A Parábola do Homem Rico e Lázaro e Relatos de Revelações de Vida após A Morte

A Parábola do Homem Rico e Lázaro e Relatos de Revelações de Vida após A Morte[1]


Kim Papaioannou é Pastor no Chipre e autor de diversos artigos e do livro The Geography of Hell in the Teaching of Jesus: Gehena, Hades, the Abyss, the Outer Darkness Where There Is Weeping and Gnashing of Teeth


Tradução: Hugo Martins

O artigo “A Parábola do Homem Rico e Lázaro e Relatos de Revelações de Vida após A Morte” (Original em inglês: “The parable of the rich man and Lazarus and tales of revelations from the afterlife”),  escrito por Kim Papaioannou, fora publicado, inicialmente, em julho de 2016 na revista Ministry,® International Journal for Pastors, www.MinistryMagazine.org.  Usado com permissão.


A Parábola do Homem Rico e Lázaro[2] (doravante, a parábola) tem deixado estudiosos da Bíblia profundamente perplexos.  Para condicionalistas como eu, que acreditam que a morte é um estado de não consciência e o inferno um lugar de destruição final, deparamos com um desafio duplo: (a) descreve a existência consciente, contínua de vida após a morte; e (b) o fogo que atormenta em vez de destruir.

Embora frequentemente citada como referência, a parábola não se remete a doutrina da imortalidade da alma. Esta estória não descreve almas imortais flutuando no céu ou no inferno, mas pessoas reais com capacidades físicas de ver, ouvir, falar e sentir calor e frio. De fato, a existência dos dois protagonistas parece uma continuação completamente reversa de suas vidas antes da morte com, tão somente, a mudança de local.

A parábola é única, sem nenhuma referência ou, até mesmo, relação remota com outras estórias da Bíblia. Darrell Bock a denominou a “mais complexa” das estórias de Jesus.[3] Por tais razões, estudiosos de pontos de vista diferentes sugerem que ela não deveria ser vista como um roteiro da vida após a morte.[4]

Defesa Prévia

Seja como for, a parábola é muito difícil de adequar-se a um ponto de vista condicionalista. A principal defesa condicionalista tem sido utilizar a abordagem de Adolf Jülicher em relação às parábolas, a saber, que são estórias demonstrativas com um ponto principal, com os detalhes servindo unicamente como complementos.[5] Nesta parábola, o ponto principal pode ser que não há oportunidade para arrependimento após a morte.

Esta linha de defesa não é sem méritos, mas levanta questões difíceis. Por que Jesus contaria uma parábola com tantos detalhes se os detalhes não tivessem importância? E por que usa, teologicamente, detalhes estranhos? O mesmo ponto principal poderia ter sido apresentado de forma muito melhor e em uma linguagem palatável teologicamente. Aparentemente, algo mais profundo está em jogo, e a tentativa de desconsiderar a importância dos detalhes falha tremendamente em compreendê-la melhor.

Neste breve estudo, argumento que Jesus mostra Sua familiaridade com um gênero de estórias prevalente no mundo mediterrâneo antigo e desconstrói esta estória de tal modo para tanto desacreditar o gênero quanto reforçar o ponto de vista bíblico.

Narrativas Não Bíblicas

Estudiosos reconhecem que não há qualquer paralelo direto existente para esta parábola na Bíblia. Eles reconhecem, também, que estórias similares prevaleciam pelas culturas mediterrâneas. Dois tipos de estórias podem ser discernidos: (a) aquelas de inversão de situação na vida após a morte que tem paralelos diretos com a parábola; e (b) aquelas sobre revelações de vida após a morte que oferecem um cenário geral e amplo em visões de vida após a morte.

