticism (Oxford: Littman Library of Jewish Civilization, 2004).

50 Para uma discussão desta tradição, ver Orlov, The Enoch-Metatron Tradition, pp. 70–76.

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