Estórias e inversão de situação: a pesquisa por um contexto imediato. Diversas estórias de inversão de situação podem ser destacadas. A mais conhecida é um conto popular egípcio (primeiro século E.C.).[6] Um mago egípcio, Si-Osíris, retorna de Amente, a terra dos mortos, e reencarna na família pobre de Setme. Certo dia, pai e filho foram a dois funerais—um de um homem rico, consumado com honras esplêndidas; o outro foi de um homem pobre, enterrado em uma necrópole comum. Vendo isto, Setme desejou ter um fim similar ao do homem rico. O jovem Si-Osíris, entretanto, pensava diferente. Ele, então, leva seu pai para dar uma volta por Amente, onde eles veem o homem rico em tormento intensamente visível, enquanto o homem pobre é justificado por Osíris, o juiz da humanidade.

Uma estória judaica similar é o conto de Bar Mayan (primeiro–segundo século E.C.).[7] Bar Mayan, e pecaminoso e rico coletor de impostos, morre e recebe um funeral esplêndido. Um estudioso da Torah pobre morre, também, despercebido, e recebe o mais humilde enterro. Isto leva um observador a questionar a justiça de Deus. Em resposta, Deus revela que o destino dos dois reverteram-se após a morte.

Bar Mayan fez uma boa obra em sua vida e recebeu sua recompensa em seu funeral esplêndido. O estudioso pobre fez uma obra ruim, expiado por meio de seu pobre enterro. O coletor de impostos pode, agora, facear os tormentos do inferno sem descanso, enquanto o estudioso pobre faceia as alegrias dos céus sem limitações.

Ronald Hock destaca uma estória similar contada por Luciano (c. 120–180 E.C.) de um contexto helenístico.[8] Três homens morrem e são levados ao Hades—o rico tirano Megapenthes, o pobre sapateiro Micyllus e um filósofo. No juízo, o filósofo e Micyllus são declarados imaculados e são enviados às ilhas benditas, enquanto Megapenthes, declarado culpado, é, portanto, punido.

O que esses contos populares mostram? Eles mostram que o motivo de uma inversão de situação na vida após a morte era comum entre diferentes culturas do mundo mediterrâneo.[9]

Relatos de revelações de vida após a morte: Estabelecendo um contexto mais amplo. Enquanto estórias de inversão na vida após a morte formam o contexto mais direto da nossa parábola, um outro cenário mais amplo precisa ser compreendido: a existência de estórias de revelações de vida após a morte, envolvendo um retorno da morte, desde que a parábola explora, mas rejeita, tal retorno. Tais estórias são abundantes. Discutirei algumas delas aqui.

Platão (428–348 A.E.C) conta a estória de um soldado, Er O Panfílio,[10] que é morto em batalha, mas revive vários dias depois. Enquanto “morto”, Er visita o Hades e vê um juízo no qual o bom vai para o céu e os pecadores são punidos. É-lhe dito, especificamente, retornar e relatar o que ele tem visto, para advertir, presumidamente, os viventes.

Plutarco (46–420 E.C.) conta uma estória similar acerca de Tespésio e Clearco de Soles sobre Cleônimo.[11] O conto, posteriormente, tem uma revira-volta interessante. Enquanto no Hades, Cleônimo encontra um outro visitante temporário. Eles concordam que, uma vez que eles retornarem à terra dos viventes, eles manterão contato um com o outro.

Luciano narra um outro conto de retorno. Um homem chamado Cleônimo adoece. Mas sua hora ainda não tinha chegado. Em um caso confusão de identidade, ele é trazido ao Hades apenas para ser informado que seu vizinho Demilo deveria ter sido trazido em vez dele. Cleônimo é, então, enviado de volta e em poucos dias Demilo morre.

Tais contos, embora de um contexto pagão, rapidamente encontraram espaço na tradição cristã e judaica. O Talmude Babilônico (segundo–quinto séculos E.C.)[12] conta uma estória apócrifa de Samuel O Profeta—a quem alguns órfãos confiaram uma quantidade significativa de dinheiro que ele deposita com seu pai, Abba. Abba esconde o dinheiro, mas morre antes de informar a Samuel onde ele o guardou. Desesperado para recuperar o dinheiro a ele confiado, Samuel visita Abba na terra dos mortos, descobre o local do dinheiro escondido, o devolve para os órfãos, e todos ficam bem.

Um exemplo cristão é a estória de Janes e Jambres (primeiro–segundo século E.C.)—dois irmãos magos que, de acordo com a tradição, se opuseram a Moisés na corte de Faraó.[13] Janes morre. Jambres chama o espírito de Janes do inferno por meio de necromancia, e Janes conta a Jambres acerca do seu sofrimento e da justiça de seu destino e apela a Jambres para arrepender-se, embora não saibamos o desfecho.[14]

Vemos, portanto, que estórias de inversão de situação na morte, como na parábola, assim como nas revelações de vida após a morte, como requerido na parábola, eram abundantes no mundo antigo. Temos um contexto muito claro que a audiência de Jesus teria estado a par e consciente que a parábola poderia ser compreendida.

Três elementos em comum

Três elementos em comum conectam todos os contos não-bíblicos relevantes em um gênero coerente. Primeiro, revelações dos mortos eram sempre contadas com os propósito de trazer alguma melhora aos viventes, incluindo arrependimento. Contrariamente a Bíblia, que declara que “os mortos não sabem coisa nenhuma” (Ec 9:5), tais estórias pressupõem que os mortos sabem mais do que os vivos e podem, portanto, beneficiar os viventes.

Segundo, uma mensagem dos mortos poderia vier de diversas maneiras, como uma visita ao morto encarnado (e.g., Samuel) ou como espíritos desencarnados (Er ou Cleônimo). Em outras vezes, os mortos poderiam visitar os viventes como fantasmas ou em visões (Janes), por iniciativa própria ou sendo chamado por meio de necromancia (Janes). A ressurreição do corpo nunca está em questão porque nas culturas pagãs onde tais contos originalmente se desenvolveram, não havia ressurreição do corpo (At 17:32).

Terceiro, revelações dos mortos sempre incluem uma testemunha, normalmente nomeada e bem conhecida. A presença de testemunhas nomeadas e conhecidas serviam para dar credibilidade a tais contos que de outra maneira pareceriam incrédulos. Interessantemente, a parábola do homem rico e Lázaro é a única das parábolas de Jesus que nomeia personagens.[15]

Com isso em mente, podemos voltar, agora, nossa atenção à parábola.

A primeira parte da parábola: desconstruir para desacreditar.

A parábola tem duas partes: (a) o pedido do homem rico por alívio e (b) seu segundo pedido para que Lázaro fosse enviado aos seus cinco irmãos viventes. Bauckham sugere que, frequentemente, o ponto onde a estória começa a partir do esperado é onde encontra-se a sua importância.[16] Veremos, agora, como tanto a primeira e a segunda parte da parábola começam de formas muito importantes de estórias de supostas revelações da vida após a morte e medem a importância de tais inícios.

A primeira parte da parábola começa como um conto típico de inversão de situação—um homem rico e um homem pobre morrem, e na terra suas situações encontram-se invertidas. Apesar deste início convencional, diversas peculiaridades começam, imediatamente, a perturbar o leitor.

Primeiro, Lázaro, enquanto vivo, desejava “alimentar-se” das migalhas que caíam da mesa do rico (Lc 16:21).[17] O verbo grego chortazō não significa “alimentar-se”, mas “encher-se”, “satisfazer-se”,[18] ou cheio de comida no estômago. Pode alguém, realmente, encher-se e satisfazer-se com migalhas caindo de uma mesa?

Segundo, quando Lázaro morre, é levado ao “seio de Abraão” (Lc 16:22). O que é o seio de Abraão? A frase aparece unicamente aqui. A maioria diz ser um sinônimo para céus.[19] Na parábola, entretanto, parece como uma descrição literal: o homem rico levantou os olhos e viu ao longe a “Abraão e Lázaro no seu seio” (Lc 16:23). Os mortos justos sentam-se no seio de Abraão? Quantos podem sentar-se ali?

Terceiro, quando o homem rico viu Abraão ao longe, ele, “clamando”, disse a ele (Lc 16:24). O termo grego é phonizō. Significa “clamar”[20] e não carrega qualquer sentimento de drama. Uma pessoa em tormento severo, como o homem rico, teria “gritado”, “chorado” (do grego krazō), ou ao menos clamado “em alta e sofredora voz”. Mas o homem rico não o faz. Ele levanta a sua voz, o suficiente apenas para ser ouvida, mas, porventura, não tão alto para incomodar: “Pai Abraão . . . oieee . . .”

Quarto, o homem rico no Hades experimenta tormento (ARA) ou sofrimento (NVI) (Lc 16:24). O grego odunōmai e o cognato odunē são usados quatro outras vezes no Novo Testamento[21] e referem-se à angústia, dor e sofrimento.[22] O homem rico, então, encontra-se em meio a chamas literais, mas experimenta angústia emocional, que ele tenta aliviar com água literal!

Quinto, para aliviar a sua dor, o homem rico pede que Lázaro molhe em água “a ponta do dedo” (Lc 16:24) e ponha sobre ele. Ele poderia ter pedido por um balde de água—ou ao menos que Lázaro pingasse alguma água ou mergulhar sua vestimenta na água. Quanta água pode a tampa do dedo carregar? E continuaria a água no dedo e fresca enquanto carregasse entres os fogos do tormento? Joseph Fitzmyer vê, aqui, uma hipérbole para destacar a severidade dos tormentos.[23]

Sexto, o homem rico espera que uma pouquíssima quantidade de água “refrescasse” a sua língua (Lc 16:24). O termo grego é katapsuchō,[24] um termo composto do verbo psuchō “fazer frio’ e a preposição prefixada kata que funciona para fazer alguma coisa de forma mais enfática.[25] Como ilustração, no grego moderno, katapsuchō refere-se ao compartimento do refrigerador que congela a comida. O homem rico espera, portanto, que a pouquíssima quantidade de água, carregada na ponta do dedo de Lázaro sobre as chamas atormentadoras, refrescassem sua língua e aliviassem sua angústia emocional!

Por que Jesus usa tais descrições tão estranhas? E por que tão detalhadas? Certamente, elas não são meros detalhes. Nem são incidentais.

Eu gostaria de propor que tais descrições tem uma pincelada de sarcasmo e almejam desacreditar o tipo de gênero que elas emulam, o vasto campo de estórias de supostas revelações a partir da vida após a morte. Sarcasmo é, frequentemente, a melhor ferramenta para desconstruir um sistema de pensamento e é usado em outras partes na Bíblia.[26]

A segunda parte da parábola—desconstruir para reforçar o ponto de vista bíblico

Em contraste com a primeira parte da parábola, a segunda é solene e comovente. Jesus, aqui, põe o dedo na ferida, para então falar, quando vem a morte e a suposta visita dos mortos para os viventes.

Observamos que todas as estórias de contextos não bíblicos compartilham três características em comum. Revelações dos mortos (a) podem ajudar os viventes; (b) não incluem ressurreição; e (c) incluem testemunhas. Jesus desconstrói todos os três pontos.

Primeiro, quando o homem rico pede que Lázaro seja enviado aos cinco irmãos viventes para adverti-lhes, ele está confiante que assim será: “Então, replicou: Pai [Abraão], eu te imploro que o mandes à minha casa paterna, porque tenho cinco irmãos; para que lhes dê testemunho, a fim de não virem também para este lugar de tormento” (Lc 16:27–28).

A resposta o abala: “Eles têm Moisés e os Profetas; ouçam-nos” (Lc 16:29). Evidentemente, o testemunho das Escrituras (Moisés e os Profetas”) é mais do que suficiente.

O homem rico responde: “Não” (Lucas 16:30). O termo grego ouchi não uma simples negação “não”, mas um enfático “não!” O homem rico que tem aceitado, sem queixa, seu destino miserável, assim como a recusa de Abraão de trazer alívio, não pode aceitar que uma revelação dos mortos seja imaterial a pecadores e rebeldes. Sua incredulidade reflete, provavelmente, a incredulidade das massas que acreditavam, similarmente, na eficácia das revelações dos mortos.

Para ir direto ao ponto, Jesus repete a declaração com mais ênfase: “Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos” (Lucas 16:31). Supostas revelações dos mortos não podem levar ao arrependimento; apenas a obediência às Escrituras pode. “Se não ouvem a voz de Deus em Sua Palavra, o testemunho de alguém que se levantasse dentre os mortos não seria atendido.”[27]

De uma perspectiva intra-bíblica, há uma conexão aqui com a ressurreição de Lázaro, o irmão de Maria e Marta. Os fariseus tinham rejeitado o testemunho das Escrituras acerca de Jesus, assim como a pregação bíblica e o ensinamento de Jesus. Tendo rejeitado esses, quando Lázaro foi levantado dos mortos, eles rejeitaram o poder manifesto de Jesus. Em vez de crer no que Jesus fez, “eles resolveram matar também Lázaro” (Jo 12:10).

Segundo, a parábola trata do retorno dos mortos. Em Lucas 16:27, o homem rico pede a Abraão que “envie” Lázaro aos seus irmãos viventes. Quando este pedido é negado, Lucas 16:30 reforça o pedido que se um dos mortos “for” à terra, seus irmãos o ouvirão. Nem a declaração indica a ressurreição. Qualquer um dos modos de comunicação entre os viventes e os mortos nas culturas mediterrâneas e discutidas na seção em um contexto não-bíblico é provavelmente adequado.

Ao pedido inicial–final do homem rico, Abraão afirma que o único meio de uma pessoa retornar dos mortos é por meio da ressurreição do corpo: “Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos” (Lc 16:31).

Terceiro, e talvez o mais importante, é a testemunha. Na parábola, aparte de Abraão, Lázaro é mencionado. Esta é a única parábola que dá nome aos personagens. “Lázaro” é forma grega para o nome hebreu Eliézer. Eliézer era o mais confiável e o único servo chamado pelo nome de Abraão.

Na cosmologia judaica, não bíblica, não-condicionalista, Abraão era o mais exaltado humano nos céus. Então, se os céus fossem enviar uma mensagem dos mortos para a humanidade, o melhor candidato seria o mais confiável dos servos de Abraão, Eliézer/Lázaro! Naturalmente, a parábola não afirma que Lázaro servia como Eliézer, o servo de Abraão. Mas, muito obviamente, na mente da audiência alguma conexão entre os dois poderiam ser feitas. Como tal, Eliézer/Lázaro seria o candidato ideal para retornar dos mortos.

A parábola cria, então, a testemunha ideal dos mortos, mas recusa a enviá-lo, não porque Deus não possa enviar dos mortos por meio da ressurreição, nem porque Deus não queira ajudar os cinco irmãos em necessidade de arrependimento, mas porque não é necessário nem útil. “Se não ouvem a Moisés e aos Profetas, tampouco se deixarão persuadir, ainda que ressuscite alguém dentre os mortos” (Lc 16:31).

E Deus não fará o que é desnecessário. Se Deus não faz algo, agora, porque esta tarefa é desnecessária, Ele não tem feito no passado e nem fará no futuro. Isto significa que todas as supostas testemunhas dos mortos, que vieram trazer ajuda aos viventes, não foram enviadas por Deus e suas supostas revelações não são de Deus.[28] Que afirmação! Com uma palavra forte, uma afirmação poderosa, descarta todas as supostas revelações dos mortos!

Essencialmente, por meio da parábola do homem rico e Lázaro, Jesus repete a proibição de Deuteronômio 18:10–12: “Não se achará entre ti . . . nem feiticeiro; nem encantador, nem necromante, nem mágico, nem quem consulte os mortos; pois todo aquele que faz tal coisa é abominação ao SENHOR; e por estas abominações o SENHOR, teu Deus, os lança de diante de ti.”

Conclusão

Jesus contou a parábola do homem rico e de Lázaro para invalidar os contos populares de revelações dos mortos. A primeira parte da parábola destrói a credibilidade de tal gênero por usar humor e sarcasmo em suas descrições da vida após a morte, como compreende-se em tais estórias.

Entretanto, a principal contribuição da parábola encontra-se na segunda parte onde Jesus acaba com as expectativas populares como refletida no pedido do homem rico e enfatiza que (a) supostas revelações dos mortos não trazem arrependimento—as Escrituras trazem; (b) qualquer retorno dos mortos virá unicamente por meio da ressurreição do corpo, não por quaisquer outros meios; e (c) não há testemunhas com contos dos mortos fora da Bíblia.

Hoje, como no tempo de Jesus, contos de revelações de vida após a morte abundam, se na forma de experiências quase-morte, sonhos, visitas de fantasmas ou quaisquer outros meios. Mesmo dentro de círculos cristãos, tais estórias circulam e suas revelações são usadas até mesmo como um testemunho para chamar o povo ao arrependimento.

Para todo caso, a parábola do homem rico e de Lázaro, corretamente compreendida, é um lembrete crucial que o único meio de trazer pessoas ao arrependimento e fé salvífica são as Escrituras, a correta e poderosa Palavra de Deus. Qualquer coisa supostamente vinda dos mortos não é de Deus e deve ser combatida.


Notas

[1] As principais considerações deste artigo foram extraídas de Kim Papaioannou, The Geography of Hell in the Teaching of Jesus: Gehenna, Hades, the Abyss, the Outer Darkness Where There Is Weeping and Gnashing of Teeth (Eugene, OR: Pickwick Publications, 2013).

[2] A ausência de características que identifiquem esta unidade literária como uma parábola, e o uso de um nome próprio para o homem pobre (único nas parábola), tem gerado especulações se esta narrativa constitui, de fato, uma parábola. Alguns consideram ques esta não é uma parábola, mas uma estória de vida real. Entretanto, os detalhes desta parábola, como discutidas neste estudo, e sua descrição da vida após a morte, não refletem a visão bíblica da morte. A unidade começa com a frase “havia um homem,” similar às introduções a outras três parábola de Lucas (Lucas 14:16–24; 15:11–31; 16:1–8). Por outro lado, os versos 19–31 contêm fortes similaridades com diversos contos populares, como será discutido. Podemos, portanto, chamá-la de uma parábola modelada em contos populares. Le Roy Froom, interestingly, calls it a “parabolic fable.” Le Roy Froom, The Conditionalist Faith of Our Fathers, vol. 1 (Washington DC: Review and Herald Pub. Assn., 1966), p. 239.

[3] Darrell Bock, Luke 9:51-24:53, Baker Exegetical Commentary on the New Testament (Grand Rapids, MI: Baker Academic, 1986), p. 1377.

[4] E.g., ver as ponderações de Joel B. Green, The Gospel of Luke (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 1997), pp. 607–608; William Smith, Dictionary of the Bible, vol. 2 (Cambridge: Cambridge University Press, 1869), p. 1038.

[5] Adolf Jülicher, Die Gleichnisreden Jesu, 2 vols. (Tübingen: Mohr Siebeck, 1888, 1899); Froom trata, eloquentemente, sobre essas visões. Interessantemente, ele ver uma conexão entre esta parábola e as fábulas que circulavam nesse tempo, embora não desenvolva o contraste como fazemos aqui. Froom, Conditionalist Faith, pp 234–251.

[6] O conto foi primeiramente destacado por Hugo Gressman, Vom reichen Mann und armen Lazarus: Eine literargeschichtliche Studie (Berlin: Kōnigliche Akademie der Wissenschaften, 1918). A estória data de um manuscrito do primeiro século E.C., mas é, provavelmente, muito mais antiga.

[7] Jerusalem Talmud, Haggadah, 2:77.

[8] Ronald Hock, “Lazarus and Micyllus: Greco-Roman Backgrounds to Luke 16:19–31,” Journal of Biblical Literature 106, no. 3 (Sept. 1987): 55.

[9] Ibid., p. 455–463.

[10] Plato, Republic, 10.614B–621B.

[11] Richard Bauckham, “The Rich Man and Lazarus: The Parable and the Parallels,” New Testament Studies 37, no. 2 (1991): 225–246.

[12] Babylonian Talmud, Berakhot 18b.

[13] Este conto encontra-se no Apócrifo de Janes e Jambres. Gênesis nem numera nem diz os nomes dos mágicos que se opuseram a Moisés, nem diz que eles eram irmãos. A tradição judaica chamou-lhes de Janes e Jambres, uma tradição conhecida em 2 Timóteo 3:8.

[14] Não sabemos nem se Janes se arrepende porque o texto está fragmentado e a conclusão da estória encontra-se perdida.

[15] V. Tanghe considera Lázaro como o enviado de Abraão, desde que Lázaro é a versão grega do hebraico Eliézer, o servo de Abraão (Gn 15:2; cp. 24:2). A parábola não faz tal conexão. Todavia, à luz de sua relação com as estórias sobre a vida após a morte onde uma testemunha bem conhecida tem um papel proeminente, é bem provável que tal conexão entre Lázaro e Eliézer pudesse estar nas mentes da audiência. V. Tanghe, “Abraham, son fils et son envoye (Luc 16,19–31),” Revue Biblique 91 (1984): pp. 557–577.

[16] Bauckham, “The Rich Man and Lazarus,” p. 328.

[17] Caso não seja especificado, todas as citações das Escrituras são da Almeida Revista e Atualizada.

[18] Walter Bauer, A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature, trad., ed., e aug. F. Wilbur Gingrich and Frederich W. Danker (Chicago, IL: University of Chicago Press, 1958), s.v. “chortazō.”

[19] Compare a tradução “junto de Abraão” (e.g. NVI).

[20] Bauer, Greek-English Lexicon, s.v. phonizō; Henry George Liddell e Robert Scott, A Greek-English Lexicon, revisado por Henry S. Jones, (Oxford: Clarendon, 1968), s.v. phonizō.

[21] Lucas 2:48; Atos 20:38; Romanos 9:2; 1 Timóteo 6:10.

[22] Compare Gênesis 44:31; Êxodo 3:7; Deuteronômio 26:14; Provérbios 29:21; Isaías 21:10; 40:29; 53:4; Lamentações 1:12; Ageu 2:14; Zacarias 9:5; 12:10. Comparar, também, Gênesis 35:18 onde, embora o filho de Raquel seja nascido na dor física do parto, ela o chama de Benoni [filho do pranto (em grego uios odunēs)]—enfatizando talvez sua angústia emocional em vez de sua dor física.

[23] Joseph Fitzmyer, The Gospel According to Luke X– XXIV, The Anchor Bible, vol. 28a, (Garden City, NY: Doubleday, 1985), p. 1133.

[24] Liddell e Scott, Greek-English Lexicon, s.v. katapsuchō. Liddell e Scott definem como “gelado”, “frio” ou “fresco” enquanto eles empregam o adjetivo correlato katapsuchros como “muito gelado”.

[25] E.g., ver Stanley E. Porter, Jeffrey T. Reed, e Matthew Brook O’Donnell, Fundamentals of New Testament Greek (Grand Rapids, MI: Eerdmans, 2010), pp. 132–133.

[26] E.g., 2 Samuel 16:20; 1 Reis 18:27; 22:13–16; Isaías 46:6–7; Jeremias 10:5; 12:5; Mateus 23:4; Marcos 7:25–30; João 1:45–46; 2 Coríntios 12:13; Gálatas 5:12.

[27] Ellen G. White, Parábolas de Jesus, p. 265.

[28] A Bíblia contém diversas estórias de pessoas que morreram e foram trazidas de volta a vida, sendo a de Lázaro a mais conhecida. Todavia, ninguém contava contos de vida após a morte porque não haviam tais contos para serem contados. Os mortos “não sabem coisa nenhuma” (Ec 9:5).

3 comentários

  1. Dhalton Sá Responder

    Muito bem explanado e com argumentos muito bem fundamentados!

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